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segunda-feira, 19 de abril de 2010

19 * Hobsbawm, uma boa pedida para começar a semana


Porto Alegre Ano 4 # 1355

Algo muito recorrente em minhas falas e em meus escritos é que possamos olhar o mundo com (entre outros) óculos os das religiões, dos mitos, da ciência, do senso comum, do pensamento mágico, dos saberes primevos. Vale considerar que não afirmamos qual desses mentefatos culturais é o melhor e tampouco que haja a necessidade de nos valermos apenas de um deles.

Usualmente, depois de discorrer por cada um destes, comparo a perspectiva das religiões e a da Ciência. Coloco a interrogação: Por que entre os seis óculos, escolho esses dois? A Ciência aflora. Por razões óbvias, nas discussões. A Academia, lócus de minhas falas, é a ‘igreja da Ciência’. Quanto às religiões invoco três razões para trazê-las ao cenário das discussões: a onipresença das religiões, os fundamentalismos e a ateologia.

Vivemos tempos que temos cada vez mais emergentes duas posturas diametralmente opostas (nem tão opostas, como mostro adiante): o fundamentalismo religioso e a ateologia. Aquela perturba nossas salas de aulas dificultando ou embaralhando o ensino de Ciências. Esta – ainda não dicionarizada – parece ser algo muito novo fruto das liberdades que vivemos neste Século 21. Ouso definir ateologia: possibilidade de ler o mundo assumindo a posição filosófica de que não existem deus ou deuses, ou em sentido lato, a ausência de crença na existência de divindades. Como há ateus fundamentalista, vale aquela ressalva de não tão opostas.

Mas queria hoje, depois de blogada do cotidiano como a de ontem, trazer algo mais denso: falar acerca da onipresença da religião, diferente daquela que usualmente trago aos meus ouvintes. A inspiração vem de matéria de capa do Mais da Folha de S. Paulo de ontem “O novo século de Hobsbawm”.

Aos 92 anos, o historiador britânico Eric Hobsbawm continua um feroz crítico da prevalência do modelo político-econômico dos EUA. Para ele, o presidente americano Barack Obama, ao lidar com as consequências da crise econômica, desperdiçou a chance de construir maneiras mais eficazes de superá-la. "Podemos desejar sucesso a Obama, mas acho que as perspectivas não são tremendamente encorajadoras", diz o autor do “Breve século 20”: "A tentativa dos EUA de exercer a hegemonia global vem fracassando de modo muito visível."

Hobsbawm discute ainda, em extensa entrevista no Mais, questões globais

contemporâneas – como as tentativas de criar Estados supranacionais, a xenofobia e o crescimento econômico chinês – à luz do que expressou em livros como "Era dos Extremos" e "Tempos Interessantes” (ambos publicados pela Cia. das Letras). Das questões apresentadas pincei apenas uma, dentro relacionada com o preâmbulo acima.

Pergunta - Hoje é amplamente disseminada a ideia de que a religião tenha retornado como força imensamente poderosa em um continente após o outro. O senhor vê isso como um fenômeno fundamental ou como fenômeno mais passageiro?

Hobsbawm - Está claro que a religião – entendida como a ritualização da vida, a crença em espíritos ou entidades não materiais que influenciariam a vida e, o que não é menos importante, como um elo comum entre comunidades – está tão amplamente presente ao longo da história que seria um equívoco enxergá-la como fenômeno superficial ou que esteja destinado a desaparecer, pelo menos entre os pobres e fracos, que provavelmente sentem mais necessidade de seu consolo e também de suas potenciais explicações do porquê de as coisas serem como são.

Existem sistemas de governo, como o chinês, que não possuem concretamente qualquer coisa que corresponda ao que nós consideraríamos ser religião. Eles demonstram que isso é possível, mas acho que um dos erros do movimento socialista e comunista tradicional foi optar pela extirpação violenta da religião em épocas em que poderia ter sido melhor não fazê-lo. Uma das grandes transformações interessantes advindas após a queda de Mussolini na Itália foi quando [Palmiro] Togliatti [secretário-geral do Partido Comunista Italiano] deixou de discriminar os católicos praticantes --e com razão.

De outro modo, ele não teria conseguido que 14% das donas de casa votassem nos comunistas na década de 1940. Isso mudou o caráter do Partido Comunista Italiano, que passou de partido leninista de vanguarda a partido classista de massas ou partido do povo.

Por outro lado, é verdade que a religião deixou de ser a linguagem universal do discurso público; e, nessa medida, a secularização vem sendo um fenômeno global, embora apenas em algumas partes do mundo ela tenha enfraquecido gravemente a religião organizada.

