ANO
9 |
LIVRARIA VIRTUAL em
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EDIÇÃO
2898
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Uma terça com
agenda densa. Destaco um ponto. Pela manhã tenho aula de Ética, Sociedade e
Meio Ambiente, com o a turma de licenciatura em Música. Não dou aula de
História da Música ou algo assemelhado. Comento com o grupo que os meus saberes
posso ensinar para eles. Mas, eu não tenho possibilidade de aprender aquilo que
os fazem distinguido. Mesmo que desejasse aprender a tocar violão, violino,
flauta... não aprenderia.
No domingo li um
texto, na Ilustríssima da Folha de S. Paulo, que meu remeteu aos
meus alunos. Pode parecer que esteja forçando a barra. É insonhada a
possibilidade de concorrer com meu estimado colega Ayres Potthoff. Mas, parece que o assunto tem a ver com minha
disciplina. Eis que beleza de memórias que viram histórias:
O violão chega à universidade
Rio de Janeiro, 1980 Ricardo Tacuchian
As primeiras linhas de "Triste Fim de Policarpo
Quaresma", romance que Lima Barreto publicou no alvorecer do século 20,
descrevem o metódico major Quaresma chocando seus vizinhos do pacato bairro de
São Januário, no Rio de Janeiro: o militar estava recebendo em casa um sujeito
"baixo, magro, pálido, com um violão agasalhado numa bolsa de
camurça". Escândalo. "Um violão em casa tão respeitável! Que seria?
[...] A vizinhança concluiu logo que o major aprendia a tocar violão. Mas que
cousa? Um homem tão sério metido nessas malandragens!"
Cinco décadas depois, a situação — o violão ser visto como
símbolo de malandragem — ainda se repetia, num Rio de Janeiro prestes a
deslanchar a bossa nova, na cidade natal de Villa-Lobos, ele próprio um
violonista. E eu testemunhei a cena. Corriam os anos 1950. Eu estudava na
Universidade do Brasil (que se transformaria na UFRJ, Universidade Federal do
Rio de Janeiro) e certo dia um colega entrou na então Escola Nacional de Música
segurando um violão.
Um dos professores imediatamente chamou a atenção do rapaz para
a inconveniência — um "instrumento de má reputação numa escola
séria?!"— Fiquei chocado. O rapaz se encolheu e quase escondeu aquele
instrumento rasteiro e desclassificado.
Tornei-me professor da Escola de Música, uma instituição que — reconheço
— teve sempre um caráter algo elitista. Instrumentos como o bandolim e o
cavaquinho só muito recentemente foram admitidos como especialização. Mesmo o
saxofone foi uma conquista.
Em 1980, o violão continuava sendo um instrumento sem chance de
ser carregado por um aluno da Escola de Música da UFRJ rumo à sala de aula. Mas
um violonista assumira a direção da Sala Cecília Meireles, um dos mais
importantes palcos de concerto do país, logo ali do outro lado da rua. Turibio
Santos estava recém-chegado de uma longa temporada na Europa, fora aclamado por
lá em palcos e em gravações de grande sucesso.
Percebi que a hora era essa — e Turibio seria meu grande aliado.
Atravessei a rua e propus que criássemos a cadeira de violão. Ele topou meu
desafio e acabou tornando-se o primeiro titular do primeiro curso de violão
numa universidade pública brasileira. E meu grande conselheiro na composição
para o instrumento.
Sou um compositor voltado para a música sinfônica e de câmara,
com formação de pianista, e sigo defendendo o violão, que ocupa gorda fatia do
meu catálogo de obras. O compositor de ofício não precisa ser trompista ou
violoncelista para escrever corretamente para esses instrumentos, mas é
fundamental que tenha sempre um bom solista como consultor.
A relação compositor/intérprete sempre foi muito produtiva, em
busca de resultados mais convincentes. Em toda a história da música, os grandes
compositores se aconselharam com solistas — exemplo clássico é o da relação
entre Brahms e o violinista Joachim, para quem escreveu seu famoso
"Concerto para Violino e Orquestra".
Mas é preciso dizer: a escrita do violão clássico é um caso
particular, porque sua aparente simplicidade esconde muitas armadilhas.
Sempre me seduziu a dimensão acústica do violão. O violonista
toca abraçado às curvas sensuais de seu instrumento. E, já que começamos essa
conversa com Lima Barreto e seu major, encerro com ele: "Quaresma estivera
muito tempo a meditar qual seria a expressão poético-musical característica da
alma nacional. Consultou historiadores, cronistas e filósofos e adquiriu
certeza que era a modinha acompanhada pelo violão. Seguro dessa verdade, não
teve dúvidas: tratou de aprender o instrumento genuinamente brasileiro e entrar
nos segredos da modinha".
Ode ao violão
ResponderExcluirHá quem suas idéias coloque em letras
E alguns que possuem outra inspiração
Para escritor seu instrumento é caneta
Porém ao músico lhe bem serve o violão.
E digamos que cada um sabe o que faz
Porque não somos iguais por definição
Porquanto a um, conciso texto lhe apraz
Alumbrado, outro compõe uma canção.
E não existe instrumento menos nobre
Que resida em favela não numa mansão
Que defina quem é rico, quem é pobre
Porque instrumentos todos iguais o são.
Portanto em lugar que o talento sobre
Tanto faz produzir a máquina ou a mão.
E como faz bem ouvir o tilintar das cordas de um violão...
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