Porto Alegre Ano 4 # 1348 |
Depois de um esplendoroso fim de semana outonal, recomeçar uma semana que se anuncia prenhe de atividades é algo entusiasmante. Numa segunda-feira como hoje, sempre me afloram as (des)ilusões daqueles e daquelas que passaram o sábado e/ou domingo colecionando anúncios de ofertas de emprego nos cadernos de classificados e hoje se submetem à maratonas de buscas. Lamentavelmente a maioria chegará ao ocaso desse dia amargando mais uma decepção. Há muito o conceito de ‘desempregado’ mudou de desenho. Eu não sou sociólogo, logo não posso fazer mais que torcer para que ocorram mudanças nesse cenário. Mas isso parece ser pouco promissor.
No dia que recordamos que em 1961 Yuri Gagarin se torna o primeiro humano a ver a a primeira vez terra do espaço e nos dizer: “A Terra é azul!”. Mas trago algo que tema recorrente em minhas falas nas aulas e palestras. Os diferentes óculos que usamos para olhar o mundo natural. Ajuda-me para aprimorar essas discussões um artigo de Marcelo Gleiser, no Caderno Mais da Folha de S. Paulo de ontem. Mais de uma vez, o professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "Criação Imperfeita", assunto de recente diga de leitura aqui, faz presença aqui. Um questionamento muito presente em minhas falas é se possível se uma pessoa pode ser espiritualizada e cética. Vale vermos uma opinião, na direção de comentários já expus em várias blogadas nesses quase quatro anos de edições diárias.
Mitos, ciência e religiosidade
Começo hoje com a definição de mito dada por Joseph Campbell, uma das grandes autoridades mundiais em mitologia: "Mito é algo que nunca existiu, mas que existe sempre". Sabemos que mitos são narrativas criadas para explicar algo, para justificar alguma coisa. Na prática, não importa se o mito é verdadeiro ou falso; o que importa é sua eficiência.
Por exemplo, o mito da supremacia ariana propagado por Hitler teve consequências trágicas para milhões de judeus, ciganos e outros. O mito que funciona tem alto poder de sedução, apelando para medos e fraquezas, oferecendo soluções, prometendo desenlaces alternativos aos dramas que nos afligem diariamente.
A fé num determinado mito reflete a paixão com que a pessoa se apega a ele. No Rio, quem acredita em Nossa Senhora de Fátima sobe ajoelhado centenas de degraus em direção à igreja da santa e chega ao topo com os joelhos sangrando, mas com um sorriso estampado no rosto. As peregrinações religiosas movimentam bilhões de pessoas por todo o mundo. É tolo desprezar essa força com o sarcasmo do cético. Querendo trazer a ciência para um número maior de pessoas, eu me questiono muito sobre isso.
Como escrevi antes neste espaço, os que creem veem o avanço científico com uma ambiguidade surpreendente: de um lado, condenam a ciência como sendo materialista, cética e destruidora da fé das pessoas. "Ah, esses cientistas são uns chatos, não acreditam em Deus, duendes, ETs, nada!"
De outro, tomam antibióticos, voam em aviões, usam seus celulares e GPSs e assistem às suas TVs digitais. Existe uma descontinuidade gritante entre os usos da ciência e de suas aplicações tecnológicas e a percepção de suas implicações culturais e mesmo religiosas. Como resolver esse dilema?
A solução não é simples. Decretar guerra à fé, como andam fazendo alguns ateus mais radicais, como Richard Dawkin, não me parece uma estratégia viável. Pelo contrário, vejo essa polarização como um péssimo instrumento diplomático. Como Dawkins corretamente afirmou, os extremistas religiosos nunca mudarão de opinião, enquanto um cientista, diante de evidência convincente, é forçado eticamente a fazê-lo. Talvez essa seja a distinção mais essencial entre ciência e religião: o ver para crer da ciência versus o crer para ver da religião.
