Ano 6 *** CUIABÁ ***
Edição 2059
Estou
escrevendo desde Cuiabá, onde cheguei ontem à noite, depois de deixar Porto
Alegre no meio da tarde, desta quarta-feira. Ainda não senti o famoso calor que
se diz ser o ‘caldeirão de Cuiabá’. Fui, queridamente, recebido no aeroporto pela Irene —
adiante refiro nossa história acadêmica — que
ofereceu-me um jantar com mais de uma dezena de pratos de diferentes peixes
da região. Também provei, pela primeira vez, jacaré. Devo dizer que este não me encantou. Valeu mesmo um
papo ‘de abrir o baú’ de reminiscências com a Irene.
A cidade de Cuiabá está situada na região mais central da América do
Sul, no seu centro geodésico, sendo, assim considerada a cidade do coração da América do Sul.
A determinação geográfica do exato onde se situa o centro geodésico se
deve ao marechal Rondon, que em 1909 com cálculos matemáticos, geográficos e
astronômicos, determinou o Campo d’Ourique — antigo sítio de supliciamento de
escravos —, situado a 15º35’56” de latitude sul e a 56º06’55” de longitude
Oeste, como o centro da América do Sul. Para marcar o ponto foi construído
ainda no ano de 1909 um marco simbólico onde foi gravado as coordenadas
geográficas do local.
Mais tarde foi erguido por sobre o marco original um obelisco de
aproximadamente 20 metros de altura — foto — todo revestido em mármore branco. Este
obelisco foi erigido de forma a preservar o marco original, o qual se encontra
hoje protegido por vidros, sendo plenamente visível.
Já estive
aqui muitas vezes. A primeira vez
foi em 1975, em quando pernoitamos aqui, em transito em um avião da FAB,
procedente de Porto Alegre com destino a Porto Velho, quando participei do
Projeto Rondon. Após isto, a convite da UFMT e de escolas salesianas, talvez
mais de uma dezena de vezes.
Hoje
cumpro uma agenda em dois tempos: primeiro participo da defesa do mestrando
Valdenor Santos Oliveira, que apresenta sua dissertação “Ensino de Ciências na escola do campo em alternância: o caso de uma
escola do município de Terra Nova do Norte, em Mato Grosso” e depois faço
uma palestra: O que é Ciência, afinal? À
tarde começo a partir. Amanhã tenho em Porto Alegre a quinta das sete bancas
previstas para este março.
A orientadora da dissertação desta manhã é a
Profa. Dra. Irene Cristina de Mello e isto para mim é algo singular. Dos 25 mestres e quatro doutores que orientei,
a Irene foi a primeira. Em 13 de dezembro de 1996, ela defendeu a dissertação:
“Contribuições ao ensino da Tabela
Periódica privilegiando a História da Ciência”. O Programa de Pós-Graduação
em Educação na UFMT era incipiente e eu recém-doutor (fiz doutorado depois de
aposentado na UFRGS), ainda não vinculado a nenhum outro Programa de
Pós-Graduação, participava aqui da instituição do Mestrado, com um vínculo
precário, que terminou cindido por razões administrativas. Dos orientandos que
tinha, só a orientadora de hoje, terminou sua dissertação comigo. Mas isto, é muito
para me fazer emocionado com a sessão de hoje.
Adite-se a
isto estar entre meus colegas envolvidos em alfabetização cientifica como a
Profas. Dras. Maria Saleti Ferraz Dias Ferreira e Tânia Maria Lima Beraldo. Por
outro lado, a minha relação com mestrando, que conhecerei pessoalmente hoje, teve
um lance que deve dar um tom diferenciado a sessão. Se referir aqui que se
trata do Sassá, talvez alguns de meus leitores haverão de evocar uma situação
momentosa em dezembro passado.
No
interregno de poucos dias entre duas viagens a Tocantins e depois a Manaus
havia decidido não dar parecer em um calhamaço de mais de setenta páginas.
Assomaram culpas. Revisei-me, e aproveitando voos, espera em aeroportos
e até a hora da diferença de fuso entre Porto Alegre e Cuiabá, cheguei a tempo
com um parecer. Mas, isto é passado.
Antecipo
meu parecer: a dissertação trazida pelo Sassá é excelente. Arguo-me: como um
agricultor, se faz educador comprometido com a realidade desvalida onde nasceu
e se criou? Ele mesmo responde: A escola sempre me trouxe
a possibilidade de libertação e crescimento social, o que constantemente me
levou a reflexão como aluno e professor sobre a educação oferecida a crianças
pobres, especialmente da zona rural.
