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segunda-feira, 14 de abril de 2014

14. — A GUERRA DO FOGO


ANO
 8
www.professorchassot.pro.br

EDIÇÃO
 2743
Nesta segunda-feira, alunas e alunos de Teorias do Desenvolvimento Humano das turmas da manhã e da noite do curso de Licenciatura em Música assistem comigo ao filme “A Guerra do fogo”. Parece ser, quando se deseja conhecer diferentes leituras acerca do desenvolvimento dos humanos,  significativo conhecer nossa gênese.
Esta edição se faz em três movimentos: 1) uma ficha técnica do filme; 2) uma breve sinopse; e 3) comentários formados por três excertos retirados de CHASSOT, Attico.; RIBEIRO, Vândiner. O fogo catalisador de guerras que já são milenares. In: OLIVEIRA, Bernardo Jeferson de. (Org.). História da Ciência no Cinema 2 - O retorno. 1 ed. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2007, v. 2, p. 85-94. ISSN: 9788598885131
1 FICHA TÉCNICA Jean-Jacques Arnaud (diretor, recebendo o “Cesar’ de melhor diretor em 1981) /Roteiro de Anthoni Burgess (La Guerre du feu) Produção França e Canadá // 100 minutos // 1981 // Legendado em Português // Colorido // Com: Everett McGill, Rae Dawn Chong, Ron Perlman, Nameer El Kadi.
2 SINOPSE Um mergulho no tempo em busca da maior conquista da humanidade: o domínio do fogo. Filmado em paisagens da Escócia, Islândia, Canadá e Quênia este belo trabalho de Arnaud recria o mundo como deve ter sido há 80 000 anos. O filme trata de dois grupos de hominídios de tempos imemoráveis: um que cultuava o fogo como algo sobrenatural e outro que dominava a tecnologia de fazer o fogo. Em termos de linguagem, o primeiro não está muito longe dos demais primatas, emitindo gritos e grunhidos quase na totalidade vocálicos. Há outros elementos culturais, como habitações e ritos, que denotam um maior grau de complexidade do segundo grupo com relação ao primeiro. Há um enfrentamento entre as duas tribos e se pode observar o surgimento da necessidade da comunicação.
3 COMENTÁRIOS [...] Quando discutimos acerca da gênesis de nossa história de humanos no Planeta surgem sempre pelo menos duas grandes invenções tidas como aquelas fundantes. As descobertas da roda e da conservação do fogo. A primeira delas é realmente significativa, mas devemos nos dar conta que houve civilizações, os incas, por exemplo, que construíram uma civilização marcada por significativas realizações sem conhecer a roda1.
Mesmo que a descoberta de como conservar o fogo tenha ocorrido em tempos muito remotos, parece que um ancestral nossotalvez, ainda mais próximo do macaco do que de humano – ao experimentar que com uma vara, poderia alcançar um fruto mais alto em uma árvore, fez uma das primeiras descobertas, talvez a primeira. E vale recordar como esta descoberta é ponto de partida não apenas para tornarmo-nos bípedes, deixando de usar as mãos para caminhar, passando a empregá-las para ações de facilitação de conviver com meio natural. Mas esta descoberta desencadeia a produção de uma gama muito grande de ferramentas (talheres, materiais agrícolas...) a partir deste lance genial2.
Realmente, a conservação do fogo foi algo muito significativo na história da construção do conhecimento e sua ocorrência não deve estar muito distante temporalmente do inicio do uso das patas dianteiras, ou melhor, das mãos, para a realização de trabalho, algo decisivo na nossa caracterização como humanos.
[...] Talvez pudéssemos nos atrever e ampliar a afirmação: os filmes nos permitem visitar os eventos ocorridos ou imaginados e também, em muitas situações nos levam a ver o antes inimaginável. Parece que a maioria das cenas que presenciamos em A guerra do fogo não teria sido por nós imaginadas, não fosse o talento e a criatividade de Jean Jacques Arnaud e sua equipe, que depois desse filme foi também o premiado diretor em O nome da Rosa (França, 1986) e Sete anos no Tibet (França, 1997), dois títulos excepcionais na filmografia mundial.
Imaginar – permitimo-nos recordar ao pleno sentido dessa ação verbal: fazer imagenscomo deve ter ocorrido a conservação do fogoem eras imemoráveis, das quais não temos qualquer vestígio de relatos e por isso chamados de tempos pré-históricos – é realmente complexo. Por mais fértil que seja a nossa imaginação, muito provavelmente teremos dificuldades para remontar cenários e vivências ocorridas há mais de oitenta mil de anos antes do presente e conceber nossos ancestrais fazendo descobertas acerca do fogo e sua conservação e também suas propriedades. Quantas descobertas foram feitas e quantos mistérios ficaram (e talvez ainda fiquem) insolúveis.
[...] O filme permite discussões a acerca da construção do conhecimento em tempos remotos, que não muitas vezes é explorado pela sétima arte. Muitos assuntos podem ser levantados a partir de A Guerra do fogo. Uma discussão sobressai: a relação de poder com a tecnologia, neste caso o fogo, revelada basicamente pela detenção do conhecimento. O filme contempla muitas áreas do saber tais como a antropologia, a paleontologia, a biologia, a linguística, a química, a história, dentre outras. Tantas nuances numa mesma obra pode ser um muito atrativo convite a atividades escolares envolventes. Convidamos a experimentar.

[1] O capítulo 5 de A ciência através dos tempos (Chassot, 1994), nas edições a partir de 2004, traz uma leitura de uma Ciência pré-colombiana, tomando os incas com um estudo de caso. Há também análises acerca dos silvícolas brasileiros antes de 1500.
2 Há a necessidade de uma releitura desse parágrafo, quando sabemos que vários macacos ditos "superiores" – como chimpanzés, gorilas e orangotangos – utilizam ferramentas com regularidade, inclusive modificando os materiais originais para servir melhor aos propósitos da tarefa. E, para diminuir ainda mais a brecha entre humanos e símios, recentemente se descobriu que chimpanzés utilizam e modificam pedras criando instrumentos líticos em nada diferentes aos associados aos primeiros hominídeos (i.e. Homo habilis e Homo ergaster). Ver: http://www.sciencenews.org/articles/20020330/fob2.asp acessado em 16 de agosto de 2006.

Um comentário:

  1. Querido mestre!
    A guerra do fogo é um filme clássico nas aulas de diferentes áreas de conhecimento em também diferentes modalidades e níveis de ensino, não é mesmo? O que sobressai, para mim, é justamente essa relação do humano com o conhecimento, que ainda hoje, milênios depois das situações representadas no filme, ainda se dá pelo viés do poder e dominação. Me parece que ao ser humano não é natural ou próximo partilhar o conhecimento. Lhe cai muito bem o deter, possuir, ter exclusividade sobre... Nesse ponto, ainda não cruzamos os portais da pré história. Se externamente, no mundo dos fenômenos, muita coisa mudou, parece que internamente, no mundo subjetivo, continuamos pré históricos. Se não individualmente, pelo menos, coletivamente...

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