Ano 7*** PORTO ALEGRE Morada dos Afagos
***Edição 2341
A proposta sabática de falar em leituras hoje se faz
diferente. Apenas uma pergunta e uma resposta.
Chassot,
queria tua opinião sobre um dos livros que mais me marcou: The Demon-Haunted World, science as a candle in the dark, que Carl
Sagan escreveu pouco antes de morrer, e que foi traduzido como Mundo Assombrado pelos Demônios, que
ganhou uma versão em 2006 pela Companhia de Bolso. Nele aprendi que ensinar
ciência não é jogar sementes ao vento.
Meu querido
amigo, convidas comentar um livro e um autor. Mundo assombrado pelos demônios, com seu emblemático subtítulo: A Ciência vista como uma vela no escuro é
um texto que poderia ser o ‘livro de cabeceira’ de professores que pretendem
fazer alfabetização científica. Certa vez o referi em um seminário e meu colega
Prof. dr. Fleming Pedroso anunciou que estava emocionado, pois fora o primeiro
livro que dera a sua filha. Há passagens emocionantes em cada um dos seus 25
capítulos.
Gosto de
citar um parágrafo, para mostrar aos meus estudantes que se sentem menos por
não ‘ter berço na Ciência’: “Meus pais
não eram cientistas. Não sabiam quase nada sobre ciência. Mas ao me apresentar
simultaneamente ao ceticismo e à admiração, me ensinaram as duas formas de
pensar, de tão difícil convivência, centrais para o método científico. Estavam
a apenas um passo da pobreza. Mas quando anunciei que queria ser astrônomo,
recebi apoio incondicional — mesmo que eles (e também eu) só tivessem uma ideia
muito rudimentar da profissão de astrônomo. Nunca sugeriam que, consideradas as
circunstâncias, talvez fosse melhor eu ser médico ou advogado.” Esta
citação é sempre muito oportuna para aumentar a autoestima de meus alunos da
graduação, cuja maioria pertence a uma primeira geração que chega à
Universidade. Sagan nos mostra que não é preciso ter pedigree.
Nos
parágrafos seguintes soa desolador quando ele diz: “Gostaria de poder contar lhes contar sobre professores de ciência
inspiradores nos meus tempos de escola primária e secundária. Mas quando penso
no passado, não encontro nenhum.” E as evocações memorialísticas seguem
enumerando uma sucessão de inutilidades aprendidas (e esquecidas) muito do tipo
que falei neste blogue em 13NOV2012 de meus aprendizados de geografia.
O livro é
precioso e há histórias comoventes. Há sugestões envolventes.
Falei do
milagre, comentando um livro que se faz bíblico. Agora, um comentário sobre o
santo. Carl Edward Sagan (1934 — 1996) foi um cientista, astrônomo, cosmólogo,
autor, escritor de ficção científica e um grande divulgador científico
estadunidense. Tenho particular admiração pelo escritor. Mas tenho restrições.
Estas se assemelham aquelas que faço a Richard Dawkins (1941) um zoólogo,
etólogo, evolucionista e popular escritor de divulgação científica britânico,
natural do Quênia.
Minha
admiração por Dawkins o cientista que é um dos ícones do ateísmo se esboroa na
sua militância ateia, fazendo proselitismo igual a fundamentalistas religiosos.
Sagan não foi diferente em relação à Ciência. Para ele qualquer tentativa de
ler o mundo sem ser com os óculos da Ciência é exorcizada como algo demoníaco.
Há muitas
evidências desta afirmação. Fiquemos no título do livro em tela. Mundo assombrado pelos demônios. Quem
são os demônios? A pseudociência, medicinas alternativas, religiões, filosofias
alternativas, horóscopos, pensamento mágico, anjos, ETs, astrólogos, médiuns...
tudo deve ser banido para que a Ciência
possa ser vista como uma vela no escuro e traga a luz a um mundo sem as
trevas do obscurantismo.
