RIO DA DOR: Solidariedade ao Rio de Janeiro nesta continuada tragédia. Chegamos a uma sexta-feira que encera a semana pós-Páscoa. Tenho no horizonte ao meio dia o almoço com o meu trio ABC. À noite participo no Centro Universitário Metodista - IPA com meus colegas Gilson Luiz Lima e Marco Antonio Azevedo no Seminário conduzido pela Marlis Morosini Polidori e Ygor Arzeno Ferrão no Mestrado Profissional de Reabilitação e Inclusão. Há um assunto que palpita com dor, a cada dia, na imprensa do mundo Ocidental. Ele se faz assunto hoje neste blogue. “O escândalo da pedofilia se constitui num sinal dos tempos atuais” este título é no mínimo instigante. Ele é de um artigo de dos mais renomados teólogos brasileiros. Usualmente se adjetivo os teólogos (católico, luterano, judeu, islâmico). Não sei qual o adjetivo que darei a Leonardo Boff, um ex-frade franciscano a quem o atual papa impôs silêncio. Sua voz não pode mais ser silenciada pelo Vaticano. E no texto que esse blogue oferece hoje a seus leitores sua voz é tonitruante. O artigo foi publicado no Estado de São Paulo e no ‘Amaivos’. Vale lê-lo aqui e agora. Eis o artigo: | | O levantamento dos padres pedófilos em quase todos os países da cristandade católica está ainda em curso, revelando a extensão desse crime que tantos prejuízos tem provocado em suas vítimas. É pouco dizer que a pedofilia envergonha a Igreja. É pior. Ela representa uma dívida impagável com aqueles menores que foram abusados sob a capa da credibilidade e da confiança que a função de padre encarna. A tese central do papa Ratzinger que cansei de ouvir em suas conferências e aulas vai por água abaixo. Para ele, o importante não é que a Igreja seja numerosa. Basta que seja um "pequeno rebanho", constituído de pessoas altamente espiritualizadas. Ela é um pequeno "mundo reconciliado" que representa os outros e toda a humanidade. Ocorre que dentro desse pequeno rebanho há pecadores criminosos e é tudo menos um "mundo reconciliado". Ela tem que humildemente acolher o que dizia a tradição: a Igreja é santa e pecadora e é uma "casta meretriz". Não é suficiente ser Igreja. Ela tem que trilhar, como todos, pelo caminho do bem e integrar as pulsões da sexualidade que já possui 1 bilhão de anos de memória biológica para que seja expressão de enternecimento e de amor e não de obsessão e de violência contra menores. O escândalo da pedofilia se constitui num sinal dos tempos atuais. Do Vaticano II (1962-1965) aprendemos que cumpre identificar nos sinais uma interpelação que Deus nos quer transmitir. Vejo que a interpelação vai nesta linha: está na hora de a Igreja romano-católica fazer o que todas as demais Igrejas fizeram: abolir o celibato imposto por lei eclesiástica e liberá-lo para aqueles que veem sentido nele e conseguem vivê-lo com jovialidade e leveza de espírito. Mas essa lição não está sendo tirada pelas autoridades romanas. Ao contrário, apesar dos escândalos, reafirmam o celibato com mais vigor. Sabemos como é insuficiente a educação para a integração da sexualidade no processo de formação dos padres. Ela é feita longe do contato normal com as mulheres, o que produz certa atrofia na construção da identidade. As ciências da psique nos deixaram claro: o homem só amadurece sob o olhar da mulher e a mulher sob o olhar do homem. Homem e mulher são recíprocos e complementares. O sexo genético-celular mostrou que a diferença entre homem e mulher, em termos de cromossomos, se reduz a apenas um cromossomo. A mulher possui dois cromossomos XX e o homem, um cromossomo X e outro Y. Donde se depreende que o sexo-base é o feminino (XX), sendo o masculino (XY) uma diferenciação dele. Não há, pois, um sexo absoluto, mas apenas um dominante. Em cada ser humano, homem e mulher, existe "um segundo sexo". Na integração do animus e da anima, vale dizer, das dimensões de feminino e de masculino presentes em cada um, se gesta a maturidade sexual. Essa integração vem sendo dificultada pela ausência de uma das partes, a mulher, que é substituída pela imaginação e pelos fantasmas que, se não forem submetidos à disciplina, podem gerar distorções. O que se ensinava nos seminários não é sem sabedoria: quem controla a imaginação, controla a sexualidade. Em grande parte, assim é. Mas a sexualidade possui um vigor vulcânico. Paul Ricoeur, que muito refletiu filosoficamente sobre a teoria psicanalítica de Freud, reconhece que a sexualidade escapa ao controle da razão, das normas morais e das leis. Ela vive entre a lei do dia, em que valem as regras e os comportamentos estatuídos, e a lei da noite, em