Porto Alegre Ano 4 # 1356 |
E de repente ele entrou em cena. Há uma semana um até então ignoto, faz um espetáculo planetário. Como acredito que não exista que alguém saiba dizer seu nome: Eyjafjallajeokull ou Eyjafjallajökull, ele passou a ser chamado simplesmente o Vulcão. Escutei e reescutei o pronunciar de seu nome na Wikipédia. Se o nome é quase impossível de ser memorizado é também impronunciável, pelo menos para mim que tenho minhas naturais limitações com palavras estrangeiras.
Mas o Eyjafjallajökull não é qualquer vulcão como esses que alguns países nossos vizinhos colecionam as dezenas. Por exemplo, na Colômbia, em Pasto, onde estive em outubro, contemplava o imponente Galeras. Ele é um dos 38 vulcões da Colômbia, dos quais 15 estão ativos. Localizado no pico da Cordilheira dos Andes próximo de Pasto, o vulcão atinge os 4.276 m de altitude. Nós brasileiros, não temos nenhum vulcão. Certamente a não posse dos mesmos não nos causa nenhum sentimento de inferioridade. Ao contrário, reforça a tese eivada de senso comum de que Deus é brasileiro.
O Eyjafjallajökull oferece um espetáculo quase dantesco: a lava sendo despejada
aos borbotões de dentro de uma geleira. Lembra um pouco uma taça de sorvete flambada com conhaque. Ocorre que a massa fluída e ígnea se encontra com o gelo produzindo um choque térmico que torna ainda mais densa a coluna de fumaça que chega ter altura de mais de 10 quilômetros. Essa fumaça, por conter partículas de dióxido de silício (areia que se torna vitrificada pelas altas temperaturas) estabelece o caos nos aeroportos. Essas partículas põem em risco as turbinas dos aviões. Há aeroportos europeus que estão fechados há alguns dias com incalculáveis prejuízos às companhias aéreas e a milhares de passageiros. Depois da desolação nos aeroportos da Europa a ameaça também chega aos aeroportos da Ásia e da América do Norte.
Mas o Eyjafjallajökull – a 10.681 quilômetros de Porto Alegre – com seu nome impronunciável me ensejou durante o esteirar de ontem outras evocações. Claro que não foram recordações tão vulgares como aquela que a palavra "vulcão" deriva do nome do deus do fogo na mitologia romana Vulcano ou que a ciência que estuda os vulcões – a vulcanologia – ganhou destaque na última semana, sendo que ignotos vulcanólogos são alçados a opinar acerca de questões: quando o Eyjafjallajökull vai voltar adormecer por mais duzentos anos ou quantos outros vulcões do tipo do Eyjafjallajökull existem adormecidos nas geleiras polares.
Se o Eyjafjallajökull (obrigado ao ctrl C + Ctrl V) tivesse o poético nome de Vesúvio ou de Etna, tão frequente em palavras cruzada para vulcão (de quatro letras) não surgiriam as lembranças que amealhei. Ele trouxe-me o nome de outro vulcão: Popocatépetl que agora aprendo que é um estratovulcão. Eu o conheci, a 60 km da capital mexicana. Há registros de que nos últimos dez anos, sempre no mês de dezembro, entra em atividade, soltando colunas de fumaça que cessam gradualmente. Tenho ainda que fazer público meu mais recente conhecimento de vulcanologia: estratovulcão é um vulcão em forma de cone, formado pelo magma extravasado. Linda a explicação.
Mas agora vou deixar a minha erudição vulcamológica. Vou mexer no baú de memórias catalisado pelo Eyjafjallajökull que evocou o Popocatépetl.
