Ano 7*** PORTO ALEGRE Morada dos Afagos ***Edição 2040
Passada as
festas natalinas, já temos no horizonte a celebração da virada do ano. Para
voltar aquilo que é mote aqui, vou tentar responder ~~ parcialmente ~~ a uma
pergunta recebida, há não muito: Professor,
há um saber escolar que contemple o ensino de Ciências?
As discussões
acerca do tema envolvem pelo menos duas dimensões: uma, talvez, coubesse por
primeiro uma discussão: “generalista versus especialista” e a outra quais são
os saberes escolares que garantem uma ‘razoável’ alfabetização científica nos
estudos que precedem à Universidade.
Sabemos que
Ciência cresce, particularmente, pelas ações dos especialistas. Todavia são os
generalistas, com sua visão mais holística do mundo, que são cada vez mais
importantes não só para a transmissão dos saberes científicos, mas também para
sinalizações de possíveis direções para que os especialistas possa conduzir
espraiamentos da Ciência. Talvez, devêssemos sedimentar o pressuposto de que o
ensino fundamental e o médio não são locais para formar especialistas. Aliás,
vale o mesmo para os cursos de graduação.
Há uma
anedota escolar que sempre aflora quando se traz esta discussão. Narro a mesma
em dois cenários.
Manhã de segunda-feira, em um curso de
licenciatura: Professor! O senhor viu, na noite de ontem, na televisão,
aquela experiência de fizeram num ‘show de Ciência? Qual é a explicação? Vi
sim! Isto é um assunto de Química, eu sou físico. Procurado o professor de
Química, ele responde que o experimento é importante na área de Química
Orgânica, mas...’eu sou inorgânico! O professor de Química Orgânica, ao ser
questionado responde que sua área é de compostos acíclicos, e o problema
envolve compostos cíclicos. Buscado um especialista em compostos cíclicos, este
sublinha a importância do problema, mas diz tratar-se de compostos com anéis
hexagonais, mas que ele em seu doutoramento trabalhou com compostos com anéis
pentagonais. Procurado um novo expert, ele diz que realmente é uma
significativa questão envolvendo anéis pentagonais — assunto que já lhe rendeu
várias publicações e um pós-doutoramento, mas sempre teve seu campo de
investigação em anéis pentagonais homocíclicos, no caso em tela trata-se de
compostos com anéis heterocíclicos. Poderíamos continuar nossa história por
mais meia dúzia de especialistas que só entendem de seu mundinho, ou para ser
menos elegante, entendem da ‘cacaca da cacaquinha’.
Um segundo cenário: manhã de segunda-feira, em
uma escola de ensino fundamental: mesma pergunta inicial,
para o professor de Ciências. Certamente, com uma visão holística do mundo, traria
uma resposta que satisfaria a curiosidade do aluno.
Deixemos
momentaneamente a Escola. Vamos a uma situação de nosso cotidiano. Qual é a
primeira coisa que precisamos saber, para consultarmos um médico? Que doença
temos; assim podermos procurar o especialista em nossa enfermidade. Cena
possível, após procura de um otorrino que é credenciado por nosso convênio:
‘Doutor! Tenho um zumbido no ouvido direito... Após breve exame, um laudo
estimulante: Provavelmente tens tinitus, vou te recomendar a colega meu que é
especialista em ouvido direito, minha especialização é em ouvido esquerdo!
Sei que
trouxe uma situação caricata. Se pensarmos um pouco, ela tem muito de situações
que vivemos em nosso cotidiano. Apenas uma síntese: não é a escola o lócus de
formar especialistas. Lá somos generalistas.
A outra
dimensão acerca dos saberes escolares que garantem uma ‘razoável’ alfabetização
científica nos estudos que precedem à Universidade falo outro dia.
pois é, Professor. O Ensino Médio é o espaço dos generalistas, e mesmo assim a nova proposta de integrara as "disciplinas" está sofrendo de uma falta de compreensão incrível.
ResponderExcluirPenso que a suposta especialidade pode estar sendo usada como proteção: 'sei daqui até ali, não me intrometo na tua e não te intrometes na minha '
Outra piadinha com algo de verdadeira, sobre cúmulos: Ser generalista é ter um conhecimento não muito aprofundado sobre uma gama larga de assuntos (saber cada vez menos sobre cada vez mais), ser especialista é ter um conhecimento profundo sobre um campo bem estreito do conhecimento (saber cada vez mais sobre cada vez menos). Assim, o cúmulo do generalismo é saber nada sobre tudo e o cúmulo da especialização é saber tudo sobre nada.
