Ano 6 *** PORTO
ALEGRE *** Edição 2060
Depois da
maratona cuiabana, estou mais uma vez em Porto Alegre. Se a defesa do Sassá foi
comovente e a palestra apreciada, a viagem de retorno não foi trivial. A hora
que era para chegar a Porto Alegre, chegava ao Rio de Janeiro. Explico deixei
Cuiabá no horário aprazado (15h40min BSB). Quando era para pousar em Congonhas,
para iniciar a segunda e última etapa, o voo é desviado para Campinas. Então a
alternativa era seguir de ônibus à Congonha (cerca de 2 horas no pico). Fui
embarcado (voz passiva, mesmo!) com imensas dificuldades operacionais, num voo
para o Rio. Do Galeão depois das 23h, parti para Porto Alegre. Cheguei em casa,
à 01h20min desta sexta-feira, bafejado pela sorte de uma muito querida carona da Maria José e
do Alorino, meus ex-alunos da Universidade do Adulto Maior. Assim estou
escusado por este blogue hoje circular mais tarde.
Nesta
sexta-feira, para guardar a tradição das quatro primeiras sextas-feiras quaresmais,
havia pensado em propor uma discussão religiosa (talvez, melhor dito: trazer
algo da gramática eclesial) na esteira das eleições estadunidenses: Por que,
dos dois candidatos com mais chance entre os republicanos: um pertence à igreja
católica e outro à seita mórmon? Qual a diferença entre igreja e seita: Esta
segunda denominação é preconceituosa? Aqui entre nós, esta discriminação, ao
referir-se à religião (dos outros) ser uma seita também campeia!
Mas, o
Poeta me alerta: cesse tudo quanto a musa antiga canta, que outro valor mais
alto se levanta! Sim, a minha tarde de hoje será de ode às musas. E, isto se
faz assunto nesta blogada e determina o afastamento do tom religiosos que tem
sido marca das sextas-feiras neste período quaresmal.
E, eis a
explicação: Nesta quase inauguração de outono, participo no
Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul da quinta das sete bancas que tenho neste
março. Nesta o Professor Guy Barros Barcellos, das escolas São Mateus e São
Lucas da rede ULBRA, traz à defesa sua dissertação de mestrado: “O papel da construção participativa de um museu de Ciências na
alfabetização cientifica dos alunos envolvidos”. A pesquisa orientada pela Profa. Dra. Regina Maria Rabello Borges, que também
tem expertise em museologia.
O Prof. Guy, criador do Museu da Natureza — mais de
uma vez referido aqui —, é conhecido de leitores deste blogue por suas fruídas
crônicas enviadas das Ilhas Maurício, de Atlanta e de Nova York. Sua
dissertação narra a construção por alunos voluntários, em turno inverso, na
Escola São Mateus, em Cachoeirinha, cidade da grande Porto Alegre de um Museu.
Assim, está explicado porque a tarde de
hoje possa ser pensada como dedicada às Musas. O templo das musas era o
Museion, termo que deu origem à palavra museu: local do cultivo e preservação
das artes e ciências. Um museu é artefato cultural central das reflexões e
ações nesta tarde. Não questionei ao polímata autor da dissertação qual das
nove filhas de Mnemosine e Zeus é aquela que tem a capacidade de inspirar a sua
criação artística ou científica. Na dúvida faço preito às nove, até porque pelo
trânsito do Guy em várias áreas, deve ser amadrinhado por mais de uma delas.
Na sessão de hoje, antes de focar o que fulcral, faço uma intervenção preambular:
Por primeiro, celebro
estar aqui nesta Universidade. Uma parte de minha história de professor se fez
aqui, fui Professor de Química Orgânica III, de 1966-1981. Também lecionei
disciplinas pedagógicas. Uma delas era de estágio dos alunos de Licenciatura em
Química. Nesta os licenciandos e eu realizamos, o que era então, uma
experiência muito original: organizamos um curso pré-vestibular para estudantes
da região periférica à PUC. Foi um sucesso. Um dos licenciandos, líderes desta
ação, era o hoje coordenador deste Programa de Pós-Graduação, Prof. Dr. Maurivan
Güntzel Ramos. Foi uma experiência tão marcante, que passado mais de quarto de
século, evoco com saudades cenas de então. No Maurivan, homenageio todos
aqueles que foram meus alunos nesta Universidade durante 15 anos, de meus 51
anos de magistério, especialmente aquelas e aqueles que hoje são professores
nesta casa.
Mas a esta evocação se faz em saudade
gostosa, não posso me furtar em aditar outra saudade mais recente, que tem
gosto muito amargo. Neste 24 de janeiro, perdemos o nosso querido Roque Moraes.