Assim “Carl
Sagan acende a vela do conhecimento científico para tentar iluminar os dias de
hoje e recuperar os valores da racionalidade”. A capa do livro lembra algo dos
ofícios religiosos da Semana Santa: igreja às escuras, e um dos celebrantes
acende uma vela e canta: ‘Lumen Christi!’. Ao ver o livro devíamos cantar:
‘Lumen Scientiae!’ Parece-me não ser este o caminho. A Ciência é apenas um dos
óculos para ver mundo. Há outros.
Certamente que Carl Sagan é um dos nossos ícones da ciência, como tambem Dawkins, como nosso Marcelo e muitos outros. Porém em todos identifico um tempêro especial, o dom da dialética. Para se propagar um conhecimento tão importante quanto ele é a forma de faze-lo.
ResponderExcluirabraços
Antonio Jorge
A ciência pode não ser a única lente para ver o mundo mas é uma das poucas (talvez a única) que serve para qualquer usuário disposto a aprender como usá-la, independentemente de sexo, religião, etnia, signo, iniciação, sentimento especial, casta, fé, estado de espírito, santidade, iluminação, orientação sexual, dom, epifania...
ResponderExcluirArtes ou ciências que dependem mais do sujeito que do objeto, e que não podem ser submetidas a comprovação independente e metódica, ao peer review, etc... têm um pezinho no charlatanismo (ou pelo menos assim me parece) e raramente trazem a felicidade que quase sempre prometem... Desculpem se pareço positivista, binário, fundamentalista científico, cartesiano ou politicamente incorreto, mas é como penso. De tudo que já li ou ouvi Carl Sagan, Richard Dawkins (e Stephen Hawking) escreverem ou falarem, não lembro de nada que não faça total sentido pra mim. Por isso canto com entusiasmo sincero ‘Lumen Scientiae!’
Limerique
ResponderExcluirChassot, teus óculos são muitos pares
Como não te cansas de alardeares
Isso é inteligente
E muito abrangente
Mas ciência exige bons pensares.
Muito estimado Juliano,
ResponderExcluirprimeiro celebro que por meu ‘falar mal de Sagan’ no blogue deste último sábado de 2012 não tenha perdido um querido amigo que vive no quase ignoto Vietnam. [esclarecimento a outros leitores: o Juliano é a quem, no alerta diário que faço no Facebook, refiro dizendo que “leitor deste blogue, por conhecer o que estaria pautado para este sábado, postou, com mordaz e douta ironia, este comentário: ‘Se o senhor falar mal de Carl Sagan não sou mais seu amigo:-D’” ].
Segundo não tenho como rotular-te com nenhum dos qualificativos que insinuas parecer (positivista, binário, fundamentalista científico, cartesiano ou politicamente incorreto) pois como tu, tenho na Ciência o óculo que mais me agrada e mais me convém.
Isto não me tolhe que seja um aristotélico que use o senso comum quando me encanto com um pôr-do-sol ou use o pensamento mágico quando torço por um time de futebol sem ir ao estádio ou tenha usado (também) medicinas alternativas quando tive câncer em 1999. Às vezes me sinto até religioso quando brado contra as injustiças divinas ou me encante e busco explicações nas narrativas míticas. Aceito inclusive o uso dos saberes primevos para ler o cotidiano. Para mim é natural teu ‘Lumen Scientiae’. Eu não a cultuo a este auge pois ela que qual Goilen faz que a cada dia 30 mil pessoas moram por falta de água ou colabora para construir armas ou destruir como no 11Setmbro2001.
Corrijo-me não é a Ciência, que tantas vezes se parece com uma fada benfazeja que faz tudo isso! Não existe um ente Ciência, ela não é mais que um mentefato. Existem mulheres e homens que fazem o bem ou o mal, usando a Ciência.
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
Faço minhas as palavras do Juliano... rsrsrsrs... LUMEN SCIENTIAE!
ResponderExcluirProfessor, sempre ouvi falar dessa obra pelos corredores aqui da Universidade.... Seu comentário me trouxe a curiosidade. Agora irei adquirir e ler a obra.
ResponderExcluirAlessandro Oliveira
Estimado Alessandro,
Excluirvale ler este livro, que tem tudo a ver com tua área de estudo.
O livro está na sua íntegra com diagramação muito, disponível para download.
Vale a pena.