que funciona a pulsão, a força da vitalidade espontânea. Só um projeto ético e humanístico de vida (o que queremos ser) pode dar direção a essa dialética e transformá-la em força de humanização e de relações fecundas. Nesse processo o celibato não é excluído. Ele é uma das opções possíveis que eu defendo. Mas o celibato não pode nascer de uma carência de amor, ao contrário: deve resultar de uma superabundância de amor a Deus que transborda para os que estão a sua volta. Por que a Igreja romano-católica não dá um passo e abole a lei do celibato? Porque é contraditório com a sua estrutura. Ela é uma instituição total, autoritária, patriarcal e altamente hierarquizada. Ela abarca a pessoa do nascimento à morte. O poder conferido ao papa, para uma consciência cidadã mínima, é simplesmente tirânico. O cânon 331 é claro. Trata-se de um poder "ordinário, supremo, pleno, imediato e universal". Se riscarmos a palavra papa e colocarmos Deus, funciona perfeitamente. Por isso se dizia: "O papa é o deus menor na terra". Uma Igreja que coloca o poder em seu centro fecha as portas e as janelas para o amor, a ternura e o sentido da compaixão. O celibatário é funcional para esse tipo de Igreja. O celibato implica cooptar o sacerdote totalmente a serviço, não da humanidade, mas desse tipo de Igreja. Ele só deverá amar a Igreja. Enquanto essa lógica perdurar, não esperemos que a lei do celibato seja abolida. Ele é muito cômoda para ela. Mas como fica o sonho de Jesus de uma comunidade fraterna e igualitária? Bem, isso é um outro problema, talvez o principal. |
Mestre Chassot, o problema da pedofilia é algo que vem se tronando, se não mais frequente, mais evidente. O mais curioso é a postura que a Igreja toma nesses casos.
ResponderExcluirHá não muito tempo houve o caso da menina que foi estuprada pelo pai, engravidou, e foi censurada por um Bispo por que ela queria abortar a criança. Segundo o bispo, seria um crime contra a vida. Mas e o estupro, cometido por um pai, e contra uma criança? Isso não é um crime contra a vida?
Historicamente, sabe-se que a Igreja não surge com a norma do celibato. Nos primeiros séculos da instituição, os diáconos, padres, bispos, arcebispos, cardeais e até mesmo o Papa podiam casar e ter filhos. Porém, a constituição de família implicava na hereditariedade dos bens acumulados pelo religioso em vida. Então, sob o disfarce de maior devoção e amor a Deus, a Igreja institui o celibato, com a finalidade oculta - mas sabível - de acumular os bens daqueles religiosos que morressem, já que não possuiriam família para receber sua herança.
Dificilmente o pastor alemão (e aqui o trocadilho entre a raça de um feroz cão com os substantivos monástico e pátrio do Papa atual, que aparenta tanta brutalidade quanto a raça canina, são propositais) irá abolir um dos maiores dogmas da Igreja, pois ele é como Pedro: uma pedra fundamental da Igraja, mas não por ser a base, mas sim por ser duro, rígido e inflexível.
Ótimo dia.
Meu caro Marcos,
ResponderExcluirtua leitura enquanto historiador do celibato é muito bem posta. A norma tão rígida foi imposta ao clero para resguardar o patrimônio (= a aumentar os bens materiais). O que tu dizes dos aspectos morais (punir a pecadora e absolver o pecador) mais uma vez traduz a postura machista da Igreja. Por fim, teus prognósticos: não será esse Papa que permitirá mudar a norma, lamentavelmente está correto.
Com agradecimentos por teu sempre rico comentário,
votos de boa tarde
attico chassot
Boa tarde, Professor!
ResponderExcluirTema complicado de ser discutido e, até dolorido de ser pensado...digo por ser mãe...e me incomoda pensar meu filho em um tipo de situação assim; apesar de saber da necessidade de discussão do tema.
"..quem controla a imaginação, controla a sexualidade."
O senhor me fez lembrar um episódio de "Law & Order" que assisti há uns dias atrás, e que tratava de uma situação em que um menino sofreu abuso do próprio padrastro em casa, e a polícia e todos procuravam por culpados fora de casa.Por fim encontraram um rede de pedófilos e, acredite se quiser, que se diziam 'apaixonados' por crianças e que julgavam que serem "taxados de pedófilos" é que era o verdadeiro crime, comparando a chamar "negro de crioulo" ou "homosexual de bicha"...coisas do nível, como se fosse uma discriminação com sua classe.
Fiquei horrorizada com a situação e pensando se realmente existem pessoas dessa forma, que acham que isso é "normal"!Porque se for normal...então eu devo ser um E.T., porque não consigo conceber esse tipo de coisa...não entra em minha cabeça.
