Porto Alegre Ano 4 # 1344 |
A chamada que fiz ontem e também na terça-feira: “Esquecer limpa a mente, ajuda a abstrair e a generalizar” é no mínimo instigante. O assunto é trazido por Viktor Mayer-Schöenberger, [www.vmsweb.net] pesquisador da sociedade da informação. Natural da Áustria tem 44 anos. Estudou Direito em Salzburg, Cambridge e Harvard. Publicou sete livros.
Ele defende a virtude do esquecimento na era digital e diz que "tudo o que é arquivado na rede deve sair do ar em algum momento". Uma entrevista completa esta na Folha de S. Paulo, desta segunda-feira, 5 de abril, p. A-18. Nas limitações de espaço desta edição, trago excertos da matéria.
FOLHA - A internet está tornando difícil o ato de esquecer informações?
VIKTOR MAYER-SCHÖENBERGER - Não é só a internet, mas a combinação com a digitalização, que nos permite usar as mesmas ferramentas tecnológicas para processar, armazenar e disseminar diferentes fluxos de informação, incluindo imagens, áudio e vídeo. Isso cria fortes economias de escala, o que tem facilitado uma queda dos custos de armazenagem. Hoje é mais barato armazenar todas as imagens digitais em um disco rígido, em vez de gastar alguns segundos para decidir se quer manter uma foto digital ou excluí-la. Adicione a isso grandes avanços na recuperação da informação, bem como uma rede digital global, a internet, para acesso ao armazenamento digital, e você tem uma situação em que a lembrança é o padrão, e esquecer, a exceção.
FOLHA - No seu livro, ["Delete -The Virtue of Forgetting in the Digital Age" (delete, a virtude de esquecer na era digital; Princeton University Press, US$ 24,95)], você fala sobre o papel de lembrar e a importância de esquecer. Pode explicar isso?
MAYER-SCHÖENBERGER - Durante toda a história da humanidade, o esquecimento tem sido fácil para nós. Ele é construído em nosso cérebro: a maior parte do que nós experimentamos, pensamos e sentimos é esquecida rapidamente. E (principalmente) com uma boa razão: essas coisas não são mais relevantes para nós, e esquecer limpa a mente. Esquecer nos ajuda a abstrair e a generalizar, a ver a floresta em vez das árvores, e a viver e agir no presente, em vez de ficar amarrado a um passado cada vez mais detalhado. Esquecer nos ajuda a evoluir, a crescer, a seguir em frente -para aprender novas coisas.
Pelo esquecimento, a nossa mente se alinha com o nosso passado, com nossas preferências do presente, tornando mais fácil a sobrevivência e a vida suportável.
Pelo esquecimento, também facilitamos a nossa capacidade de perdoar os outros por seus comportamentos.
O que é verdadeiro para indivíduos também é verdadeiro para a sociedade em um aspecto mais amplo. As sociedades devem ter a capacidade de perdoar indivíduos esquecendo o que eles fizeram, reconhecendo, deste modo, que os seres humanos têm a capacidade de mudar e de crescer.
FOLHA - Em seu livro, você diz que a memória perfeita altera nosso comportamento. Como isso acontece?
MAYER-SCHÖENBERGER - A memória perfeita tem dois potenciais efeitos de congelamento. O primeiro é em relação à sociedade. Se tudo o que dizemos e fazemos hoje puder ser usado contra nós em um futuro distante, acabando com a possibilidade de conseguirmos um emprego melhor ou um relacionamento melhor, muitos de nós vamos começar a nos censurar sobre o que fazemos e dizemos on-line hoje. A memória perfeita criará um pan-óptico temporário -o oposto exato do que precisamos em uma sociedade democrática baseada em robustos debates cívicos.
Minha segunda preocupação recai sobre a nossa capacidade de decidir e agir no presente.
Pessoas com memória perfeita reclamam que sua tomada de decisão é dificultada por sua incapacidade de verter o passado -recordar todo o nosso passado empurra-nos para que nos tornemos indecisos.
Nós devemos saber em que medida a memória perfeita usurpa nossas vidas. Algumas vezes, a memória pode ser útil, mas será eu realmente preciso buscar no Google o nome de todo mundo antes de encontrar essas pessoas?
FOLHA - A memória é construída tanto pelo que aconteceu quanto pelo que não aconteceu. É parte da evolução humana criar histórias, misturá-las, mentir até. A total capacidade de armazenar informação pode afetar os afetos?