Aplicando esse critério à existência de entidades sobrenaturais, fica claro que o ateísmo é radical demais; melhor optar pelo agnosticismo, que duvida, mas não nega categoricamente o que não sabe. Carl Sagan famosamente disse que a ausência de evidência não é evidência de ausência. Mesmo que estivesse se referindo à existência de ETs inteligentes, podemos usar o mesmo raciocínio para a existência de divindades: não vejo evidência delas, mas não posso descartar sua existência por completo, por mais que duvide dela. Essa coexistência do existir e do não-existir é incômoda tanto para os céticos quanto para os crentes. Mas talvez seja inevitável.
A ciência caminha por meio do acúmulo de observações e provas concretas, replicáveis por grupos diferentes. A experiência religiosa é individual e subjetiva, mesmo que, às vezes, seja induzida em rituais públicos. Como escreveu o psicólogo americano William James, a verdadeira experiência religiosa é espiritual e não depende de dogmas. Apesar de o natural e o sobrenatural serem irreconciliáveis, é possível ser uma pessoa espiritualizada e cética.
Einstein dizia que a busca pelo conhecimento científico é, em essência, religiosa. Essa religião é bem diferente da dos ortodoxos, mas nos remete ao mesmo lugar, o cosmo de onde viemos, seja lá qual o nome que lhe damos.
Com os votos de uma segunda-feira, que para mim tem reservado algo que me instiga há uma semana: mais uma edição de aulas desta tarde na UAM - Universidade do Adulto Maior. Amanhã, espero ser honrado com um novo encontro para nos lermos.
FASCINANTE!
ResponderExcluirProfessor!
A 'blogada' de hoje do senhor me veio mais que a calhar!
Na disciplina de "Epistemologia da Ciência", lá do meu Mestrado, com a Professora Agustina, estamos discutindo fatos e situações semelhante!
Mito, Ciência, Fé, Razão, concordo com a citação que o autor faz a Dawkin: "os extremistas religiosos nunca mudarão de opinião, enquanto um cientista, diante de evidência convincente, é forçado eticamente a fazê-lo. Talvez essa seja a distinção mais essencial entre ciência e religião: o ver para crer da ciência versus o crer para ver da religião."
Mas eu, e aqui é opinião minha mesmo, acredito que muito se tem em comum entre ciência e religião, digamos que onde uma falha a outra explica, como se, ao contrário de se divergirem, se completarem!
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Um ótimo início de semana ao senhor!
E, muito obrigada pelo texto maravilhoso!!
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[]'s
Estimada Thaisa,
ResponderExcluiradmiro o Richard Dawkin competente darwinista e ateísta com argumentos. Não me agrada nele a militância ateísta. Escrevi, que o que me incomodou no último livro do Saramago [Caim] foi o desrespeito dele com o Deus de meus pais. Essa discussão entre Ciência e Religião tem me gratificado. Há dias passados fiz uma fala em que estava um dos pastores da Pastoral Universitária do Centro Universitário Metodista - IPA. Brinquei com o auditório que ‘perderia o emprego’. Ao final de minha proposta acerca do assunto, ele me disse que ao contrário, ratificava meus posicionamentos. Já contei aqui, que há uns meses telefonei para a casa de meu filho e a Maria Antônia, minha neta de quase 11 anos, disse ao pedir para falar com seu pai: “Papai agora não pode falar contigo. Ele está rezando!” Eu fiquei feliz, mesmo me dizendo não crente.
Alegro-me que tenhas apreciado o artigo,
attico chassot
Muito querida Elzira,
ResponderExcluirque bom ver tua mensagem: "Depois de algumas tentativas frustradas, tento novamente fazer comentários...nem que seja para reafirmar minhas constantes presenças em seu blog...com admiração" – mesmo que não pudeste colocar como comentário – que em reconhecimento a tua adesão a esse blogue eu mesmo adito – vejo quase diariamente a indicação que estou sendo lido na simpática cidade de Maravilha. Então infiro que deves ser tua a minha leitora no Oeste catarinense.
Muito obrigado, pedindo que releves esse 'blogspot' exigir que os comentários tenham – de preferência – uma conta vinculada ao gmail.
Um afago com carinho para uma leitora muito especial
attico chassot
Mestre Chassot, o posicionamento de Marcelo Gleiser é exemplar. Acho que não deve haver intolerância de nenhuma das partes. cada um acredita ou desacredita no que quer, o importante é haver respeito.
