Ano
7*** PORTO ALEGRE/FREDERICO WESTPHALEN ***Edição 2298
Esta edição
entra em circulação, uma vez mais, quando me desloco de Porto Alegre para Frederico
Westphalen. A estada de um pouco mais de 12 horas, na Morada dos Afagos, depois
do extenso périplo que encerrei ontem, foi reconfortante. Não consegui vencer a
avolumada pilha de jornais de 10 dias que pediam pelo menos uma vista d’olhos.
Hoje tenho três
turnos no Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI. Pela manhã a agenda se divide
entre minhas quatro orientandas. À tarde e à noite tenho mais duas sessões do seminário
‘Teorias do Conhecimento e Educação’.
Na parte da tarde será central uma discussão baseada em Thomas Kuhn e à noite
as reflexões serão iluminadas pelo documentário ‘Homo Sapiens 1900’.
O tema
vesperal terá como substrato o tríduo kuhniano publicado neste
blogue nos dias 04, 05 e 06 setembro de 2012 e um texto que já usei em outros
seminários: ‘La moral
sexual católica ¿está en crisis de paradigma? Un estudio desde la historia de
las ciencias’. Seu autor é Cristián BARRIÁ, médico psiquiatra, terapeuta de casais, ex-professor de Psicologia
Comunitária na Universidad de Chile.
Barriá
fez acurada análises acerca da moral sexual católica e usa para tal (com expertise)
Thomas Kuhn. São sumarentas 25 páginas que mesmo sem a pretensão que se traga aqui
uma síntese conveniente, faço tema desta blogada.
Vou
pinçar algumas ideias. Anuncio que posso enviar o texto original na íntegra a
quem o desejar. A seguir algumas análises, apreendidas em uma mirada
panorâmica. Quase na abertura somos alertados que “esta é uma reflexão de um médico
crente a partir da perspectiva da história do pensamento, de modo que o que aqui
fazemos é um estudo centrado especialmente no histórico e no epistemológico,
mais que propriamente no teológico”. É fácil imaginar o quanto um terapeuta de casais
deve envolver-se com a questão da co-habitação de diferentes paradigmas que são
seguidos, porque tidos como respondendo às exigências do mundo contemporâneo,
mas que são confrontados com paradigmas medievos, ainda vigentes.
O autor faz uma muito bem
organizada síntese das propostas de Kuhn para perguntar se é legítimo que
ideias da história das ciências naturais de Kuhn sejam aplicadas a um campo
como a teologia moral, que tem métodos e desafios singulares. Ele responde: “Em
nossa opinião é pertinente esta tentativa até porque na teologia moral há
também uma busca de racionalidade sistemática, que tem levado a mesma a
descrever-se como Ciência. Adicionalmente, na teologia já se vão utilizado os
conceitos de Kuhn, por isso que nosso intento tem amplos precedentes. Em nossa opinião, ao menos por analogia, as ideias de
Kuhn podem ser iluminadoras na parte reflexiva e sistemática da teologia moral.
Os conceitos de Kuhn também têm sido aplicados ao estudo de outros campos do
saber e da conduta humana como na história das artes e na política, o que
mostra que seu campo de aplicação é mais amplo e vai mais além das ciências
naturais”.
Para o médico chileno as ideias
de Kuhn parecem iluminadoras para observar o que pode estar ocorrendo no campo
da moral sexual católica. Pode pensar-se a comunidade católica como una
comunidade de pensamento análoga a uma «comunidade de estudos da Ciência» no
que respeita a sua conceptualização moral. A comunidade dos teólogos seria o
grupo mais especializado desta comunidade. O que ocorreu nesta comunidade, no
tocante à sexualidade, no último século?
Parece que a irrupção de dois
novos descobrimentos desencadearam abertamente uma crise na maneira de pensar a
sexualidade católica. Estes acontecimentos foram: a) o descobrimento mais
preciso dos dias infecundos no ciclo da mulher por parte da ciência, nos anos
1930, e b) o descobrimento da pílula anticonceptiva, algumas décadas depois.
Estes fatos, especialmente o segundo, estimularam a reflexão moral católica,
impactada por estes novos desafios da ciência moderna.
Houve uma concentração de estudos
nesta zona de interesse renovado para os investigadores, impulsionados por sua
vez pelo interesse dos leigos nesta nova realidade recém descoberta. O fato de
que se descobrira que a maior parte dos dias do ciclo feminino eram infecundos,
tornou-se certamente um fato «estranho» para o paradigma tradicional. Antes
sempre se pensou que o fim primeiro da vida sexual criada por Deus era a
procriação, o que até então parecia óbvio. Ocorre que agora que a procriação é
impossível durante a maior parte do ciclo, segundo descobre a ciência. Como
compreender que esta recém descoberta sexualidade infecunda, no plano de Deus?
Parecia não ser já tão evidente
que a sexualidade conjugal estivesse ordenada essencial e «primariamente» à
procriação. Eram perguntas novas. Prudente e razoavelmente, a autoridade
permitiu aos esposos «usar» dos dias infecundos. Porém, talvez não percebeu
então que o paradigma mesmo estava sendo questionado em sua coerência interna,
ao permitir-se relações sexuais intencionalmente infecundas. A antiga
centralidade da procriação começava a eclipsar-se enquanto a importância do
amor e do prazer crescia lentamente.