ResponderExcluirPS. Achei muito interessante a colocação da Marília de que os nichos dos especialistas possam estar sendo usados como proteção, como demarcação de território.
Querida Marília,
ResponderExcluirtu —enquanto professora de Filosofia — deves te sentir com frequência ‘invasora’ dos espaços dos outros. “Isto é meu. Aquilo é teu”.
Vamos vencer os feudos: “Isso é nosso”
Com reconhecimento ao teu fazer Educação.
attico chassot
Primeiro: não deixa de ter um sabor especial ter um atento leitor realmente no outro lado do mundo, especialmente desde o Vietnam, que no imaginário de uma geração se fez sinônimo de atrocidades.
ResponderExcluirOs dois ‘cúmulos’ que trazes são a tradução de uma e outra situação.
Faço cópia desta mensagem a Marília para que conheça teu comentário.
Obrigado pelo prestígio que conferes a este blogue.
A admiração do
attico chassot
Mestre Chassot, perdoe-me mas não resisto em relatar uma piada de certa forma afeta ao tema.
ResponderExcluirEm um hospício, após um desabamento, saíram um médico auxliado por um louco sobrevivente para identificar os mortos e feridos. Saia o médico a frente e após breve exame dava o diagnóstico , morto ou ferido. O louco auxiliar ia atrás cobrindo os mortos e sinalizando com uma bandeira o local dos feridos para que o resgate os levassem. Em determinado momento após o rápido exame o médico determinou : "Morto" e seguiu em frente examinando os outros. Porém quando o louco auxiliar foi cobrir o suposto morto o mesmo balbulciou. "Me ajuda, eu não estou morto". Prontamente o louco auxiliar retorquiu: "Cala a boca rapaz, quer saber mais do que o médico?"
abraços
Antonio Jorge
Meu caro Antonio Jorge,
Excluirtua historieta lembra a máxima da Igreja: “Roma locuta, causa finita!” ou na versão de teu ‘causo’: “O doutor disse, fim de papo!”;
Obrigado por fazeres deste blogue parte de teu cotidiano,
attico chassot
Curti a historinha do louco auxiliar ehehe... mas, mudando de assunto, professor Attico, gostei muito do cap. 6 de Ensino de Química em Foco (não se preocupe, o capítulo 1 ainda não perdeu o título de mais legal do livro hehe). O cap. 6 me fez refletir sobre a minha prática de professor de química (atividade que espero voltar a exercer em breve) e como a gente propaga mitos ao tentar ensinar história da química aos alunos. Entre as referências do capítulo encontrei um artigo que também gostei muito, sobre pseudohistória da ciência, cujo link compartilho abaixo.
ResponderExcluirhttp://depa.fquim.unam.mx/amyd/archivero/AllchinsobrePseudo_20824.pdf
Meu caro Juliano,
Excluiro capítulo do Paulo Porto (o seis) em o “Ensino de Química em foco” é sumarento. Neste capítulo “os sinais de alerta” do Allchins (que tu atenciosamente disponibilizas) são facilitadores para algumas definições. No blogue do próximo sábado, vou um pouco em outra direção, ao criticar postura cientificista (exclusiva) de Carl Sagan,
Polemizar é preciso.
Obrigado por trazeres comentários neste blogue.
Esta coautorias são preciosas,
attico chassot
Se o senhor falar mal de Carl Sagan não sou mais seu amigo
Excluir:-D
Limerique
ResponderExcluirUm profissional especialista
Que se atem à uma estrita lista
Da qual sabe tudo
Além dela, contudo
Não passa apenas de um turista.
Meu caro Jair,
Excluirmuito bem posta a leitura do especialista como turista. Um dia um ecografista, ao fazer-me ecografia de membros inferiores disse-me ~~ claro que com um certo exagero ~~ que talvez ele não soubesse detectar uma gravidez.
obrigado por poetares aqui,
attico chassot
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLimerique
ResponderExcluirO especialista foge da parada
Um generalista encara jogada
Sabe pouco de tudo
É curioso, abelhudo
Em vez de saber tudo sobre nada.
Limerique
ResponderExcluirGeneralista então faz limonada
Com fruta na rua encontrada
Já o especialista
Só vê conquista
Se for em área determinada.