Para as pessoas que continuam a ser religiosas, o fato de hoje existirem duas linguagens do discurso religioso gera uma espécie de esquizofrenia, algo que pode ser visto com bastante frequência entre, por exemplo, os judeus fundamentalistas na Cisjordânia --eles acreditam em algo que é evidentemente tolice, mas trabalham como especialistas nisso.

O movimento islâmico atual é composto, em grande medida, por jovens tecnólogos e técnicos desse tipo. Com certeza, as práticas religiosas vão mudar muito substancialmente. Se isso vai realmente produzir uma secularização maior não está claro. Por exemplo, não sei até que ponto a grande mudança na religião católica no Ocidente --ou seja, a recusa das mulheres em pautar-se pelas normas sexuais-- realmente levou as mulheres católicas a serem menos crentes.

O declínio das ideologias do iluminismo deixou um espaço político muito maior para a política religiosa e as versões religiosas de nacionalismo. Mas não creio que todas as religiões tenham vivido uma ascensão grande. Muitas delas estão claramente em declínio.

O catolicismo está lutando arduamente, mesmo na América Latina, contra a ascensão de seitas evangélicas protestantes, e tenho certeza de que está se mantendo na África apenas graças a concessões aos hábitos e costumes sociais que eu duvido que tivessem sido feitas no século 19.

As seitas evangélicas protestantes estão em ascensão, mas não está claro até que ponto são mais que uma minoria pequena entre os setores sociais com mobilidade ascendente, como era o caso antigamente com os não conformistas na Inglaterra. Tampouco está claro que o fundamentalismo judaico, que causa tanto mal em Israel, seja um fenômeno de massas.

A única exceção é o islã, que vem continuando a se expandir sem nenhuma atividade missionária efetiva nos últimos dois séculos. Dentro do islã, não está claro se tendências como o movimento militante atual pela restauração do califado representam mais que uma minoria ativista. Contudo, me parece que o islã possui grandes trunfos que favorecem sua expansão contínua – em grande medida, porque confere às pessoas pobres o sentimento de que valem tanto quanto todas as outras e que todos os muçulmanos são iguais.

Assim, religiosos e não-religiosos estão imersos em um mundo religioso. Uns e outros celebram/folgam os domingos, a semana santa, os dias santos como o Natal, o 12 de outubro (no Brasil por ser o dia de Nossa Senhora Aparecida).

Brinco que quisera praticar as três grandes religiões monoteístas para ter folgas nas sextas-feiras por ser islâmico; sábado, por ser judeu; e domingo, cristão. Como não existe – que eu saiba – uma religião nas segundas-feiras desejo a todos um bom dia de trabalho. Já vivo a expectativa de meu encontro com os alunos e alunas da UAM - Universidade do Adulto Maior. Amanhã podemos nos encontrar aqui para novas realizações desse binômio escrita↔leitura.

6 comentários:

  1. Mestre Chassot! Tenho em mente suas falas e do quanto elas me deixam instigado, principalmente por teres adotado na parte inicial essa possibilidade de enxergar o mundo com outros óculos. Considero esse intróito magnífico em tuaas abordagens. Quanto ao historiador citado, certamente é considerado o maior deles ainda em atividade. Creio que a visão de Hobsbawm deveria ser tema obrigatório para muitos políticos de ocasião que brincam de representar o povo e dele fazem escárnio, tornando essa representatividade uma profissão. Quem dera tivessemos mais historiadores desse naipe.... Abraço e boa semana. JB

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  2. Muito obrigado Jairo,
    por já no inicio da semana fazer referências elogiosas ao preâmbulo que escrevi para introduzir o grande historiador Eric Hobsbawm que mais de uma vez me viste citar em sala de aula. Concordo contigo: oxalá houvessem mais Historiadores como esse nonagenário e ativo pensador
    Que tenhamos todos uma muito boa semana,
    attico chassot

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  3. Bom dia Professor!
    Primeiramente peço desculpas pela ausencia na semana que passou...ela foi um bocado turbulenta para mim, o que acarretou na minha falta de tempo em deixar comentarios, no entanto, estive presente nas leituras, fato que o senhor pode comprovar pelo geovisit, hehehe!
    Enfim, lendo o que escreveste hoje acerca de Hobsbawm, fiquei pensando em uma das falas dele, sobre as lutas do catolicismo contra sua queda, principalmente na America Latina, e o avanço, ou ascensao cada vez maiores de seitas evangelicas...sera que estamos nos aproximando de uma nova Reforma?!
    Quando paro para analizar a humanidade e percebo essas alternancias entre fe e razao, homem e Deus, me incomoda pensar os dias de hoje e perceber que nao tenho a menor ideia do que vivenciamos ou valorizamos mais: Fe ou Razao?!Homem ou Deus?! Me parece tudo muito confuso e misturado atualmente.Sinto muito mais um individualismo social que uma uniao...por mais que pessoas se unam em determinados interesses, para ajudar outros mais carentes, ou vitimas de catastrofes, como a do Haiti, ou a do Rio...mas mesmo assim, me parece muito mais girar em torno de interesses pessoais, do que humanitarios...posso estar ate enganada, mas e a visao que tenho tido ultimamente..
    Desejo uma abençoada semana ao senhor e a todos os seus!
    =]
    p.s.: votos de felicidades, muita saúde e muuuuuuita vida ainda pela frente, ao pequeno Antonio!

