Porto Alegre Ano 4 # 1341 |
Estamos em uma segunda-feira que sabe a ressaca. Não temos entre nós a sábia instituição da pascoela, corrente em vários países da Europa, onde a segunda-feira após a Páscoa é feriado. A pascoela, numa acepção mais erudita, é chamada também de quasímodo ou ‘meio formado’, que era o nome do sineiro no clássico de Victor Hugo, ‘O corcunda de Notre Dame’. Logo. Cessados os dias feriados, vamos agora a blogadas desprovidas de aleluias, com a chegadas de temperaturas menores de 20ºC, depois de temperaturas de 35ºC, ainda na última sexta-feira.
Este blogue, dentro de sua proposta mais ampla de fazer alfabetização científica tem sido espaço de antecipação de produção acadêmica. Aliás, uma das vantagens aqui é a instantaneidade da oferta aos leitores comparada com a morosa apresentação escrita em livro. Pois hoje trago um acepipe (não me tenham como pernóstico por esta palavra, pois fiz uma blogada acerca do assunto ilustrando com arenque ou hering, enquanto um petisco, em 02MAR) de capítulo de um livro que tenho com ‘pré-pronto’. Otávio Aloisio Maldaner e Wildson Luiz Pereira dos Santos organizam um livro “Metodologia do Ensino de Química” a ser publicado pela Editora da Unijuí, com lançamento previsto em julho de 2010, em Brasília, por ocasião do ENEQ.
Trata-se de uma obra acadêmica a ser escrita por pesquisadores da área de Ensino de Química, contendo capítulos que apresentam contribuições teórico-metodológicas de pesquisas para a prática pedagógica de aulas de química no contexto da escola brasileira do ensino médio. O público alvo será alunos de licenciatura e professores de química do ensino médio. Eu e quase duas dezenas de colegas atendemos convite e estamos finalizando nossos capítulos.
Trago uma amostra do capítulo “Diálogos de aprendentes” que escrevi e que tem como proposta de trazer algumas discussões acerca de uma ‘Educação científica para cidadania’. Eis a parte inicial do meu texto.
Nesse capítulo há apresentação de um diálogo internético construído a partir de distintas falas de um professor com diversos interlocutores, com diferentes status acadêmicos. Salvo algumas modificações de estilo, os questionamentos e as respostas são reais. Há uma ficção: todas as questões trazidas ao professor foram unificadas como se fossem de uma mesma leitora. As respostas do professor são também adaptadas de situações usuais do cotidiano epistolar do autor. Para facilitar a leitura, algumas mensagens foram unificadas e também foram acrescentadas notas de rodapés, não usuais nas mensagens. A cada mensagem de Maria Clara segue resposta do Professor Giordano, identificada com igual número da mensagem recebida.
Eis a mensagem que desencadeou o diálogo:
Prezado Professor Giordano,
sou estudante do curso de química, modalidade licenciatura, da Universidade do Povo da Floresta, na região amazônica. Estou iniciando o 5º semestre, portando na segunda metade do curso.
No último semestre iniciei o estágio obrigatório em meu curso. Na bibliografia indicada na disciplina de estágio, constava um capítulo do livro Para que(m) é útil o ensino? O título do livro me fez tomar logo uma decisão: não ler apenas o capítulo indicado, mas lê-lo todo, antes de iniciar as primeiras tarefas de estágio. A propósito pareceu-me muito bem posta a frase colhida em uma Escola do MST que é abertura de um capítulo do livro: “Se a Escola que os ricos inventaram fosse boa de verdade, eles não davam desta Escola para gente!”
Uma questão aflora constantemente: questiono o processo de formação pelo qual passei no ensino básico (em redes municipais e na rede estadual de ensino do Estado de Vitória Régia) e quanto esta formação tem sido útil na minha vida de estudante e profissional (no momento sou bolsista estagiária em uma escola municipal).
Creio que o ensino de 'conteúdos' é necessário, mas no contexto geral vejo que o laborioso trabalho de alguns professores em meu percurso formativo, quando se abriam a discussões que excediam o âmbito dos livros, são hoje melhores subsídios à minha prática profissional.