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Quanto a situação da menina citada pelo Marcos, me lembro do caso, inclusive porque o médico que havia feito o aborto da menina foi 'punido'[digamos assim]pela igreja, sendo excomungado.
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Quanto aos padres se casarem...quem é casado sabe o quanto o casamento exige de nós mesmos, não sei se fosse autorizado aos padres, resolveria o problema. Eu diria que: "tampa um santo e destampa outro".Pensa no ciúme da esposa...sei não viu...complicado isso!
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Abraços, mestre!
Muito querida colega Thaiza,
ResponderExcluirobrigado por teu comentário tão pertinente acerca de um assunto tão dolorosamente complexo.
Não tenho dados acerca da frequência de abuso sexual a menores. Será ele mais significativo entre ‘membros do clero’ se comparado com a população em geral. Vês por exemplo em "Law & Order", que referes o abuso ocorreu em casa. Essas situações são muito comuns especialmente por padrastos que devem conviver com meninas exalando sexualidade em condições que as restrições de espaço exigem contigüidade. Penso que essa é uma situação muito propícia para que o macho supere o homem. Nessa dimensão ‘padres’ que tem sua libido castrada por uma norma repressora (= celibato compulsório) caem muito facilmente em tentação. Conectando com o assunto de ontem, endosso a posição de Matilde Kalil, que como o Marco, recebe cópia desse ‘aditei’ que esses crimes não podem ser esquecido. Assim não vejo o papa sendo acusado injustamente,
Nas igrejas protestantes e mesmo nas católicas ortodoxas as esposas exercem muitas vezes ajuda aos maridos. Claro, como dizes, há fortes possibilidades de ciúmes, especialmente por ser o padre detentor de segredos da confissão que poderia se espraiar na alcova.
Concordo com tuas observações trazidas na metáfora: "tampa um santo e destampa outro".
Dizes bem: o assunto é complexo.
Uma muito boa tarde e obrigado por trazeres considerações ta importantes.
attico chassot
Mestre Chassot Boa Noite.
ResponderExcluirSua blogada de hoje sem dúvida para muitos é incômoda e como diz Profª Thaiza dolorosa, mesmo por que somos pais. Vejo a preocupação de Marcos Vinícius em relatar a história referente a este assunto explicando-nos a adoção do celibato dos membros da igreja.
Tenho falado com os nossos amigos repetidas vezes, e ao comentar novamente este assunto, com uma amiga e ela me afirma que o grande problema ainda está na falta de atendimento aos menores e também na lentidão da justiça em condenar os culpados. É sabido e é conhecido em nosso País, o envolvimento de pessoas importantes em casos de pedofilia, pessoas que foram indiciadas em inquérito, pessoas que, comprovadamente praticaram atos de abuso sexual contra menores e que, por serem figurões, pessoas conhecidas e da alta roda social da brasileira, até agora não foram julgados e condenados pelos crimes praticados.
Segundo ela, o Poder Judiciário deveria dar prioridade os processos que envolvem pedófilos e que os julgasse e condenasse independente de classe social, a prisão em regime fechado, sem benefícios. Que esses compartilhassem selas com presos de sua iguala, porque não vemos aí diferença entre um criminoso analfabeto, ou semi, e outro com diploma universitário, tendo em vista que os crimes são os mesmos, hediondos. Acreditamos que as nossas leis devem ser mudadas nesse aspecto, porque diferenciar um criminoso do outro pelo diploma que possui? Pois, existem criminosos com diploma universitário, muito mais imoral do que alguns que não o possui.
Mestre Mais uma vez tenho que parabenizá-lo por abordar um assunto de tal monta e como já disse intrigante, preocupante, incomodo, mas necessário.
Apesar de tudo, possamos ter um Bom Final de Semana!
Meu caro Colega Luiz Carlos,
ResponderExcluir~~ com cópia a Thaisa e ao Marcos pois os referes ~~
li teu comentário ontem à noite quando voltava de contagiante seminário no Mestrado Profissional de Reabilitação e Inclusão, no Centro Universitário Metodista - IPA. A densidade de teu comentário não comportava resposta rápida. Posterguei para esta manhã. O ensolarado sábado me faz enlutado pela morte de um xará teu, das pessoas que mais admirava.
Vou aquilo que é essência de teu comentário. Questiono – como tu – o privilégio de ‘cela especial’ que têm alguns presos por terem diploma universitário. O bom senso me autoriza pensar que quem ’teve mais estudo’ deveria ter piores condições no presídio, pois ‘afinal’ teve mais discernimento (em tese) para transgredir a Lei. Isso é uma discriminação para a qual não sustentação racional. Deixas-me instigado para entender o fundamento jurídico dessa praxe odiosa. Apelo a quem puder nos ajudar as raízes disso.
Um muito bom sábado para ti e para os teus,
attico chassot