Já
estamos no último sábado de fevereiro, mês em que já houve três sábados de
dicas sabáticas memoráveis. A de hoje rescende, ainda, a sabor de férias. Fui
presenteado pelo bom gosto da Liba, mãe da Gelsa, em fevereiro, quando
estávamos em Canela, com o livro que se faz a sugestão deste sábado:
DE WAAL, Edmund. A Lebre dos Olhos de Âmbar. [The Hare with the Ambar Eyes (tradução
de Alexandre Barbosa)] Rio de Janeiro: Intrínseca, 318 p. 228x160x16. R$ 29,90.
ISBN 978-85-8057-090-8
Há
alguns dias programara escrever um texto sobre livro que me encantou. Ocorre,
como contei aqui na quinta-feira, na pluviosa tarde do dia 20 fuí vitima de uma
versão pós-moderna do dilúvio, com closet feito queda d’água, com alguns
hectolitros de uma chuva histórica lançados em meu apartamento.
Reconto
isto para justificar minha apropriação de uma excelente resenha de Antonio Gonçalves Filho, publicada em O Estado de S. Paulo em 17OUT11. Em texto de qualidade, os
leitores conhecerão o autor e o livro com muito mais propriedade que em um escrito
aligeirado de um quase flagelado. A seguir o texto anunciado:
Em raras ocasiões um best seller combina uma boa história com
ambição literária, ainda mais quando se trata de um exercício memorialista. No
entanto, A Lebre Com Olhos de Âmbar,
livro de estreia do conhecido ceramista inglês Edmund de Waal [Foto], conseguiu ao mesmo
tempo a consagração do público e da crítica. Além de ganhar o prêmio Costa Book
de melhor biografia, o livro foi comprado por editores do mundo todo e
publicado em 20 diferentes línguas. De Waal tem sotaque proustiano e
sensibilidade sebaldiana. Em outras palavras: como Proust (1871-1922), evoca o
passado familiar com notável riqueza de detalhes e, a exemplo do alemão W. G.
Sebald (1944-2001), cruza fatos reais e ficção com enorme talento. De Londres,
onde mora com a família, o herdeiro da família Ephrussi — os maiores
exportadores de trigo do mundo no século 19, além de banqueiros e mecenas de
artistas (Renoir, Monet) — concedeu uma entrevista ao Caderno 2, em que anuncia
sua intenção de continuar a carreira literária.
Seu
livro A Lebre Com Olhos de Âmbar
conta a história do clã Ephrussi, mas as estrelas são 264 miniaturas japonesas
entalhadas em madeira e marfim. Atrás da origem e da história desses netsuquês,
que herdou de um tio-avô morador em Tóquio, De Waal, do ramo holandês da
família Ephrussi, descobriu que existiam enormes semelhanças entre o
antepassado Charles Ephrussi, um primo de seu bisavô, e o Charles Swann de Em Busca do Tempo Perdido, a obra-prima
de Proust. Ambos eram judeus, eruditos, milionários e amigos da realeza. Os
dois escreveram monografias sobre artistas — o Charles real sobre Dürer e o
Charles de Proust, sobre Vermeer. Tanto o antepassado do escritor como o
Charles ficcional eram dândis, gostavam de belas mulheres e obras de arte
japonesas (bem, todo o 'grand monde' parisiense gostava, na época).
Por
ter uma amante igualmente fascinada pela onda japonista do fim de século 19, que
conquistou pintores impressionistas bancados pelo Charles real (como Monet), o
primo do bisavô de De Waal comprou de uma vez só, na galeria dos irmãos Sichel,
em Paris, a coleção de netsuquês, que deu de presente à bela Louise, retratada
por Proust como a demi-mondaine Odette, amante de Swann, que o recebia de
quimono numa sala cheia de biombos e almofadas de seda japoneses. Charles
Ephrussi, então, era proprietário da Gazette,
amigo de artistas como Renoir, que o retratou na famosa tela O Almoço dos Remadores.
Segundo De Waal, ele foi se tornando defensor dos pintores que conhecia,
encomendando resenhas e escrevendo ele mesmo, sob pseudônimo, a respeito das
bailarinas de Degas.
Sem
saber mesmo a razão, também o pequeno De Waal foi atraído pelo japonismo. Aos
cinco anos, pediu ao pai que o matriculasse num curso de cerâmica. Estudou com
o maior dos mestres ingleses, Bernard Leach, homem austero que o ensinou a ter
respeito pelo material e pela cultura japonesa. Em 1991, De Waal, então com 27
anos, ganhou uma bolsa para estudar japonês em Tóquio, aproveitando o tempo
livre para pesquisar nos arquivos e bibliotecas locais. Queria escrever um
livro cujo tema seria exatamente a maneira como o Ocidente interpreta de
maneira equivocada o Japão. Uma tarde, porém, ao visitar o tio-avô Iggie, de 84
anos, viu sua vitrine de netsuquês e este contou ao sobrinho a história do pai
e da mãe, que ganharam de presente de casamento a coleção de miniaturas de
Charles Ephrussi.