MAYER-SCHÖENBERGER - Sim, certamente. Nossa memória humana não é fixa. Ela é constantemente reconstruída com base em nossas preferências e valores presentes. Isso reduz a dissonância cognitiva e nos permite viver profundamente enraizados no presente. Se percebemos que a nossa memória humana não é perfeita e começamos a confiar em memórias digitais mais do que na nossa, três terríveis consequências podem seguir: (a) podemos acreditar que o que é capturado digitalmente e lembrado é o registro completo, embora não seja (muito pode não ter sido capturado digitalmente); (b) nós podemos nos tornar dependentes da memória digital e quem quer que seja que controla essa memória digital poderá ter o poder de reescrever a história; (c) se percebermos que a memória digital também pode não ser confiável, podemos desistir da história e da memória completamente -uma espécie arrancada sem passado.
FOLHA - Quais são os riscos de termos todas as informações disponíveis na nuvem computacional?
MAYER-SCHÖENBERGER - Se a privacidade dos indivíduos na rede falhasse em massa, todo mundo seria exposto, e a privacidade desapareceria. O sociólogo Goffman tem uma fala famosa sobre a necessidade de os seres humanos terem mais de uma fase em suas vidas. Por exemplo: uma fase para frente e uma fase para trás. Se todos os dados podem ser vistos por todos, a diferenciação desses estágios entraria em colapso, com tensões inimagináveis.
FOLHA - Nós precisamos pensar antes de começar a espalhar tanta informação por aí?
MAYER-SCHÖENBERGER - Sim, nós precisamos pensar. Mas eu estou preocupado que, se pensarmos muito, vamos nos auto-censurar. Isso pode nos proteger individualmente, mas empobrece-nos como sociedade. Seria muito melhor se nós ainda pudéssemos compartilhar muita informação, mas ter um mecanismo para que essa informação fosse esquecida ao longo do tempo. É por isso que eu tenho defendido a reintrodução do esquecimento na era digital.
FOLHA - Como na vida, a internet precisa dar uma segunda chance às pessoas? Se não, a rede pode virar uma espécie de tribunal permanente?
MAYER-SCHÖENBERGER - Realmente. Temos que perdoar, esquecer. O Google não vai nos deixar fazer isso. Se nós procuramos o nome de alguém no Google e descobrimos uma citação de que ele estava dirigindo embriagado há dez anos, o quão relevante é isso para o presente dessa pessoa?
FOLHA - Você diria que a sociedade da era digital não concede perdão?
MAYER-SCHÖENBERGER - Eu acho que isso é bastante apropriado.
FOLHA - Você acha que falta uma regulação para a internet?
MAYER-SCHÖENBERGER - Eu não acho que exista um regulamento simples que possamos estabelecer para evitar os problemas da memória digital. Como eu detalho no meu livro, precisamos de uma combinação de uma série de medidas para enfrentar o desafio do fim do esquecimento na era digital.
FOLHA - Como podemos apagar nossas pegadas na internet?
MAYER-SCHÖENBERGER - Isso é muito difícil porque não temos controle total sobre as informações pessoais. Algumas empresas de internet oferecem (difíceis) formas de eliminar informações pessoais. Outras não. Um grupo no Google está trabalhando em ferramentas para extrair todas as informações pessoais do Google e, em seguida, excluí-las, mas esse serviço ainda está na sua infância. Há empresas comerciais que têm serviços para apagar as pegadas, mas são muito caros. Devemos ensinar os softwares a agirem de acordo com nossa mente. Tudo o que é arquivado deve sair do ar em algum momento. Devemos indicar a data de validade para as fotos que colocamos na rede, por exemplo. Quando chegar o momento, elas serão deletadas. Um exemplo é o site Drop.io.
FOLHA - Como você teve a ideia de escrever o livro?
MAYER-SCHÖENBERGER - Nos agradecimentos, eu conto a história de que eu esqueci como eu tive a ideia para o livro. Por acaso eu tinha escrito uma pequena nota para mim sobre a ideia. Mais tarde, eu esqueci tudo sobre ele – talvez não fosse tão importante assim.
FOLHA - Você já deve ter ouvido muitas histórias de pessoas com problemas por conta das pegadas digitais. Qual chamou mais sua atenção?
MAYER-SCHÖENBERGER - Foi o caso de uma mulher norte-americana de quase 30 anos que havia ficado alguns anos na prisão por algo que ela tinha feito aos 18 anos. Depois de sua libertação, ela se mudou para uma nova cidade, começou uma nova vida. Encontrou um marido, um emprego, seus filhos cresciam em uma família normal. Até que um colega de um filho "deu um Google" no nome dela e, por acaso, deu de cara com um site que colocava fichas policiais com foto de todos os prisioneiros do Estado nas últimas duas décadas. De repente, a vida dela desmoronou.
