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sexta-feira, 11 de abril de 2014

11. — DE HOMENS E CÃES


ANO
 8
BOA VISTA / MANAUS / GUARULHOS / PORTO ALEGRE
EDIÇÃO
 2740

A primeira metade desta sexta-feira é marcada por um desejado retorno. Deixo Boa Vista às 02h40min. Uma hora depois de chegar a Manaus (às 05h) viajo à Guarulhos, aonde chego às 10h, já subtraída uma hora de fuso. Uma hora depois viajo para Porto Alegre, para chegar às 13h, numa viagem de mais de 10h.
A quinta-feira teve uma banca de manhã e à tarde um minicurso de 4 horas, para cerca de 150 participantes, muitos das quais fizeram comoventes depoimentos. Ao final, muitas fotos (para o Face) e autógrafos de muitos livros.
Quando olhamos o nosso cotidiano sempre temos surpresas. Há modismo que nos desconcertam. Quando ouvi a notícia de que a Polícia Federal emite passaporte (gratuito) para cães e gatos estranhei. Causa-me espécie quando vejo clínicas que oferecem sofisticados tratamentos dentários a caninos, quando vejo humanos desdentados pelas cáries.
No último domingo, 06ABR2014, na p. A3 da Folha de S. São Paulo, Dagmar Zibas, 77 anos, pesquisadora aposentada e doutora em Educação pela USP, escreveu um texto que me agrada compartir com meus leitores.
De homens e cães As vantagens da convivência entre homens e cães são conhecidas há milênios. Estudos paleontológicos mostram que o nômade coletor do período paleolítico viajava acompanhado de cachorros, espécie já então extraída do complexo genótipo do lobo. Cães pastores, de guarda, farejadores etc. sempre foram e ainda são preciosos para a sobrevivência e a segurança dos humanos.
Modernamente, conhecemos o conforto psíquico que um cão traz aos donos. A ciência tem corroborado essa constatação da vida social. O reconhecimento dos benefícios dessa convivência e, mais, a condenação universal de maus tratos a qualquer espécie representam um salto civilizatório da humanidade.
Há algumas décadas, no entanto, está em ebulição um caldo cultural que fantasia uma profunda "humanização" do mundo animal. Nesse quadro, tornou-se quase um anátema não trazer para a esfera do real a encantadora tradição disneyana, segundo a qual os animais são portadores de capacidades cognitivas e emocionais iguais ou superiores àquelas dos melhores indivíduos da espécie humana. Nas sociedades ocidentais, esse encantamento revela-se fortemente a respeito dos cães, muitas vezes incorporado de forma integral à rede familiar.
Para atender a ascendente condição canina, serviços e produtos são oferecidos às famílias que alegremente custeiam não só a alimentação específica, o banho semanal em pet shops, as visitas mensais ao veterinário, o guarda-roupa de inverno, os brinquedos, mas também festas de aniversário, creches "humanizadas" (comparáveis a escolinhas infantis) e até joias.
Ao que parece, essa avassaladora "humanização" canina não tem sido objeto de amplos estudos científicos que procurem desvelar as raízes desse fenômeno e suas consequências. É inevitável, porém, que alguns grupos se sintam incomodados pelo que consideram um sério desvio psicológico e social.
Por exemplo, a partir de minha experiência pessoal, pergunto: como não questionar a inconsciência de um adulto que, ao dar pêsames ao vizinho pelo falecimento da mãe, equipara aquele luto filial ao próprio pela recente morte de seu cão? Como não temer as consequências da fala de um amigo que, diante de suas crianças, declara que a morte do Rex é comparável à de um filho? Como não lamentar a corrente de solidariedade que se forma na rua em torno de um cachorro doente, enquanto sua dona –uma mendiga amputada de uma perna e com enorme ferida na outra– é ignorada?
Sim, há histórias comoventes de sacrifício e de profunda dedicação de cães aos humanos. E cachorros não torturam, não corrompem, não roubam. São fiéis à família como o seriam ao chefe de sua matilha e aos companheiros selvagens.
Para aqueles que contrapõem as virtudes caninas aos vícios dos homens a fim de justificar a "humanização" a que submetem seus pets, pergunto: não conhecem humanos que fazem sacrifícios inauditos para o bem de queridos? Pergunto ainda se sabem de algum cão que tenha composto uma sinfonia, escrito um romance, um tratado científico, tenha inventado uma vacina, construído um telescópio, ou se dedicado a minorar a fome na África.
São perguntas ridículas, é óbvio, mas talvez necessárias para chacoalhar um pouco a alienação ampla, robusta e festiva que perigosamente permeia as atuais relações entre os humanos e os cães.