Fascinado,
De Waal percebeu que essas miniaturas de animais e pessoas contavam não só a
história da família como dos principais eventos dos séculos 19 e 20. Enquanto
os japoneses eram extremamente raros na Paris de 1870, todos colecionavam
japonaiseries. Tornou-se hábito entre os ricos correr a Rue Martel, onde eram
vendidos objetos do Extremo Oriente. Charles e sua amante Louise,
neojaponistas, não fugiam à regra. De Waal desconfia que, por trás da cobiça
dos netsuquês, havia uma compulsão mal disfarçada de pilhar ou violar o Japão,
que só existia para a França como possibilidade de satisfação em vários níveis
(artístico, comercial e sexual).
"É
difícil falar de um objeto sem romantizá-lo, ainda mais quando se trata de
netsuquês, mas, claro, eles carregam a energia dos artistas que o fizeram e
também a dos ex-proprietários", diz De Waal, concluindo que seu livro
"é uma maneira de procurar entender, afinal, o que significa um
objeto". No caso, essas 264 miniaturas, que retratam lebres, tartatrugas,
tigres, toneleiros e um monge dormindo sobre sua cuia de esmola (seu
preferido), passaram pela elegante mansão de Charles e Louise em Paris, foram
salvos dos nazistas em Viena e voltaram ao Japão quando o tio-avô do escritor,
Iggie, ao término da Segunda Guerra, entrou no país como militar e conheceu um
japonês, Jiro, filho de uma família de fabricantes de tamancos, por quem se
apaixonou. Eles viveram 41 anos juntos. Quando morreu, o companheiro do tio deu
a coleção de presente ao escritor.
Cada
uma dessas miniaturas, diz De Waal no livro, "é uma resistência ao
sangramento da memória". Eles foram, por exemplo, escondidos dentro de um
colchão para escapar da pilhagem empreendida pelos nazistas nas casas dos
judeus, em 1938. A própria história dessas peças revelou passagens obscuras da
trajetória da família Ephrussi. "De qualquer forma, não tinha como modelo
a escrita proustiana", garante o escritor. "Não era a nostalgia que
me movia, mas um desejo sincero de recontar essa história em que os netsuquês
deixam de ser simples objetos de consumo no Ocidente e perdem o exotismo quando
voltam ao Japão".
Nesse
ponto, a escrita de De Waal troca o memorialismo proustiano pela abordagem de
Sebald ao tratar da memória pessoal e histórica como forma de reconciliação.
"Leio os escritores franceses e ingleses, mas prefiro os de língua alemã,
como Sebald e Musil", diz, assumindo o primeiro como modelo. Ele levou
anos preparando o livro e seu primeiro crítico foi o pai. "Mostrei a ele e
pedi que fosse rígido, adiantando que só publicaria se desse sua
aprovação". Caso contrário, garante, "teria destruído os
manuscritos". Felizmente, para os leitores, o pai de De Waal deu sua
benção.
Caro Mestre, suas blogadas dariam um livro. Entre dicas e experências pessoais sempre há algo de novo. Achei o relato do xará um pouco extenso, sem perder entretanto qualidade.
ResponderExcluirabraços
Antonio Jorge
Caro professor Chassot,
ResponderExcluirSó o título deste livro já vale uma consulta por parte dos leitores. Liindo! E a história parece muito atraente. Coloquei na minhas lista. Grata!
Limerique
ResponderExcluirLá vem Chassot com dica semanal
Interessante leitura em geral
Confio na sua sugestão
Quem tem minha adesão
Não declino de obter nem a pau.
Meu Caro Mestre
ResponderExcluirTenho acessado constantemente as ediçoes sabatinas, principalmetne por causa das dicas de leitura. Já tenho um rol de selecionados para aquisição nos proximos meses. Todavia, sou bastante afeito às leituras de não ficção, e rejeito o que não trata de nossas realidades. Fica a pergunta: "Há como modificar esse costume? Ou poderia me indicar algum titulo que contribuisse para eu rever este preconceito?"
Abraço JB
Limerique
ResponderExcluirSão dicas de leitura fantásticas
De uma sumidade escolástica
Nós, mortais, agradecemos
Humildes, aquiescemos
A essas sugestões metafrásticas.