A paixão por seu texto surgiu da alegria de ver alguém que fala com clareza do problema que me angustiava (e que ainda angustia, já numa outra perspectiva por pensar em minha responsabilidade como professora que serei e das atividades que tenho já enquanto colaboradora da Educação nas Ciências nas séries finais do ensino fundamental). Preciso esclarecer também não estou contente com minha formação dentro da UniFlorestania, que em minha opinião ainda não assumiu um compromisso de formar professores de química, pois as disciplinas do curso, na maior parte, parecem pertencer a dois blocos completamente distintos: ‘As disciplinas de Química – formatadas por conteúdos abstratos, assépticos e desvinculados da realidade' e 'As disciplinas de Formação Pedagógica – marcadas por quase quimeras, que parecem desconhecer o chão da Escola'. Ocorre que esses dois blocos estão acondicionados (talvez, a melhor palavra seja: engessados) em muros rígidos, intransponíveis e incomunicáveis (entre si).
Parece que o prejuízo desta dicotomia tem implicações muito negativas. Mas paro de lhe incomodar e faço a consulta que meu levou a escrever esta mensagem: O senhor concorda com minha reflexão que quando professora não deva privilegiar tanto os conteúdos de Química e mais uma Educação nas Ciências ligada a realidade onde estou inserida? A proposta que o senhor tem no livro que citei, ainda, parece válida?
Obrigado se puder responder, Maria Clara.
Depois desta mensagem de Maria Clara, houve continuada troca de correspondências. Estas renderam um capítulo de 20 páginas. Eis a mensagem de encerramento; esta escrita pelo professor.
Bingo! também para ti Maria Clara!
Juntos, parece que fizemos aquilo que (a)venturo-me chamar da síntese desse ‘diálogo de aprendentes’ que nós construímos nestas últimas semanas. A ampliação do conceito de Alfabetização científica. Disseste com adequação: transgredimos fronteiras.
Há não muito tempo (20MAR2010) escrevi no meu blogue sobre Kierkegaard. Um leitor, graduado em História, aditou um comentário que para mim faz a sacação de minha proposta: “Já ouvi falar sobre as obras de Kierkegaard, por influência de amigos de outros cursos de Ensino Superior, mas desconhecia muito sobre a vida dele e a influência que teve ao elaborar sua obra. Como sempre, seu blogue alfabetiza cientificamente, também, aqueles que se consideram alfabetizados”. O Marcos Vinicius Pacheco Bastos vê que falar em Kierkegaard, ou falar no mito da Torre de Babel, ou discutir possibilidades de crianças serem educadas em casa ou invés de ir à Escola, ou falar no modelo da Ålborg Universitet, ou comentar sobre mentefatos ou neopatia ou falar de sagu, de arenque, de fabula econômica, do ano darwiniano ou do copernicano, da babá de Descartes ou relatar viagens ou trazer os diários de um mestre-escola – só para referir assuntos de algumas blogadas – é estar fazendo alfabetização científica, por mais díspares que tais assuntos possam parecer. Assim aqui e agora, se ratifica que não existe uma Ciência autônoma. Invoco duas razões para a afirmação. A primeira, decorrente de uma análise epistemológica: não é possível conhecer a Física sem saber Matemática; não é possível saber Química sem saber Física; ou conhecer Biologia sem saber Química; se houver uma Ciência autônoma, talvez essa seja a Matemática, que também prescinde da Lógica. A segunda, nossa continuada tentativa, especialmente na Educação nas Ciências, de posturas transdisciplinares - isso é, com sistemática transgressão das fronteiras disciplinares. Aliás, a acentuada disciplinarização das Ciências - colocar cada uma delas em gavetas independentes ou autônomas é uma façanha muito bem sucedida da Escola –, muito a gosto de alguns especialistas. Assim ratifica-se os textos que tenho escrito propondo a migração das disciplinas à indisciplina, com uma expansão de fronteiras para a Educação Científica e para a Alfabetização Científica.
Na Constituição brasileira, um dos objetivos da Educação é a preparação de homens e mulheres para o exercício da cidadania. Entre os fins definidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, a educação deve estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente.
Assim o ensino de Química que defendo deve ser encharcado politicamente: não ferreteado em uma política partidária. Não se busca bradar dogmas e palavras de ordem, mas com a Ciência despertar a consciência para a realidade social. Essa é a postura trazida, mais extensamente em meu livro Educação conSciência.
Agora Maria Clara, nos vemos – sim vamos nos ver pela primeira vez – na televista à UniFlorestania, Será uma continuação de nosso ‘Dialogo de aprendentes’.