Com estima
attico chassot
Desculpem a empolgação do meu comentário, sou um nerd incorrigível :-)
ResponderExcluirNossa!!
ResponderExcluirAs discussões me fizeram ter curiosidade para conhecer tal autor, que até então, no auge de minha ignorância, não conheço!!
Gostei das reflexões e ainda mais quando você se desnuda falando que faz uso do senso comum. (Acredito estar implicitamente inclusa neste trecho do comentário).
Penso que a Ciência é apenas um caminho para entender/ ler o mundo. Contudo, precisamos de outras ramificações para desvelarmos o insondável....
Um abraço Ana Cláudia Maquiné
Começo me desculpando pelo tamanho que acho que este post vai ter. Ana Cláudia Maquiné, Carl Sagan é para ser lido, suas imagens degustadas (o seu livro Cosmos traz imagens encantadoras dos planetas do nosso Sistema Solar observados de perto por sondas espaciais) e visto no youtube ou na tv (a série de TV Cosmos, dirigida e apresentada nos anos 80 por ele pode ser facilmente encontrada no youtube ou em uma coleção completa de DVDs lançados há alguns anos pela Superinteressante, e que vez por outra é ofertada em sites de vendas pela internet ou transmitida por canais educativos como o futura). Assistir a essa série quando criança (se não me falha a memória, era programação dominical da Globo, espaço que acho que hoje é do Domingão do Faustão) teve um enorme impacto na minha vida, ajudando a me transformar de futuro seminarista a "ateu praticante" e professor de ciências. Quanto à questão da morte das pessoas por falta de água potável permito-me observar que podemos culpar a ciência (poluição, pelo mau uso da ciência e da tecnologia) ou a falta dela (falta de projetos para destinação de resíduos ou sistemas de tratamento de água, saneamento básico, etc). Em relação ao 11 de setembro, podemos culpar o imperialismo norte-americano (com raízes fundamentalistas, vide destino manifesto), que teria dado "motivo" ao ataque e/ou podemos responsabilizar o fundamentalismo religioso islâmico(motivado por certezas absolutas que as principais religiões invariavelmente fornecem), ou apresentar outras motivações, dependendo da bandeira religiosa, política ou ideológica que desejemos (ou não) carregar. Mas penso que é atirar pedra na Geni responsabilizar a ciência por aquela tragédia. Aproveito para manifestar minha concordância com o sempre amigo professor Áttico Chassot, de que o problema muitas vezes é o mau uso que algumas pessoas fazem desse mentefato a que chamamos ciência. Abraço aqui do outro lado do mundo e Feliz Ano Novo!
ResponderExcluirMeu caro Juliano!
Excluiragora serei breve, pois escrevo no iPad cujo teclado me irrita por suas -- as vezes -- indesejadas correções.
1) vibro que o Brasil tenha em seu corpo diplomático pessoas como tu (e.g. 11Set2001).
2) não apedrejo a Ciência e sim mulheres e homens que usam a Ciência para o mal.
3) encontro admirável coincidência em nossos posicionamentos.
4) balanço de 2012 ter conhecido o Juliano.
Sermos parceiros em 2013 fará o ano ainda melhor,
Muita PAZ!
attico chassot
Boa tarde, prezado Juliano! Agradeço as suas dicas e ainda hoje estarei passando em uma livraria pra ter mais intimidade com o Sr. Carl Sagan.
ResponderExcluirDesejo um excelente domingo!!!
Att. Ana Cláudia Maquiné
Muito querida Ana Cláudia,
Excluirse as livrarias de Manaus não mitigarem tu sofreguidão, há na Internet o Mundo Assombrado pelos Demônios completo, com a emblemática capa disponível para download grátis.
Um bom domingo,
attico chassot
Meu queridíssimo mestre. Sagan foi o que pode se chamar de um dos últimos representantes do Iluminismo oitocentista. Sua fé na ciência era quase cega e tens toda a razão quando dizes que ela não é a única lente possível para ler o mundo. Mas devo dizer que perdoo o cientificismo de Sagan devido ao seu inesgotável trabalho para fazer divulgação científica séria e por sua visão humanista, ainda que equivocada, pois a racionalidade científica não redime mundo algum, muito menos o nosso... Feliz 2013, amigo!!!!
