TRADUÇAO / TRANSLATE / TRADUCCIÓN

terça-feira, 16 de setembro de 2014

16.-SUA MAJESTADE, O VIOLÃO

 

ANO
 9
LIVRARIA VIRTUAL em
Www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
 2898

Uma terça com agenda densa. Destaco um ponto. Pela manhã tenho aula de Ética, Sociedade e Meio Ambiente, com o a turma de licenciatura em Música. Não dou aula de História da Música ou algo assemelhado. Comento com o grupo que os meus saberes posso ensinar para eles. Mas, eu não tenho possibilidade de aprender aquilo que os fazem distinguido. Mesmo que desejasse aprender a tocar violão, violino, flauta... não aprenderia.
No domingo li um texto, na Ilustríssima da Folha de S. Paulo, que meu remeteu aos meus alunos. Pode parecer que esteja forçando a barra. É insonhada a possibilidade de concorrer com meu estimado colega Ayres Potthoff. Mas, parece que o assunto tem a ver com minha disciplina. Eis que beleza de memórias que viram histórias:
O violão chega à universidade Rio de Janeiro, 1980 Ricardo Tacuchian
As primeiras linhas de "Triste Fim de Policarpo Quaresma", romance que Lima Barreto publicou no alvorecer do século 20, descrevem o metódico major Quaresma chocando seus vizinhos do pacato bairro de São Januário, no Rio de Janeiro: o militar estava recebendo em casa um sujeito "baixo, magro, pálido, com um violão agasalhado numa bolsa de camurça". Escândalo. "Um violão em casa tão respeitável! Que seria? [...] A vizinhança concluiu logo que o major aprendia a tocar violão. Mas que cousa? Um homem tão sério metido nessas malandragens!"
Cinco décadas depois, a situação — o violão ser visto como símbolo de malandragem — ainda se repetia, num Rio de Janeiro prestes a deslanchar a bossa nova, na cidade natal de Villa-Lobos, ele próprio um violonista. E eu testemunhei a cena. Corriam os anos 1950. Eu estudava na Universidade do Brasil (que se transformaria na UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro) e certo dia um colega entrou na então Escola Nacional de Música segurando um violão.
Um dos professores imediatamente chamou a atenção do rapaz para a inconveniência — um "instrumento de má reputação numa escola séria?!"— Fiquei chocado. O rapaz se encolheu e quase escondeu aquele instrumento rasteiro e desclassificado.
Tornei-me professor da Escola de Música, uma instituição que — reconheço — teve sempre um caráter algo elitista. Instrumentos como o bandolim e o cavaquinho só muito recentemente foram admitidos como especialização. Mesmo o saxofone foi uma conquista.
Em 1980, o violão continuava sendo um instrumento sem chance de ser carregado por um aluno da Escola de Música da UFRJ rumo à sala de aula. Mas um violonista assumira a direção da Sala Cecília Meireles, um dos mais importantes palcos de concerto do país, logo ali do outro lado da rua. Turibio Santos estava recém-chegado de uma longa temporada na Europa, fora aclamado por lá em palcos e em gravações de grande sucesso.
Percebi que a hora era essa — e Turibio seria meu grande aliado. Atravessei a rua e propus que criássemos a cadeira de violão. Ele topou meu desafio e acabou tornando-se o primeiro titular do primeiro curso de violão numa universidade pública brasileira. E meu grande conselheiro na composição para o instrumento.
Sou um compositor voltado para a música sinfônica e de câmara, com formação de pianista, e sigo defendendo o violão, que ocupa gorda fatia do meu catálogo de obras. O compositor de ofício não precisa ser trompista ou violoncelista para escrever corretamente para esses instrumentos, mas é fundamental que tenha sempre um bom solista como consultor.
A relação compositor/intérprete sempre foi muito produtiva, em busca de resultados mais convincentes. Em toda a história da música, os grandes compositores se aconselharam com solistas — exemplo clássico é o da relação entre Brahms e o violinista Joachim, para quem escreveu seu famoso "Concerto para Violino e Orquestra".
Mas é preciso dizer: a escrita do violão clássico é um caso particular, porque sua aparente simplicidade esconde muitas armadilhas.
Sempre me seduziu a dimensão acústica do violão. O violonista toca abraçado às curvas sensuais de seu instrumento. E, já que começamos essa conversa com Lima Barreto e seu major, encerro com ele: "Quaresma estivera muito tempo a meditar qual seria a expressão poético-musical característica da alma nacional. Consultou historiadores, cronistas e filósofos e adquiriu certeza que era a modinha acompanhada pelo violão. Seguro dessa verdade, não teve dúvidas: tratou de aprender o instrumento genuinamente brasileiro e entrar nos segredos da modinha". 

2 comentários:

  1. Ode ao violão

    Há quem suas idéias coloque em letras
    E alguns que possuem outra inspiração
    Para escritor seu instrumento é caneta
    Porém ao músico lhe bem serve o violão.

    E digamos que cada um sabe o que faz
    Porque não somos iguais por definição
    Porquanto a um, conciso texto lhe apraz
    Alumbrado, outro compõe uma canção.

    E não existe instrumento menos nobre
    Que resida em favela não numa mansão
    Que defina quem é rico, quem é pobre
    Porque instrumentos todos iguais o são.

    Portanto em lugar que o talento sobre
    Tanto faz produzir a máquina ou a mão.

    ResponderExcluir
  2. E como faz bem ouvir o tilintar das cordas de um violão...

    ResponderExcluir