Ano 6 *** Porto Alegre / Frederico Westphalen *** Edição 2067
Esta
edição entra em circulação, quando mais uma vez, estou viajando para Frederico
Westphalen, já tendo percorrido mais de uma hora das 6h15min de minha jornada.
Hoje tenho pela manhã reunião do Colegiado do Programa de Pós-Graduação em
Educação da URI, a tarde reúno-me com minhas duas orientandas e a noite envolvo-me
com a primeira sessão do Seminário ‘Escrever é preciso!’ Retorno a Porto Alegre
após esta atividade.
Em mais
uma sexta-feira quaresmal. Trago, como em nas anteriores, assunto que nos
envolve quer sejamos religiosos ou não.
Há duas
semanas conversava com uma colega muito querida, cujo nome me autorizo a
preservar, pois torno público, algo que me contou, de maneira reservada. O assunto
era questionamentos, ou melhor: contestações, que, enquanto professora de
Biologia, recebia de seus alunos. Isto não ocorria apenas quando discutia
evolução, mas até quando falava em datações de fósseis, que alguns alunos
universitários não aceitavam serem maiores que 6 mil anos, pois não poderiam
superar a data de criação do mundo (=Universo).
Vale
lembrar que em 1650, o arcebispo irlandês James Usher fez as contas e concluiu
que Deus criou o mundo às 15h30min do dia 23 de outubro de 4004 a.C. e que o
apocalipse aconteceria no mesmo dia e horário em 1996. Felizmente, pelo menos a
segunda previsão sabemos que errou. Como pelo calendário hebreu estamos no ano
5.772 desde a criação do mundo, o douto prelado fez apenas um ‘errinho’ de um
pouco mais de um século, dentro da tradição judaica.
Comentamos,
então, a necessidade de destacar os diferentes óculos que usamos para ler o
mundo natural: a ciência, a religião, os mitos, o pensamento mágico, os saberes
primevos ou senso comum. Mesmo no cotidiano, não nos cabe definir qual destes
óculos é o melhor. Mas, em uma aula na universidade, ou mesmo em uma escola,
podemos dizer estamos usando os óculos da ciência, que tem verdades
provisórias, com uma exigência fulcral: a razão. Em oposição, por exemplo, à
religião, que tem verdades permanentes, que exigem a fé para crê-las.
A conversa
desenrolava-se neste tema, em meio a um trânsito, marcado pela imobilidade,
quando minha amiga confidenciou-me: “Vou contar-te algo que muito poucos sabem:
fiz três vezes inseminação in vitro. Mas não houve sucesso na implantação dos
óvulos fecundados. Desisti, depois de vários outros tratamentos, de ser mãe
biológica.”
Não ligava
a revelação, que via ser difícil, com nossa conversa. Quando a conversa
prosseguiu, em tom sofrido: “Uma colega minha, doutora em História, brilhante
professora e pesquisadora de renome, veio consolar-me. ‘Que bom que decidiste
ouvir tua consciência, deixando de violar a lei natural, que usa tecnologias
para interferir nos desígnios divinos!’”
Minha amiga,
com um tom, agora triunfante, disse: “Perguntei à colega: ‘Por que usas óculos?’
‘Sem óculos sou quase cega!’ ‘Pois a mim parece que não deverias interferir na
vontade divina, usando uma tecnologia que modifica a obra do Criador!’”
Vibrei com
a saída brilhante de minha amiga. Disse que traria o assunto aqui, resguardados
nomes, para não expor douta (e tola) historiadora, que certamente não usa
anestésicos e deve ter parido seus filhos na dor, como se ordena no Gênesis. Nada
mais a aditar.
Lemo-nos
amanhã para saborear ‘O rio da dúvida’.
E o melhor é que a resposta veio de pronto.
ResponderExcluirMestre, quando leio seus escritos sobre os óculos da ciência, penso no quanto o pensar e o sentir precisam estar fundidos. Para mim, uma ideia sem paixão é só mais uma fria ideia.
Caro Chassot,
ResponderExcluirEu nem imaginava que existissem alunos universitários que acreditam no criacionismo. Que país é esse? Quando aos desígnios do Criador, acho que esses fundamentalistas cristãos "interpretam" demais, tomam um livro de contos antigos e nem sempre compreensíveis, como compêndio de história natural, geografia e ciências. Que país é esse? Abraços evolucionistas, JAIR.
JOSÉ CARNEIRO escreveu de BELÉM DO PARÁ
ResponderExcluirMeu caro e peregrino amigo:
Bela postagem a de hoje, com o sensacional desfecho da professora de biologia sobre a douta - e ingênua - historiadora.
Li o "Rio de Dúvidas" num átimo, de cabo a rabo, sem poder parar. Vale a pena.
Grande abraço,
José Carneiro
Prezado Chassot! Vejo que em pleno século XXI, apesar de toda a tecnologia e saber acumulado, ainda há espaço para opiniões adversas ao evolucionismo, principalmente quando se constata isso no meio academico. O diálogo trazido por ti nesta edição é bastante interessante, demonstrando que ainda temos muito a evoluir. Recentemente me surpreendi com reportagem da Rede Record sobre o Apóstolo Valdemiro Santiago (hoje Igreja Mundial do Poder de Deus, ex-Igreja Universal do Reino de Deus), que já acumula uma das maiores fortunas do mundo, incluindo fazendas no Mato Grosso, em nome da igreja, e construiu um templo de dimensões admiráveis em Sao Paulo, com recursos de seus fiéis. Ou seja, tem início uma pequena JI HAD entre Universal e Mundial. JB
ResponderExcluirLEONEL escreveu do Rio de Janeiro>
ResponderExcluirBom dia, Mestre!
Essa questão me parece como mexer num vespeiro...
Para mim, criacionismo e evolucionismo são apenas hipóteses, e ainda carecem de uma conclusão definitiva, além de se basearem em princípios diferentes...(fé e ciência).
Mas gostei da réplica da sua amiga para a moça que se julgava capaz de interpretar as intenções do virtual criador do universo.
Como uma bactéria numa lâmina, conjeturando sobre as intenções do cientista que a examina no microscópio eletrônico!
Abraços, e bom fim-de-semana!
Leonel
Mestre, voltei nesta postagem para comentar que utilizei esta postagem em uma aula, e após a discussão, propus elegessem uma notícia de jornal e tentassem a reescrever usando 3 diferentes óculos. Final do mês é a apresentação. No aguardo ^^
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