Em
minha história de acompanhamento de dramáticas inundações — tão fortemente
marcadas nas narrativas míticas de dilúvios — usualmente as relaciono com
populações ribeirinhas ou moradores de baixadas. Desta vez vivi quase um paradoxo
hidrostático.
Como
contei ontem aqui, com super-chuvarada e ruptura de um cano de escoamento
pluvial que fez no closet uma cascada, fui feito um alagado no sétimo andar. Na
quinta-feira, com queridas solidariedades, movimentei seguro e orçamentos em
busca de recuperação. Tudo vai se ajeitando.
A
publicação nesta terça-feira do texto Deus hipotético de
L.F. Veríssimo referindo a parábola do Dostoievski sobre o encontro do
Grande Inquisidor com Jesus Cristo ensejou um tríduo dostoievskiano no qual
na quarta-feira se trouxe algo do
conto o Grande Inquisidor; ontem a proposta foi falar de seu autor e hoje se concluí com
informações sobre o cenário do conto:
Sevilha, à época da Inquisição.
Acerca
da Inquisição (mormente a espanhola a mais extensa e talvez a mais dolorosa e
aqui se inclui aquela na América espanhola) há farta literatura. No Educação conSciência, escrito em 2002 na
privilegiada situação de viver em pós-doutoramento em Madrid anuncio no sumário
assim o capítulo 10: A ciência na Inquisição ou novas leituras para entender situações
que foram conflituosas, mas que não podem ser esquecidas pois corremos o risco
de repetir momentos que foram cruentos. O frontispício do capítulo se faz
com uma frase atribuída a Miguel de Cervantes: A liberdade, amigo Sanchez, é o mais precioso presente que os céus
deram aos homens.
Assim
nesta sexta-feira quaresmal, para entender o contexto de Grande Inquisidor vale ver algo Inquisição espanhola narrada no conto: A
cidade de Sevilha citada no conto é o local escolhido para o retorno terrestre
de Cristo. Tal citação remete-nos ao período da Inquisição espanhola.
Na
Espanha, espaço alvo da narrativa de O Grande Inquisidor, a formação cultural e
religiosa era composta de cristãos, judeus e muçulmanos.
A
partir do século 15, iniciou-se um período de intolerância em relação aos judeus
daquele país, o que culminou na criação de O
Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, em 1480. A Inquisição Espanhola
prestava contas à Coroa e recebeu apoio da Igreja. O alvo primário dessa
inquisição foi a população judaica da Península Ibérica.
Andaluzia
era um dos centros mais populosos de conversos [ou cristãos novos, ou seja,
judeus espanhóis convertidos ao catolicismo] e a Inquisição começou seu
trabalho em Sevilha. Entre os anos de 1481 a 1488 mais de setecentos conversos
foram queimados vivos e mais cinco mil foram presos e penitenciados. Em 1483, Tomás
de Torquemada (1420-1498) foi nomeado inquisidor geral.
Outra
eminência da Inquisição espanhola foi Francisco Jimenez de Cisneros (1436-1517),
Franciscano (1484), Cardeal de Toledo (1495), foi dos inquisidores gerais mais
severos. Dirigiu campanha para a conversão dos mouros, conduzindo pessoalmente
expedição ao Norte da África. Restaurou a disciplina eclesiástica e fundou a
Universidade de Alcalá de Henares (1498). Teve além de poder eclesiástico
grande influência política, tendo sido regente do reino de Castela (1516) e
confessor da Rainha Isabel, a Católica.
A
partir de 1483, todos os tribunais da Inquisição na Espanha cristã tiveram como
inquisidor geral Tomás de Torquemada. O inquisidor geral, ou grande inquisidor,
era a função correspondente ao presidente da Inquisição na Espanha e sobre ele
estava o poder de destituir e condenar.
Ao
inquisidor cabia a função de investigador (inquisitor) e juiz, pois era ele quem
investigava, julgava e condenava os casos de heresia. No livro Manual dos Inquisidores, [EYMERICH, Nicolau Frei. Manual dos inquisidores. Tradução de
Maria José Lopes da Silva, Prefácio de Leonardo Boff. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos, 1993] (mais extensamente comentado no Educação conSciência) encontra-se um relato de como deveria ser o inquisidor,
além de admoestações contra suas punições:
O
inquisidor deve ser honesto no seu trabalho, de uma prudência extrema, de uma firmeza
perseverante, de uma erudição católica perfeita e cheia de virtudes. Todos os
inquisidores devem ser doutores em Teologia, Direito Canônico e Direito Civil.
[...] Lembremos que é sempre melhor evitar punir os inquisidores, porque, com a
punição, é a instituição inquisitorial que é atingida. Logo ela não será mais
respeitada e temida pela plebe ignara (populo stulto).
Em
relação ao inquisidor geral, Tomás de Torquemada, pode-se dizer que era
extremamente zeloso em relação à Inquisição.
Limerique
ResponderExcluirEra um período negro da História
No homem mancha de triste memória
Matava-se em nome de deus
Tanto gentios como hebreus
E a religião enchia-se de glória.
Chassot,
ResponderExcluirEm contraponto ao teu eufemismo "extremamente zeloso" sobre Torquemada, veja o que escrevi sobre ele a algum tempo:
"Um dos mais temíveis representantes da Inquisição foi Tomás de Torquemada, figura maldita que serviu de modelo para Sade criar seus personagens degenerados. Parece um caso típico de criatura que superou o criador, neste caso, em crueldade. Padre católico, de vida sexual mal resolvida, - tinha amantes de ambos os sexos e era chegado a uma perversão, inclusive com animais, defuntos e crianças - nascido em Valladolid, Espanha, principal organizador da Inquisição espanhola. De origem judaica e sobrinho do cardeal Juan de Torquemada. Nomeado como inquisidor e prestigiado pela rainha Isabel de Castela, este clérigo psicopata promoveu uma feroz caçada contra bígamos, aleijados, agiotas, judeus, mouros, conversos, bruxas, homossexuais e cegos. Movido por um ódio inexplicável a tudo que não fossem os cânones da doutrina, espalhou terror por toda Espanha, mandou para a fogueira mais pessoas que qualquer um dos demais inquisidores. Instalado em Ávila onde ficou até sua morte, promulgou (1484) os 28 artigos que orientavam os inquisidores no julgamento de crimes contra a ortodoxia da igreja, autorizou a tortura para obter evidências caso o acusado se recusasse a confessar, baseado no princípio que o denunciado era culpado a priori. Célebre pelo fanatismo religioso e desumanidade, seu nome tornou-se símbolo da temível instituição e chegou a ofuscar o poder real. A sua ferrenha atuação acabou fazendo com que sua fama percorresse os quatro cantos da Espanha e inquietou o próprio Vaticano, este preocupado não com a maldade do inquisidor, mas sim que sua fama lhe concedesse poder que viesse a rivalizar com o poder Papal, uma espécie de anticristo espúrio".
A postura dogmática da igreja é fanática e estreita, a interpretação zetética da ciência é polêmica. O bom senso em saber quando é a hora deste ou daquele parâmetro prevalecer é o príncipio da sabedoria. O homem, quando investido do poder, transmuta-se na besta mais egoísta e radical possível. Este fenômeno ocorre seja na religião, na política, na ciência ou qualquer outro meio social.
ResponderExcluirEm tempo, providencial a pequena biografia de Torquemada disponibilizada pelo professor Jair.
abraços
Antonio Jorge