FOLHA - Se hoje as pessoas não têm direito a uma segunda chance, o que pode acontecer em dez, 20 anos?
MAYER-SCHÖENBERGER - Se nós não oferecermos a nós mesmos uma chance de escolha significativa em breve, gerações de nativos digitais vão crescer e assumir que a escolha não é possível. Eles vão adaptar suas vidas para as restrições impostas pela máquina. Isso seria terrível. Nós podemos moldar a máquina de qualquer maneira que quisermos. E, se quisermos, podemos fazê-la de uma forma que nos ofereça escolha!
Talvez essa entrevista pudesse ser sintetizada com uma afirmação atribuída a Nietsche: “Vale a pena esquecer, assim tudo sempre parece ser a primeira vez”. Meus votos de uma boa quinta-feira. Para amanhã algo mais uma vez desafiador: O escândalo da pedofilia se constitui num sinal dos tempos atuais.
Muy querido Profesor Chassot,
ResponderExcluir¡Hiper interesante su artículo de hoy! Es una mezcla del cuento de Jorge Luis Borges, Funés el Memorioso (alguien que recordaba todo) y la novela “1984” de George Orwell, que escrita en 1948 imagina una sociedad de 1984, donde un régimen totalitario -encabezado por el “Gran Hermano”- controla a todos gracias a los avances tecnológicos.
Claro que es necesario olvidar para poder recordar. Todos recordamos y todos olvidamos y lo hacemos selectivamente.
Lo que MAYER-SCHÖENBERGER pone sobre el tapete es la capacidad de almacenar información y el uso que se pueda dar a esa información. Pero, ¿no pasa eso con cualquier medio? ¿con cualquier avance científico? Resulta pueril su visión sobre el “poder” de las imágenes digitales, ¿son acaso distintas de las fotografías impresas en papel? ¿Habría sido diferente si el colega del hijo de la mujer hubiera encontrado una nota en un periódico de la época?
Es verdad que ahora hay mayores posibilidades de registrar los acontecimientos y mayor velocidad en ubicar la información, sin embargo eso no significa que accedamos a una “memoria perfecta”. Siempre habrá una voluntad que canalice, organice y seleccione las búsquedas. Otra voluntad que tenga interés en mantener vivos o eliminar los hechos.
Por otra parte, ¿por qué habríamos de renunciar a recordar las barbaridades cometidas en el pasado. Más que naîve, me parece cuestionable la afirmación de: “As sociedades devem ter a capacidade de perdoar indivíduos esquecendo o que eles fizeram, reconhecendo, deste modo, que os seres humanos têm a capacidade de mudar e de crescer.” Eso estaría bien para males menores, pero no para aquellos mayores. Hay una ética en el recordar. Debería haber también una ética en aquello que se desea borrar de la memoria colectiva.
De lo contrario, adiós a la Historia. Olvidemos aquello que Guernica convoca cuando la vemos. Quedémonos únicamente con el significante que la esvástica es una cruz de brazos doblados.
Lo siento, ya me extendí demasiado, un abrazo cariñoso,
Matilde, mi muy atenta lectora,
ResponderExcluirprimero gracias por tan elaborada critica a blogada de hoy. Acepto que el olvido torna sublime o perdón. Todavía, como pones muy bien, eso no se pode hacer con los crímenes contra la humanidad. Vivimos nos días presentes la situación de los abusos cometidos contra niños por curas. Eso no se perdona por olvidarse simplemente. Por otro lado estoy de acuerdo con el científico suizo que tenemos a disposición guardados desnecesarios. Es bien ilustrado con el caso de la ex presidiaria. Porque la disponibilidad de informaciones de su vida pregresa (= pasada).
He traído ese tema justamente pelos cuestionamientos que ofrece.
Tus traídas han enriquecido por demás la blogada de hoy.
attico chassot
Mestre Chassot, a blogada de hoje entra no ranking das 5 melhores blogadas das quais eu acompanhei nesse período de mais de um ano como seu oomentarista.
ResponderExcluirPara um historiador, falar de memória é falar de história, pois a Memória é uma das funções/intrumentos/ferramentas/apoios mais importantes da História, se não a mais importante. O próprio Heródoto, o famoso "Pai da História", afirma que a História foi "criada" para registrar aquilo que, com o tempo, a memória não mais guardaria.