Era a metade da década de 50, do século passado. Tinha os meus 15 anos. Aluno marista do Ginásio São João Batista em Montenegro. Mas o Popocatépetl não estava em sala de aula. Lembro a cena na calçada em frente ao 1884 da João Pessoa, casa de meus pais. Ao lado da nossa casa havia uma das duas lavanderias da cidade. A lavanderia Cardoso. Ela me ensejava ganhar alguns trocados. Entregava roupas, ou melhor, fatiotas ou ternos, que não chamávamos de fato. As lavanderias de então era exclusivas para lavação de ternos. Toda a outra roupa era lavada – onde havia a operação coarar ou quarar –, secada e passada (com ferro a brasa) em casa. Se não estou equivocado, a lavação de cada terno custava 25 cruzeiros e eu ganhava pela entrega 50 centavos, se o freguês pagava. Se ele deixava ‘na conta’ o valor da entrega também ficava pendente. Como eu não tinha agilidade do meu irmão Sirne, que fazia suas entregas mais rápidas com bicicleta, não faturava tanto como ele.
Mas o que o Popocatépetl tem a ver com menino entregador de roupa de uma lavanderia? Ocorre que o proprietário da Lavanderia, o seu Cardoso – parece que era seu Odoaldo, o algo parecido; o Sirne, com sua memória privilegiada, me falta neste meu fazer-me memorialista –era uma enciclopédia ambulante. À noite, na hora dos papos na calçada, tão a moda dos tempos em que não havia televisão, reuníamos em torno do seu Cardoso. Havia debates acerca de conhecimento de História e de Geografia. O Popocatépetl, quase um trava-língua, era trazido com muita frequência e seu Cardoso sabia que ele tinha quase 5.500 metros de altitude e é o segundo vulcão mais alto do México.
Mas assunto chama assunto. O seu Cardoso tinha um filho: o Cláudio. Este casou com uma moça de Porto Alegre e mais se dizia filha de um poeta. Havia que desfizesse a linhagem e dizia que a moça era ‘filha de criação’ do vate e mais nem era nascida na capital. Manoel Mac Mahon Pontes, cujos versos podiam ser vistos na revista do ferroviário, que meu pai recebia. Aqui devo me congratular com minha memória, pois googleei o nome e encontrei a ratificação do nome do poeta (adormecido mais de meio século em algum desvão de meu cérebro) e uma poesia que certamente li então. Como sei que tenho pelo menos um leitor aficionado pelas memórias ferroviárias, ela encerra a blogada de hoje. Mas antes, ainda, algo pícaro.
Ocorre que o jovem casal – o filho de lavadeiro e a filha do poeta – passaram a (na)morar em uma casa nos fundos da lavanderia. Fizeram sua lua de mel entre as fatiotas que estavam dependuradas nos varais para secar. Meus pais nos proibiam de ver os beijos dos recém-casados e diziam que tudo não passava de uma sem-vergonhice de um homem e de uma mulher sem modos que não sabem o que são os bons costumes, desrespeitando a honrada vizinhança, especialmente crianças inocentes. Na verdade tudo não passava de inocentes beijos de um homem e uma mulher casados e abençoados pela santa igreja.
Eis como se pode produzir uma blogada: o Eyjafjallajökull – astro deste abril de 2010 – evocou o Popocatépetl, que lembrou a Lavanderia do seu Cardoso e seu entrega de ternos e seu filho que casa com uma moça que para meus pais ao invés de vir de Porto Alegre certamente era remanescente de Sodoma, rediviva nos anos 50. Com versos do pai daquela que era objeto da ira de meus pais, votos de uma terça-feira.
O GAÚCHO E O TREM
Manoel Mac Mahon Pontes
O mundo todo muda, a todo instante,
e a querência não foge à lei geral.
Hoje, o gaúcho, cavaleiro andante,
muda a aparência, mas dentro é igual.
Já não corta o rincão com seu bagual,
a repontar a tropa a um chão distante.
Usa o trem, boitatá da etapa atual,
a cuspir fogo, em rampa ou em lançante.
Domador e tropeiro, o maquinista
o comboio conduz, com gado e gente,
carreteando o progresso, atenta a vista
à paisagem que avista à sua frente,
e une povoados, em veloz conquista,
monarca do passado e do presente.