ResponderExcluirQuanto à existência de Deus, Epicuro, pensador grego do século quatro A.P, tinha um pensamento sobre a concepção perfeita de Deus, algo que ficou conhecido como o Paradoxo de Epicuro:
"Se Deus é onipotente, onisciente e benevolente, então o Mal não poderia continuar existindo. Para Deus e o Mal continuarem existindo ao mesmo tempo é necessário que Deus não tenha uma das três caracteristicas.
Se for onipotente e onisciente, então tem conhecimento de todo o Mal e poder para acabar com ele, ainda assim não o faz. Então Ele não é Bom.
Se for onipotente e benevolente, então tem poder para extingir o Mal e quer fazê-lo, pois é Bom. Mas não o faz, pois não sabe o quanto Mal existe , e onde o Mal está. Então Ele não é onisciente.
Se for onisciente e Bom, então sabe de todo o Mal que existe e quer mudá-lo. Mas isso elimina a possibilidade de ser onipotente, pois se o fosse erradicava o Mal. E se Ele não pode erradicar o Mal, então porquê chama-lo de Deus?"
Ótimo dia.
Meu caro Marcos,
ResponderExcluirmais uma vez um comentário muito denso este teu. Podemos ser ateus e não sermos como Richard Dawkin. Concordo com Gleiser que esta não parece uma estratégia viável. Viste a última dele nos jornais de hoje. Ele está a planejar uma emboscada legal para que o Papa Bento XVI seja detido por “crimes contra a Humanidade” durante a sua visita ao Reino Unido.
Para o efeito, o autor já consultou uma série de advogados de direitos humanos para que seja aberto um processo contra Ratzinger sobre o alegado encobrimento de centenas de crimes sexuais dentro da Igreja Católica. Escrevi, hoje, em outros comentários acerca Dawkin.
Sobre a tua trazida de Epicuro vinte e quatro séculos AP, na mesma direção, na semana santa Kierkegaard muito me impressionaram suas reflexões acerca de Deus fazer os judeus culpados da morte de seu filho.
Obrigado pela parceria intelectual,
attico chassot
Prezado mestre e demais leitores,
ResponderExcluirparticularmente aprecio muitíssimo os escritos do Marcelo Gleiser,que apresenta brilhantemente a ciência ao grande público, como também os grandes ensinamentos de Carl Sagan.
Penso que ciência e religião são construções humanas que procuram desvendar o desconhecido de forma diferente; tentar entender como ambas possam conviver juntas sem gerar crises, só mesmo com o auxílio dos psicólogos!
Mas, o respeito se deve a ambas as construções, como podemos tanto apreciar a beleza de um colibri quanto nos emocionarmos com a prece de São Francisco de Assis.
Abraços,
Maria Lucia.
Muito querida Maria Lúcia,
ResponderExcluirno teu muito pertinente comentário há que sublinhar o fulcral: ciência e religião são construções humanas que procuram desvendar o desconhecido. Se aceitarmos isso, tudo passa ser uma opção: que óculo eu escolho para ler o mundo e mais, aceitar que não há necessidade de dizer qual é o melhor e que precisamos usá-lo com exclusividade. Permita-me que te felicite pelo discernimento de teu comentário. Remeto-te ao que escrevi no comentário do Marcos.
Obrigado, com admiração
Professor, e o que leva cada um a escolher este ou aquele óculos? Depende muito, acredito, dos óculos escolhidos pelo meio em que se convive, não?
ResponderExcluirMas, mesmo assim, me parece que muitas das crenças, que influem em nossas opções, aparentemente racionais, estão distantes da nossa percepção, do entendimento do que é aceito como verdadeiro.
Nossa, pensando nisso tenho vontade de dar zoom e observar a minha trajetória, sem óculos algum, rsrs
abraços, mestre!
Bravo,
ResponderExcluirquerida Marília,
tu escolhes os óculos (quanto a não usá-los é uma opção difícil, pois teu olhos são teus óculos naturais). A escolha vai depender de ti, Se, por exemplo, a leitura do Genesis te basta para entender nossa cosmogonia. Ótimo. Se com o anuncio de um ancestral nosso de mais de dois milhões de anos, precisares outro óculos...
Obrigado por seres uma leitora tão questionadora
attico chassot