Com muita expectativa, Giordano
Estão aqui o inicio e o fim do capítulo. Imaginem o recheio. Tomara que breve possam manusear livro. Por ora só desejar uma muito boa segunda-feira e sonhar com a expectativa de nos lermos amanhã, aqui.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMeu Deus!!
ResponderExcluirDesse jeito o senhor está me deixando cada ida mais ansiosa com a chegada do ENEQ deste ano!
Virá recheado de maravilhas!!!
=]
Um calmo anoitecer..
Muito querida colega Thaiza,
ResponderExcluirque bom que aceitaste o aperitivo oferecido. Há mais outra dezena de expertises em Educação Química.
Será bom estarmos todos juntos no ENEQ.
Um bom resto desta Pascoela – aqui é fraudada – e um afago do
attico chassot
Prezado mestre,
ResponderExcluirobrigada por nos deliciar com esse aperitivo, achei-o delicioso e fiquei com aquele gostinho de quero mais!!
Certamente uma verdadeira educação científica deveria ser o objetivo primeiro do ensino fundamental e médio, na área de ciências.
Há pouco tempo conheci textos do prof. Wildson que já me auxiliaram muito nesta busca, fico feliz em saber que em breve poderemos desfrutar de mais este "banquete intelectual", com um saboroso capítulo de sua autoria!!
Abraços,
Maria Lucia.
Mestre Chassot, como o senhor bem sabe, sempre sinto-me honrado quando referido nas suas blogadas, mas não sei se apenas honrado é a palavra certa para descrever o que sinto ao saber que sou mencionado no capítulo que o senhor escreveu para o “Metodologia do Ensino de Química”. Muito obrigado pela referência, não sei como descrever meu contentamento.
ResponderExcluirReferente à pascoela, acho que teríamos o melhor feriadão do ano, pois começaria na sexta-feira santa (ou na quinta-feira santa, em muitos lugares) e se estenderia ao dia mais repudiado da semana, a segunda-feira. Já imaginou como o ócio poderia render nesse período?
Ótimo dia.
PS: Apenas uma pequena retificação, mestre: o nome do livro de Victor Hugo é "Notre Dame de Paris". O nome "O Corcunda de Notre Dame" é um título usado, se não me engano, para a primeira adaptação cinematográfica da obra, feita, acredito eu, ainda nos anos 1920, e é, também, o nome utilizado pela empresa Disney em sua adaptação animada e infanto-juvenil da obra de Hugo.
Muito querida colega Maria Lúcia,
ResponderExcluirobrigado por prelibares, a partir do aperitivo oferecido hoje, a promessa de um novo livro.
É muito bom tê-la como parceira no fazer alfabetização científica.
Um afago do
attico chassot
Meu querido Marcos,
ResponderExcluirprimeiro quem é grato por apareceres no capítulo do livro sou eu. Diria que quase se trata de um capítulo de construção coletiva dos leitores com quem interajo. Aliás, tu és testemunha de tudo que trocamos de mensagem nesse um ano de ininterrupto. Nesse capítulo meus interlocutores estão muito presentes. Tu sabes que no dia que comentaste Kierkegaard eu estava buscando uma conclusão para meu diálogo com Maria Clara. Tu trouxeste um comentário esclarecedor. Eu, com vocês, sou um aprendente.
A segunda dimensão de tua mensagem: tenho o privilégio de ter comentaristas atentos. Obrigado pelo esclarecimento do texto de Vitor Hugo. Sabes que tive o privilégio de estar várias vezes na Notre Dame de Paris, sempre procuro o Quasimodo.
Estou te enviando em separado um comentário e minha resposta a Matilde acerca da capa da dica de leitura de sábado. Verás por que digo que tenho o privilégio de ter comentaristas atentos.
Uma muito boa noite,
attico chassot
Querido Chassot,
ResponderExcluirEstou ansiosa para ler este livro. Não sei se irei ao ENEQ , mas farei o pedido do livro.
Saudades!!!!
Muito querida colega Joélia,
ResponderExcluiracredito que será um livro muito bem trabalhado. Gostei de meu texto, foi muito curtido e penso ter feito bonitas tessitura.
Tomara que possas estar no ENEQ. Nos encontraremos no Encontro Baiano.
Um afago do
attico chassot