Os novos acontecimentos sacudiram
o paradigma clássico sobre a sexualidade. Para muitos autores parecia que o
antigo paradigma não dava conta satisfatoriamente dos novos acontecimentos. Os
novos descobrimentos permitiam agora dominar racionalmente a fecundidade, o
número de filhos, por parte os pais, responsavelmente. A família numerosa, tão
apreciada pela tradição e que parecia assegurada até então pelas anteriores
práticas e conhecimentos, aparecia agora em perigo. Os pais podiam dispor de
procedimentos práticos (o método da temperatura basal, a pílula) notavelmente
mais efetivos que os métodos tradicionais anteriores (que eram a continência
periódica e o coitus interruptus, este último sempre rechaçado).
Ocorrem logo mais acontecimentos
«anômalos»: alguns casais honestos e devotos começam a usar os novos métodos,
considerando-os moralmente aceitáveis. O impacto dos novos conhecimentos
modernos foi tão grande e surpreendente que a antiga doutrina condenatória dos
métodos anticonceptivos ficou como transitoriamente em suspenso na prática; todavia
se seguiu vigente nos códigos escritos. Vários teólogos e bispos se mostraram
permissivos frente aos novos métodos.
Seguindo a Kuhn, Barriá postula
que na cristandade, nos anos 1970, se produziu um sentimento de que o paradigma
vigente não parecia dar conta cabal dos novos fatos recém descobertos. O
edifício teórico construído por mais de um milênio que somente havia sofrido
pequenas complementações e adaptações ao largo de muitos séculos, parecia
tremer e ruir ante aos novos desafios. Sugere-se que nesses anos pensamento
católico clássico sobre a sexualidade entrou em uma crise de paradigma da qual
não temos terminado de emergir.
Alguns casais católicos usaram
inicialmente anticonceptivos para espaçar riscos de uma próxima gravidez,
depois do nascimento de um filho. Parecia saudável e bom separar os partos
sucessivos de dois o três anos, como aconselha a medicina e a psicologia. Acaso
Deus poderia querer que nascesse um filho a cada dez meses, dificultando a vida
da mãe e da criança, como tantas vezes ocorria antes dos anticonceptivos? Eram
realidades e possibilidades novas para pensar, que emergiram desde a Ciência.
Mas autoridade da Igreja
desconheceu que seu paradigma entrava em crise e nesta continua imerso. Mesmo
que muitos fiéis, e até alguns teólogos aceitassem um novo paradigma... o resto
da história conhecemos.
Tenho que reconhecer que análise
kuhniana está bem posta. Não sei se a minha tentativa de síntese consegui
mostrar isso. Repito que posso enviar aos que desejarem o texto completo. Com
votos de uma sexta-feira muito boa, que para alguns faz parte de um feriadão.
Na expectativa de um reencontro,
aqui, amanhã. Anuncio uma muito saborosa dica de leitura.
Muito interessante a temática em questão. Já que o senhor ofereceu, por favor, me encaminhe o material citado. Desejo um excelente dia!! Um forte abraço!!
ResponderExcluirAna Cláudia Maquiné
Muita estimada Ana Cláudia,
ResponderExcluircelebro tê-la como leitora na UEA, e enquanto atendo teu pedido, encaminho: La moral sexual católica ¿está en crisis de paradigma? Un estudio desde la historia de las ciências” anuncio que na próxima quarta-feira estarei na UFAM.
Na alegria de tê-la como leitora
attico chassot
Ola Meu Caro Chassot
ResponderExcluirBastante interessante o estudo do Médico sobre a teoria kuhniana e sua relaçao com a teologia. Tambem gostaria de receber o texto.\
Abraço JB
Meu muito estimado Jairo,
Excluirna ótica do historiador que também és o texto de Cristián Barriá ‘La moral sexual católica ¿está en crisis de paradigma? Un estudio desde la historia de las ciencias’vai te encantar.
Um abraço desde Frederico Westphalen
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
Estimado Mestre Chassot, o tema de hoje certamente é alimentador de polêmicos debates. O século XXI se descortina com grandes mudanças, mudanças estas não acompanhadas com a mesma celeridade pelos dogmas canônicos. Em recente cerimônia de casamento do meu filho Thiago, fiquei admirado com os conselhos do padre que fazia franca apologia a uma prole numerosa, e citava o exemplo de um dos papas do passado que teria sido o decimo-sétimo ou décimo-oitavo filho.Nos tempos de hoje, com um mundo de crise, aconselhar um jovem casal a ter muitos filhos me pareceu heresia.
ResponderExcluirabraços
Antonio Jorge
ResponderExcluirMeu caro Antonio Jorge,
este cura medievo, fiel aplicador da “Humanae Vitae” de Paulo 6º em 1968 não sabe que ‘mesmo que os casais católicos quisessem seguir a igreja’ eles não encontrariam residência onde abrigar os filhos.
Um bom dia na tua Niterói.
attico chassot
Grande Mestre Chassot
ResponderExcluirAchei bastante interessante a leitura de hoje. Solicito a leitura completa pelo meu e-mail leoquake@gmail.com.
Attc
Prezado Leonardo,
ResponderExcluircelebro tua presença como leitor aqui.
Envio tua solicitação.
Na pareceria no fazermos alfabetização científica.
attico chassot
Limerique
ResponderExcluirAinda que, em alguns casos, com atraso de séculos, a igreja acaba se rendendo às evidências. Seria até melhor que ela se ativesse às questões teológicas e deixasse que sociedade e os casais decidissem essas questão familiares. Talvez algum dia a racionalidade entre na cabeça dessas múmias que se acham donos da verdade. Esse mundo seria muito mais sensato e racional sem o Vaticano.
Abraços agnósticos, JAIR.