Muy querido Profesor Chassot,
ResponderExcluir¡Se pasó con su blog de hoy! ¡está ultra!!! me ha encantado su poético ejercicio de asociaciones libres.
Habría querido comentar que aún los países que no son limítrofes de Brasil -Chile y Ecuador- estamos llenos de volcanes, como por ejemplo que en Ecuador tenemos unos 30 en la parte continental y más de 10 en las Islas Galápagos,pero resulta intranscendente ante la belleza de su texto. ¡Realmente muy lindo! Que tenga un lindo día,
Gracias Matilde,
ResponderExcluirpor tu comentario. Jamás imaginaba que en tuyo Ecuador tenían 30 + 10 volcanes. Para nosotros brasileños eso es de causar cuasi espanto. Espero que os de ustedes no singan el ejemplo de Eyjafjallajökull y se quedan quietos. ¿De eses 40 hay algunos que han tenido actividad muy recenté? ¿En la Escuela los niños reciben educación de como convivir con esa realidad? En Brasil los volcanes son accidentes geográficos como las islas, los cabos y las montañas.
Cuanto as libres asociaciones he sido favorecido mor esa tentativa de hacerme memorialista;
attico chassot
Mestre Chassot, não me arriscarei a escrever o nome do "Vulcão", pois é por demais complicada, e nem quero tentar pronunciar o nome dele, pois sei que ficarei frustrado em não conseguir.
ResponderExcluirQuero parabenizar-lhe pela associação mnemônica que fez na blogada de hoje. Ela é a síntese de que a vida pessoal e uma boa memória são ferramentas indispensáveis no fazer alfabetização científica. Por falar em memória, ao ler sobre os vulcões e sua infância, lembrei-me de sua alfabetização no quadro de ardósia e de como o senhor se autonominou como "guri do paleolítico".
Ótimo dia.
Meu caro Marcos,
ResponderExcluirme encantei fazendo as associações e chegar ao adolescente entregador de roupa em uma lavanderia.
Lembro do guri paleolítico, mas não lembrava isso.
Assim obrigado Eyjafjallajökull
Um muito bom feriado, amanhã
attico chassot
JOSÉ CARNEIRO escreveu
ResponderExcluirAmigo e mestre Chassot:
Linda a blogada de hoje, sobre o vulcão de nome impronunciável (nunca esqueci do Popocatepelt, que era como eu o escrevia, com o l antes do T final) e do namoro.
Grande abraço,
José Carneiro
ATTICO CHASSOT respondeu
Meu caro José Carneiro, realmente o Popocatepelt foi nosso vulcão.
Esse poeta ferroviário que lembrei o nome, me evocou a ti
Obrigado por a quase cada madrugada, ao postar o blogue te encontrar
attico chassot
Pai
ResponderExcluirLindas memórias fico muito de torna-las publicas !
Um Beijo e um ótimo final de dia
Bernardo
Meu filho querido,
ResponderExcluirque bom que gostaste.
Vibro em amealhar memórias e trazê-las para vocês,
Um beijo carinhoso
attico chassot
Estimado Chassot,
ResponderExcluirVocê foi ótimo neste blog. Associou as suas memórias ao vulcão , ao extratovulcão e encerra com um poema. Adorei. Estava curiosa para saber sobre o Popocatépetl.
Abraços,
Muito querida Joelia,
ResponderExcluirobrigado por te associares a essa blogada tida como um das melhores.
Realmente chegar a tantas evocações.
O melhor fim de semana abençoado por São Jorge, que hoje não vou encontrar na lua, pois chove por aqui,
attico chassot
obrigado por te associares a essa blogada tida como um das melhores.
ResponderExcluirRealmente chegar a tantas evocações.
O melhor fim de semana abençoado por São Jorge, que hoje não vou encontrar na lua, pois chove por aqui,
attico chassot