Esta já é a edição inaugural de novembro. Ela já sabe a
fim de ano. O tema de hoje vem na esteira da evocação de ontem 31 de outubro de
1517. Ele se contextualiza nos cinco anos ontem iniciados em advento do Quinto
centenário da Reforma Luterana em 2017.
Quando nos
referimos à Idade Média, parece natural nos perguntarmos por sua certidão de
nascimento e seu atestado de óbito. Todavia, mesmo que se reconheça cidadania
histórica à Idade Média, não existe nenhum registro batismal ou um dado funeral
para um período de cerca de mil anos da história da humanidade (ocidental).
Hilário Franco
Junior, no apreciado A Idade Média: o
nascimento do Ocidente [São Paulo: Brasiliense, 1994] diz que “se utilizássemos
numa conversa com homens medievais a expressão Idade Média, eles não teriam
ideia o que isso poderia significar. Eles, como todos os homens de todos os
períodos históricos, se viam vivendo na época contemporânea. De fato, falarmos
em Idade Antiga ou Média representa uma rotulação a posteriori, uma satisfação da necessidade de darmos nomes aos
momentos passados” (p. 17).
No A ciência através dos tempos, que já vai
fazer 20 anos de continuada circulação escrevi: “A Idade
Média é o milênio
transcorrido entre o término da Idade
Antiga (identificado com a queda do Império Romano
do Ocidente , em
476) e o surgimento do Renascimento
(ou a tomada
de Constantinopla pelos turcos, em 1453, ou , ainda , a descoberta
da América, em 1492). Este período já foi chamado de "Idade
Obscura " ou
"Noite de Mil
Anos ", e o adjetivo
"medieval " (ou
"medievo"), às vezes , quer significar retrógrado ou obscuro , mesmo que se faça outra
leitura desse milênio ,
principalmente do seu
final” (p. 101).
Não vou fazer,
aqui e agora, uma listagem de legados da Idade Média. Chiara Frugoni escreveu
um apetitoso “Invenções da Idade Média:
Óculos, livros, bancos, botões e outras inovações” [Rio de Janeiro: Zahar,
2007]. Dar-nos conta que Universidade, que já tem mais de 800 anos, é um legado
do medievo é suficiente para expurgar a conotação de obscurantismo para o
adjetivo medieval.
Afirmei que
esta blogada estava na esteira da celebração que este blogue fez ontem. Para
justificar trago uma narrativa da medievalista Régine Pernoud: “quando eu era
encarregada do Museu da França nos Arquivos Nacionais chegou uma carta
perguntando ‘Poderia me informar a data exata do tratado que marca o fim da
Idade Média?’ Havia uma pergunta complementar: ‘Em que cidade se reuniram os
diplomatas que preparam este tratado?’” [Idade
Média: o que não nos ensinaram. Rio de Janeiro: Agir, 1994, p.7]
Há uma meia
dúzia de propostas de um evento para marcar o início do Renascimento ou fim da Idade
Média. Assim para seu término já se pensou (cronologicamente) em:
A) 1439: invenção
da imprensa;
B) 1453: queda de
Constantinopla;
C) 1453: fim da
Guerra dos 100 anos;
D) 1492: descoberta
da América;
E) 1517: Reforma
Luterana;
F) 1534: Reforma
Anglicana.
Não há sentido
de fazermos um plebiscito entre estes eventos e eleger o lapidar. A escolha
daquele que foi mais relevante ou mais revolucionário vai muito de opiniões.
Mesmo que eu
não seja historiador, se tivesse eleger um, a minha escolha seria em primeiro
lugar a Reforma Luterana, talvez marcado pelo meu viés dito ‘igrejeiro’,
(leia-se querer ler a história marcada
pela presença da religião). Se fosse eleger outro, seria a invenção da
imprensa, reconhecendo-a tão importante, quanto o invento da Internet, a
criação mais revolucionária do Século 20.
Uma blogada especial
caberia para destacar as muitas consequências
políticas, sociais, econômicas, culturais e educacionais da Reforma Luterana.
Talvez um dos feitos mais significativos foi traduzir toda Bíblia para o alemão, em uma edição de 1534. Antes
houve outras traduções parciais (especialmente dos evangelhos) em diferentes idiomas.
A Bíblia de Lutero se torna referência na manutenção da ortodoxia nas
igrejas reformada. Ela confere ao alemão o status de língua culta e com isso
fortalece o emergente conceito de ‘Estado nação’.
Importância mais significativa desta tradução foi que
agora a Bíblia estava acessível a todos (que soubessem ler). Como os cultos nas
igrejas reformadas eram no vernáculo [a igreja católica continuou com cultos em
latim até o Concílio Vaticano 2º (1962-65)] se criaram escolas junto a cada
igreja para se ensinar a leitura, assim o povo poderia ler a Bíblia e ler os
hinos nos cultos.
Assim a Escola como conhecemos hoje é produto da Reforma
Protestante. A primeira ordem religiosa ensinante da igreja romana (antes as
ordens religiosas são pregadoras, esmolastes, orantes, hospitalares,
militares...) é a companhia de Jesus (jesuítas) fundada por Inácio de Loyola em
1531.
Paradoxalmente a Reforma Luterana é muito benéfica à
igreja romana, pois com a contrarreforma há a refontização, na busca das
verdades e das práticas que haviam sido perdidas.
Na recordação de quando 1º de novembro era dia santo
religioso ou dia de preceito, desejo uma quinta-feira na expectativa de um
feriadão.
A blogada de hoje, sem desmerecer as demais, contém uma essência ditática formidável. Os fatos históricos comentados, fugindo à narrativa maçante transformam o conhecimento da história em prazerosa leitura.
ResponderExcluirabraços
Antonio Jorge
Limerique
ResponderExcluirHoje queremos entender a história
Como uma linha reta obrigatória
Nada mais imperfeito
Construir conceito
Quando inexiste qualquer trajetória.