ANO
8 |
MORREU ROSE MARIE MURARO
1930 — 2014
|
EDIÇÃO
2813
|
Havia pautado falar hoje acerca da Noite das fogueiras. Tenho evocações
desta noite da vigília da festa de São João. Há razões: minha infância e
juventude foi em Montenegro, cujo orago é São João Batista. Véspera de feriado,
kerb e fogueiras marcavam esta noite de 23 de junho. Mas evocações são
preteridas. Na madrugada de domingo uma notícia que nos entristeceu.
Morreu Rose
Marie Muraro — um dos nomes mais
significativos do movimento feminista no Brasil. Certamente foi uma das
escritoras mais importantes no meu aprendizado acerca das discriminações
impostas as mulheres e foi fonte de inspiração muito significativa quando escrevi
o livro A Ciência é masculina? É, sim senhora!
Ela faleceu neste sábado,
aos 83 anos, em consequência de problemas respiratórios. Há cerca de 10 anos era
vítima de câncer na medula óssea e, desde o dia 12 deste mês, estava na CTI do
Hospital São Lucas, em Copacabana. No dia 15, entrou em coma e acabou acometida
por uma infecção. Foto de Márcia Foletto /28-01-1992 em www.oglobo.com
Rose Marie aprendeu desde cedo a lutar
contra as dificuldades, físicas e sociais, com força. Nasceu praticamente cega,
e somente aos 66 anos conseguiu recuperar parcialmente a visão com uma
cirurgia. Estudou Física, foi escritora e editora de livros, assumindo a
responsabilidade por publicações polêmicas e contestadoras.
Em longa carreira como editora, Rose
Marie 1.600 livros na editora Vozes e, mais tarde, na Rosa dos Tempos (filiada
à editora Record). Recordo, particularmente, quando na década de 70, enquanto fui
livreiro em um uma atividade social, mais de uma vez a encontrei na filial da Editora
Vozes de Porto Alegre. Mais de uma vez, então, a ouvi encantado.
Ao longo da vida, escreveu 44 livros —
como "Os seis meses em que fui homem" (1993), "Por que nada
satisfaz as mulheres e os homens não as entendem" (2003) — que venderam
mais de 1 milhão de exemplares. Em 1999, ela contou sua história na
autobiografia "Memórias de uma mulher impossível".
Recordo, de maneira especial, de uma de
suas produções editoriais mais importante: Malleus maleficarum ou O martelo
das feiticeiras. Este livro foi durante quatro séculos o manual
oficial da caça
às bruxas . Foi o documento
que validou a decisão
de levar milhares
de homens e, muito
especialmente , mulheres
à tortura e a morte .
Trata-se de um texto
muito importante
para a busca
de um entendimento
da cultura ocidental ,
especialmente quando
se avalizam genocídios - sob entre outros pretextos
de mulheres copularem com o demônio - quando já era florescente
o Renascimento e se formavam as nações
modernas. Então , se tornam dóceis e submissos os corpos
das mulheres quando
se iniciava a era industrial. Vale referir , que mesmo que Malleus
Maleficarum tenha sido escrito pelos inquisidores em
1484 e abençoado no mesmo ano em bula do Papa Inocêncio 8º, em
seu primeiro ano de pontificado ,
no Brasil é editado nos anos 90. A Editora
Rosa dos Tempos
contemplou a edição brasileira
com uma cuidadosa introdução
histórica de Rose Marie Muraro.
O teólogo Leonardo Boff trabalhou ao
lado de Rose Marie entre os anos 1970 e 1984, na teologia da libertação na
editora Vozes, de onde foram afastados de seus cargos pelo Vaticano. Motivo: a
defesa da teologia da libertação, no caso de Boff e a publicação, por Rose, do
livro Por uma erótica cristã. Para
Boff, Rose Marie estabeleceu inovações analíticas "sem precedentes"
sobre o estudo da mulher. Parte significativa de seus estudos foram reunidos no
livro "Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil"
(1996), considerado um clássico.
“Ela introduziu a questão da classe
social no estudo de gênero, ela foi a primeira mulher a estudar de forma
sistemática a sexualidade da mulher brasileira a partir da situação ou classe
social — diz Boff. — Ela inaugurou esse discurso, nem Freud ou qualquer
analista europeu atingiram esse ponto. Tudo isso foi resultado de uma ampla e
minuciosa pesquisa de campo”.
Juntos, Rose Marie e Boff assinaram, em
2002, o livro "Masculino / Feminino", onde investigaram juntos a relação
entre os gêneros. Boff diz “A Rose elevou a questão do gênero a um novo
patamar, pois não considerava o masculino e o feminino como realidades que se
contrapõem, mas como instâncias fundamentais, onde cada um é completo em si,
mas voltado para o outro, numa relação de reciprocidade e construção conjunta.
E, meio ao lamentar a perda, foi bom, nesta
tarde de domingo, quando se realizava atos de despedida em cemitério no Rio de
Janeiro, manusear alguns livros de Rose Marie Muraro. Esta é uma sentida
homenagem a esta mulher excepcional. Obrigado, Rose Marie, foste importante
para muitos de nós.
Querido companheiro, muito me emocionei com tua profunda e afetuosa homenagem a esta mulher que "fez diferença" no mundo! Também por escritos como o de hoje, muito te quero! Um beijo carregado de admiração. Gelsa
ResponderExcluirRose
ResponderExcluirRose Marie Muraro neste Planeta
Lutou pelas mulheres bravamente
Marcou o mundo com sua caneta
E toda sociedade agora ressente.
Há gente que nasceu para marcar
Pessoas ímpares entre seus pares
Brilham fortemente como luz solar
Contudo se vão apesar do pesares.
Vai Rose pra onde luminares vão
Agora mulheres perderam o farol
Que afastava a tétrica escuridão
Mas com próceres tu estás no rol.
Movimento feminino é tua feição
E fostes um ser humano de escol.
É importante ressaltar que os escritores nunca morrem, permanecem vivos em suas obras formando opiniões e levantando bandeiras. Resta-nos agradecer a vida ter-nos dado a chance da convivência em mesma época com tão brilhante criatura. As mulheres não perderam uma aliada, ganharam vários defensores simpáticos a sua obra.
ResponderExcluirVai-se desta vida uma guerreira, defensora do humano contra as desumanidades para com o gênero feminino. Fica o EXEMPLO, as ideias, suas obras. Rose Marie Muraro finalmente eterniza-se.
ResponderExcluir