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  4. Muito querida colega Thaiza,
    claro que estranhei tua ausência. Mas como dizes, o grande irmão esta aí para me mostra que tenho uma leitora em Goiânia, muito presente.
    Teu comentário – mais uma vez denso e reflexivo – fala em uma possível nova Reforma. Com esse papa há poucas esperanças. Achei um circo a foto de imprensa de hoje onde Bento 16 está com grupo de jovens que foram abusados por padres pedófilos. Eles estão ajoelhados em torno do papa e um deles sai feliz do encontro porque o papa abençoou um crucifixo dele.
    Talvez a maior reforma não passe pelas igrejas e sim por uma crença cada vez maior de cada uma e cada um na solidariedade com o outro. Utopia minha, talvez.
    Obrigado pelos votos ao Antonio. Que ele e o teu filho e todos as crianças do Planeta recebam de nós adulto os melhores esforços para que um novo mundo seja possível.
    attico chassot

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  5. Mestre Chassot, o comentário da Thaiza, ao meu ver, é muito mais complexo do que pode aparentar à primeira vista. Se estivéssemos no século XVI, seria normal considerar um reforma religiosa como sendo baseada em inconformidades com a doutrina católica, mas, no século XXI, em meio à efemeridade que vivenciamos, uma reforma religiosa não está vinculada apenas à rebeldia/insatisfação com a a Igreja Católica, mas sim com a própria religião como pressuposto social e filosófico-teológico.

    Fazendo a análise etimológica da palavra religião, encontramos o sentido de religação, mas de religação com o que? Não creio que seja com Deus, pois a relação com esta entidade metafísica está mais para submissão do que ligação.

    Ao meu ver, o homem só se desligou do próprio homem, e agora, parece-me, está se aproximando cada vez mais de si mesmo, pois os grilhões de um Deus onisciente, onipresente e, por vezes, vingativo, parecem não mais pesar. Adaptando uma frase de sua autoria, parece que o látego chamado Deus vem vergastando cada vez menos, e o homem está tendo tempo para se preocupar com ele mesmo, tempo para se religar a si, e essa é a grande Reforma religiosa: a religação se faz com os mortais, não mais apenas com o divino, e a Igreja não tem poder para mudar isso de forma autoritária, como tentou séculos atrás.

    Hobsbawm, com seu pensamento brilhante, instigou uma reflexão na Thaiza, que instigou uma resposta sua, e que instigou um reflexão minha. Agradeço a ele por sua ação [in]direta em nossa alfabetização científica.

    Ótimo dia.

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  6. Muito apreciado comentarista Marcos,
    ~~ com cópia a colega Thaiza ~~
    realmente o tema é complexo por isso que amanhã vou falar no Eyjafjallajökull que só é complexo no nome e na sua pronúncia.
    A essa hora da noite talvez meu filosofar esteja um pouco embotado.
    Mas vou partir de tuas colocações.
    Há algo liminar: aceitar as religiões como construtos humanos ou tê-las como verdades relevadas por um ser superior. Não é possível deixar de ter essa distinção.
    Nossas reflexões aqui só tem sentido (ou mais, só tem valor) se cada uma e cada um dos leitores e eu conseguirmos desestabilizar-nos de nossas posições tradicionais. Esta foi um pouco a minha discussão na UAM - Universidade do Adulto Maior esta tarde. Esse talvez seja meu maior esforço nos dias atuais.
    Lembra de uma citação que fiz, mais de uma vez, em nossas aulas e já a devo ter trazido aqui: Se acreditamos que fogo esquenta e a água refresca, é somente porque nos causa imensa angústia pensar diferente. Parece que esta frase atribuída a David Hume, 1711-1776, filósofo e historiador escocês tem a ver com o que tu trazes.
    Aliás, Hume, em sua ‘História Natural das Religiões’ nos ajuda entender o quanto é fácil se ligar ao ‘ente superior. Recorda de uma frase muito popular: “Só se lembra de Santa Bárbara quando troveja!”
    Releva se não fui mais ao cerne de teu denso filosofar.
    Amanhã será mais fácil ser vulcanólogo,
    Com continuada admiração, a gratidão do
    attico chassot

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