Ele foi professor deste Programa. Ele foi parceiro, presença continuada e
constante em ações que envolvia a Educação nas Ciências. Deixou-nos muitas
lições. Talvez a mais importante: a sua magnifica maneira simples de ser. Mesmo
diante de ações imensas o Roque sabia ser singelo. Associava esta simplicidade
a uma continuada disponibilidade.
Assim celebro este meu retorno à PUC
nesta sexta feira outonal como o Deus romano Janus, uma parte de mim é alegria
e outra tristeza. Como Janus um lado do rosto sorri, outro chora. Alegro-me por
voltar a PUC, estou triste porque o Roque não está aqui.
Acerca da dissertação desta tarde, tenho muita expectativa nas
discussões que serão trazidas pelas minhas colegas de banca. Devo confessar
aqui que tive dificuldades em fazer uma avaliação isenta do trabalho. Não
consegui distanciar-me do Museu da Natureza — que tenho o privilégio de
conhecer bastante — e isto me trouxe olhares enviesados. Mais ainda, não
consegui abstrair o meu envolvimento pessoal com o autor, permeado por uma
relação de amizade. Conheço o Guy há menos de 1,5 ano. O primeiro encontro se
fez anedótico. Em outubro de 2010, ministrava um curso de História e Filosofia
da Ciência na PUC durante um encontro de Química. Falava van Leeuwenhoek
(Delft, 1632 -1723) um comerciante de tecidos, cientista e construtor dos
microscópios de Delft, nos Países Baixos, que descreveu a estrutura celular dos
vegetais, chamando as células de "glóbulos", utilizando um microscópio
feito por ele mesmo (possuía, talvez a maior coleção de lentes do mundo no
século 17, cerca de 250 microscópios), foi o primeiro a observar e descrever
fibras musculares, bactérias, protozoários e o fluxo de sangue nos capilares
sanguíneos de peixes.
Disse lateralmente: ‘Leeuwenhoek em Delfet era amigo do pintor... e a
memória me falha. Só consegui dizer: ‘aquele que pintou a Moça do brinco de
pérola’. Creditava-me uma dívida com os participantes. Um ou dois minutos
depois, um deles disse: ‘Vermier, professor’. Com humildade, o Professor Guy
não deixou transparecer o polímata que é. Mostrou o iPhone, no qual o professor
Google lhe viera em ajuda.
Ainda em dezembro daquele ano fui fazer uma palestra no Museu da
Natureza, ainda, dentro dos ritos inaugurais do mesmo. Depois fui mais duas em
2011 dar curso promovido pelo MN. No último dezembro, estive a quarta vez para
fazer a palestra ‘Como formar jardineiros
para cuidar do Planeta’ comemorativa ao 1º aniversário do MN, quando recebi
o troféu Giordano Bruno que muito me emociona.
Trago estes detalhes muito pessoais para justificar a minha não isenção
na avaliação desta dissertação, o que permite que seja empático com o Guy,
entendo o quanto deve ter sido difícil para ele não ser como ‘a coruja e
elogiar seus filhotes’. Se houvesse que fazer apenas um reparo a este trabalho,
seria este: o criador falando da criatura.
Na defesa de ontem em Cuiabá, o agora mestre Valdenor Santos Oliveira, o
Sassá, referiu nos agradecimentos: “Ao professor Attico Chassot, um homem que escreve com palavras difíceis,
mas é compreendido com facilidade, por quem tenho profunda admiração”. Fiquei
comovido. Nesta dissertação de hoje, recebo do Guy um qualificativo
inimaginável: “mestre dos mestres”. Não
sei, se com este título, que a generosidade de seu autor não cerceou o exagero,
serei competente na avaliação desta tarde. Estou expectante.
Querido Chassot,
ResponderExcluirobrigado por esta bela homenagem que muito me comove.
É um prazer ser teu amigo e uma honra ter-te hoje na banca.
Estou ansioso também. Até breve, em nosso ritual às filhas de Mnemosine.
Forte abraço,
Guy.
Caro Attico,
ResponderExcluirque as desventuras na última viagem sejam portadoras de boas venturas nas próximas! Que teu retorno à PUC-RS possa carregar emoções e lembranças sublimes.
Caro Guy,
parabéns antecipadamente por tua defesa! Estamos na torcida.
Abraços,
PAULO MARCELO
Caro Chassot,
ResponderExcluirpeço-te licença para utilizar o teu blog para cumprimentar o Prof. Guy pela oportunidade de defesa de sua dissertação de mestrado. Ainda que não o conheça pessoalmente, já acompanhei por aqui, várias de suas narrativas sobre viagens acadêmicas que fez recentemente. Sei que esse momento é de tensão e estresse. Votos de uma brilhante defesa.
Um abraço,
Garin