É um assunto fantástico, que nos leva até a mitologia grega, onde a titânide Mnemósine era a personificação divina da memória. vale lembrar que, na mitologia grega, Mnemósine é a mãe de Clio, a musa da História, ou seja, a memória precede, rege e gera a história.
Teria muito a falar sobre a memória, mas sintetizo em dois pensamentos.
O primeiro é de Sir Arthur Conan Doyle, proferido por seu mais famoso personagem, o detetive Sherlock Holmes, no livro "Um estudo em Vermelho", o primeiro livro da série de aventuras do detetive inglês: "Considero o cérebro humano como sendo inicialmente um sótão vazio, que devemos mobiliar conforme desejamos. Um tolo atulha-o com todos os trastes que vai encontrando pelo caminho, deixando que os conhecimentos de alguma utilidade para ele fiquem soterrados ou, na melhor das hipóteses, tão oculto entre as demais coisas que será difícil alcançá-los quando precisar. Um trabalhador especializado, pelo contrário, é muito cuidadoso com o que leva para o sótão de sua cabeça. Não quer mais nada além dos instrumentos que possam auxiliá-lo no seu trabalho. Destes é que possui um alarga provisão, e todos na mais perfeita oordem. É um erro pensar que o dito quartinho tem paredes elásticas e pode ser distendido à vontade. Segundo as suas dimensões, há sempre um momento em que para cada nova entrada de um conhecimento as pessoas esquecem qualquer coisa que sabiam antes. Consequentemente, é da maior importância não ter fatos inuteis ocupando o espaço dos uteis."
O segundo é do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (meu filósofo preferido), em sua obra "Assim falou Zaratustra": "A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez."
Ótimo dia.
Muito querido Marcos,
ResponderExcluirmuito obrigado por tão importante avaliação e penso que poucos de meus leitores sejam capazes de avaliar minhas blogadas e teu comentário me traz muito satisfação. Penso que amanhã comentarás na mesma direção. Nos dias atuais estou fazendo uma escrita de quatro capítulos para meu livro 50tenário quando estou mexendo intensamente nos meus diários que tem mais de 40 anos, assim em oposição à tese defendida hoje pelo cientista suíço, estou recordando passagens que há muito havia olvidado. Podes crer que isso é muito importante, Adiro à comunidade que tem em Heródoto seu fundador.
Quanto as tuas duas sínteses:
1) não conheço o livro de Sir Arthur Conan Doyle referido, mas busco ser muito seletivo no que coloco em meu sótão e não sendo estólido, sabendo que ele tem limitações faço diários.
2) quanto ao aforismo de Nietsche penso que mostro minha adesão a citação livre que fiz no encerramento da blogada de hoje.
Uma vez mais obrigado por seres um tão dedicado e muito competente deste blogue. Ratifico o que escrevi na segunda feira: “Ti fazes a transubstanciação de meus textos”. Relava a metáfora eucarística.
Em tempo: não sou, como está claro, o autor da blogada de hoje.
Com admiração
attico chassot
E aquelas pessoas que, além de conectadas na rede, se mantêm ultra-mega-informadas, possuem uma "memória de elefante"?
ResponderExcluirEspero não ter cometido nenhum deslize grave enquanto sua aluna, mestre!
abraçoss
Querida Marília,
ResponderExcluirrealmente cabem diferentes discussões acerca da blogada desta quinta-feira. Há que ver o que significa essa hipersuperconexão.
Tu te dás conta que quando estamos na www o tempo flui de maneira diferente? Isso é (quase) fantástico, Vivemos uma assincronia.
Não vejo o porquê de tua pergunta!!!
Obrigado por retornares com um comentário. Recomendo-te a blogada de amanhã: É Preciso Duvidar de Tudo do Kierkegaard.
Um bom fim de
Professor, minha pergunta é apenas uma referencia à sua pessoa que possui uma memória extraordinária e está sempre muito bem informado... O autor não fala que precisamos esquecer e perdoar? Então, apenas uma brincadeira...
ResponderExcluirValeu Marília querida,
ResponderExcluirisso de memória extraordinária se adita como brincadeira.
Ontem citei em um comentário aqui um filosofar de minha adolescência. “Esquecer torna sublime o perdão’, mas como bem alertou ontem aqui Matilde Kalil isso não significa esquecer os genocídios.
Renovo o convite para a blogada de amanhã, que será muito a gosto de meus alunos e ex-alunos filósofos,
attico chassot