É por tal que o Sassá se propõe a pesquisar algo
realmente que está produzindo transformações na Escola: a alternância, onde os alunos se revezam ficando uma semana na escola
e outra na sua comunidade (familiar) durante todo o ano letivo.
O Sassá
foi a Escola, conviveu com alunos, entrevistou direção, professores, pais e
alunos focando seu olhar na Área das Ciências da Natureza, Matemática e suas
tecnologias, para entender a trajetória de criação e
funcionamentos do curso técnico em Agroecologia. Ele sabe das histórias da
comunidade de alunas e alunos do 1º ano do ensino médio.
Depois de ler encantado diferentes depoimentos, especialmente os das
mães, eu não saberia dizer se são mais ricas (ou mais produtivas) as semanas que os
alunos passam na escola ou as que passam em casa, pondo em prática o que
aprenderam nas semanas de escola.
Foi muito
significativo conhecer ‘o caso’ de uma escola do município de Terra Nova do
Norte, em Mato Grosso, no Território da Cidadania Portal da Amazônia, distante
650 km de Cuiabá. Lá existe um artefato cultural chamado ‘Escola Estadual Terra
Nova do Norte’dual Terra Nova do Norte’ [na foto sendo reformada por pais e professores], mas também existe, especialmente no imaginário dos pais um mentefato: “A Escola”, mas também existe, especialmente no imaginário dos pais um
mentefato: “A Escola” que opera transformações.
Ainda um
comentário final muito denso: se objeto de investigação do Sassá é socialmente relevante,
ele ganha outra dimensão na realização de uma pesquisa, não apenas comprometida
politicamente, mas por ser, também academicamente rigorosa. Também por isto é
bom estar hoje na UFMT, aqui em Cuiabá, me candidatando a ser professor na ‘Escola
Estadual Terra Nova do Norte’.
Caro Chassot,
ResponderExcluirNada me tocou mais no seu post (e não me considere um insensível) do que saber que você foi um rondonista.
Participei de uma operação deste projeto, aogra reformulado, e é uma experiência que levo comigo pra vida toda. Ver de outras pessoas, exemplos pra mim, que tiveram experiências semelhantes, particularmente colabora para um sentimento de postura (ao menos parcialmeente) comprometida com o país (sem ufanismo desmedido...por favor, hehe)
Caro Chassot,
ResponderExcluirJá que está em Cuiabá aproveite para deliciar-se com Seriguela, que agora está em plena safra e é um fruta deliciosa. Quanto ao Jacaré, abstenha-se, é um animal protegido que não deve ser abatido para consumo comercial. No mais, boa viagem, JAIR.
Caro Mestre Chassot…
ResponderExcluirË um prazer imensurável ler sabias e empolgantes palavras a cerca do meu trabalho de pesquisa, mas confesso que ouvi-las pessoalmente foi ainda mais gratificante. Quanto a ser professor na Escola Estadual Terra Nova seria a realização de um sonho (sonhado por este que lhe escreve) e tenho certeza seria maravilhoso, sendo um pouco difícil a realização do sonho deixo aqui o convite para que o senhor possa visitar nossa escola e certamente contribuir com a nossa proposta de ensino de ciências.
Mestre mais uma vez deixo aqui meus sinceros agradecimentos pelas sabias palavras proferidas no momento da defesa, bem como aquelas escritas no parecer da qualificação, desejo ao senhor mais 51 anos de docência.
Gostaria também de agradecer a minha amiga e orientadora Dra. Irene Cristina Mello a Dra. Maria Saleti pelas sabias palavras e a todos os presentes na minha defesa, o qual considero um dos momentos mais feliz da minha vida.
OBRIGADO QUERIDO MESTRE.
Caro Chassot,
ResponderExcluirainda alimento a vontade de conhecer o Centro-Oeste do nosso país. Agora, com essa descrição de fazes de Cuiabá, fico mais motivado.
Votos de um bom retorno!
Um abraço,
Garin
Caro Attico,
ResponderExcluirnão tive a oportunidade de conhecer Cuiabá ainda, mas quem sabe em um futuro?
Importante para nosso país essa tua jornada de bancas por todo o nosso território. Certamente tornas mais ricas as experiências daqueles que têm o prazer de ter como avaliador em uma banca, pelas contribuições que tua elevada sensibilidade sempre proporciona.
Abraços,
Paulo Marcelo