ResponderExcluirMuito querido amigo e colega Renato José de Oliveira,
Excluirum químico que se fez respeitado filosofo,
a Gelsa e eu subscrevemos teus comentários!
2013 sera ainda melhor pelas nossas continuadas parcerias!
achassot
Prezado Mestre Chassot,
ResponderExcluirPara não ficar somente no meu “achismo”, busco em Michel Foucault problematizar o embate entre a ciência e as outras formas de ver o mundo natural. Assim, segundo este autor o mais interessante não é determinar qual visão é a verdadeira ou falsa - aliás, para ele a verdade é deste mundo e tais verdades são produzidas dentro de relações de saber-poder - e sim tentar flagrar que condições históricas de possibilidades tornaram possíveis ou não, este ou aquele enunciado, penso que da mesma forma que a religião, cultura popular, cantilenas, astrologia e a alquimia, dentre outras visões, rotuladas como pseudociências podem ser tornar regimes de verdade, da mesma forma a ciência.
Suponho que dentre várias incidências de forças que tornaram possível a emergência da ciência como saber asséptico, desinteressado, neutro e a-histórico, de única teleologia encontrá-se enunciados como este de Thomas Kuhn que passo a transcrever: “Apenas as ciências naturais eram” boas ciências”, isto é, que apenas elas tinham atingido um estágio de maturidade plena e que no futuro, as ciências humanas chegariam lá”.
Fico aqui imaginando (como me ensinastes “criando imagens”) o sufoco de Max Planck, no limiar do século XX e preso ao paradigma “verdadeiro” da mecânica newtoniana, tentando pensar nas radiações eletromagnéticas dos corpos negros, cujas verdades se opunham ao paradigma vigente, sem falar nas incertezas de Heisenberg que tanto aborrecimentos causaram a Albert Einstein, poderia falar ainda sobre a geometria euclidiana que em certo campo não dá conta de explicar, carecendo do surgimento da geometria não euclidiana.
Realmente este grande construto humano chamado ciência é extraordinário, utilizando um termo chassotiano, porém impregnado de incertezas e verdades transitórias. Desejo-te um feliz 2013 de muita paz, saúde e muitíssima alfabetização científica.
Geziel Moura – Belém - PA
Muito querido Geziel,
Excluirpelo comentário belenense que traz um plus a esta blogada.
Há, as vezes posturas fundamentalistas vendo ‘demônios’ em qualquer leitura da natureza que não seja “rigorosamente científica”. Claro que reconhecemos na C i um bom óculo para olhar o mundo, mas fora dela há também alternativas.
Com agradecimentos.
attico chassot
Querido Attico,
ResponderExcluiré com certo atraso que recebes minha resposta. Volto o olhar ao passado e visualizo o presente para entender a ciência como uma construção humana.
Exorcizada tantas vezes, creio que os cientistas não devem tomar para si o manto de exorcistas e espantar os demônios em prol de uma visão única para enxergar um Universo tão diverso em formas e possibilidades.
Reforço tua conotação de que a ciência é um óculos possível, mas que não deve ser encarado como a única forma válida. Creio que nossa opção por esse óculos nos torne insensíveis e arrogantes para declararmo-nos detentores dos saberes e donos de verdades absolutas - essa nunca foi a função da ciência.
A ciência desembuída de atributos humanos talvez fosse barco sem destino, dirigindo-se por qualquer ímpeto de vento sem destino. É preciso fazer a ciência voltar-se ao ser humano e suas necessidades, para que seja ciência real. Será ciência os estudos nazistas envolvendo seres humanos? É uma pergunta que carece de reflexão e que não pode ser levada sem que consideremos valores e crenças não-científicos com que observamos o mundo.
Muito boa a discussão, que tanto pode ser prolongada. Também é muito gratificante celebrar o reencontro com o Geziel, que não enviava notícias a um tempo, talvez inserido nas matas paraenses buscando verificar saberes populares acerca dos efeitos do "pau do índio", vaticínio vegetal tão propagado no Mercado do Ver-o-Peso.
Grande abraço,
PAULO MARCELO