5 comentários:

  1. Sobre fidelidade

    Publiquei um texto “A fidelidade” do qual extraí este trecho: “Sobre as ‘grandes palavras’ do vernáculo como: amor, ódio, esperança, virtude, honestidade, patriotismo etc, sempre podemos encontrar exemplos edificantes na história da humanidade, mas, para fidelidade nada, ninguém, nenhuma coisa, nenhum bicho, nenhum homem encarna tão perfeitamente e com tanta justiça o significado dela como o Cão”.
    É sobre essa virtude canina elevada ao mais alto grau que trata este texto, baseado em notícias de jornais do Oregon da época. Em agosto de 1923, o collie Bobbie perdeu-se de seus donos enquanto estes viajavam por Indiana, EUA. O cão e a família Smith viviam no Oregon, estado situado a distância de 3700 quilômetros. Em fevereiro de 1924, ou seja, quase cinco meses depois, Bobbie pulou na cama onde seu dono dormia e lambeu-lhe alegremente o rosto. Ele estava esquelético, com as patas tão machucadas que era possível ver os ossos através das almofadas, mas sobrevivera. A Sociedade Humanitária do Oregon acabou rastreando, através de testemunhas, a rota percorrida pelo bicho, e descobriu que ele havia viajado quase cinco mil quilômetros para chegar em casa. O cachorro havia cruzado as Montanhas Rochosas, atravessado o rio Missouri e até mesmo dividido um cozido com legumes com um bando de mendigos, na sua saga. Deduziu-se que Bobbie caçava e comia coelhos, - hábito que ele adquiriu quando vivia com seus donos - e conseguiu evitar a morte certa por ter fugido da carrocinha em pelo menos duas cidades. O mais espantoso, é que no decorrer de sua jornada, não seguiu exatamente a rota que seus donos haviam feito, mas, ao invés disso, atravessou territórios que nunca vira antes, e dos quais não possuía conhecimento algum. Acabou sendo homenageado com uma coleira de ouro simbólica pela sua façanha, e nunca mais se separou de sua família.

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  2. Continuando...
    Histórias como esta existem às centenas, quase sempre não comprovadas mas, de qualquer forma, interessantes e com certo mistério a ser resolvido. Como os animais conseguem orientar-se nesses deslocamentos? Há quem acredite que animais, mais que humanos até, possuem uma percepção extra-sensorial. Os mais céticos, como eu, admitem que os animais, sejam domésticos ou não, têm uma capacidade de orientação geral, uma espécie tosca de GPS orgânico que se guia pelo sol ou pelas linhas magnéticas da Terra, do tipo: “desloquei-me para direita donde me encontrava, logo, para voltar, tenho que andar para a esquerda”. Feito isso, o bicho vai, grosso modo, no sentido que deve e, por tentativa e erro, acaba chegando em região conhecida, que, geralmente é onde os cheiros lhes são familiares, daí é só “fazer sintonia fina” e achar o local onde mora. E o que o move, o que determina sua vontade de chegar é a fidelidade que dedica a seu dono.
    Para ilustrar, uma experiência própria: Quando eu tinha uns doze anos, lá na minha Palmeira natal, recebi a incumbência de abandonar um gato de minha mãe que supostamente estava comendo pintinhos de uma vizinha. Essa história de comer pintinhos não estava bem contada porque o gato gostava mesmo de camundongos, e degustava também lagartixas e até cobras de pequeno porte que encontrava pelas redondezas. Não obstante, lá fui eu, com uma caixa de papelão na garupa da bicicleta onde havia colocado o assustado bichano. Pedalei até onde estava sendo construída uma estrada nos arredores da cidade e, considerando que estava “longe” de casa, soltei o animalzinho. Ele escafedeu-se, ganhou umas moitas de guanxuma ali perto e sumiu, não mais o vi. De volta para casa, pedalando calmamente, fui informar que havia cumprido a missão. Ao chegar, para espanto de todos, lá estava o gato alegre e cheio de saúde lambendo-se todo, sem aparentar qualquer trauma ou desconforto. Pela esperteza, o bicho deixou de ser punido novamente e, para felicidade de todos, não mais almoçou os pintinhos. Provavelmente o meu “longe” era apenas o quintal da casa do felino, daí ele ter voltado com tanta facilidade. Neste caso, a fidelidade do animal seria apenas ao lugar no qual encontrava abrigo e alimento e não a seus donos. JAIR, Floripa, 28/03/10.

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  3. Sobre livros e cães

    Certa vez quando eu tinha doze ou treze anos e cursava o antigo Ginasial, estava absorto lendo um livro na biblioteca quando minha professora de português, Maria Jamur, - a qual nunca desperdiçava uma única palavra, jamais jogava conversa fora – aproximou-se assim como não querendo nada, mas, olhando-me nos olhos com uma intensidade desconcertante, e, com uma reverência que eu a julgava incapaz de manifestar, falou-me algo que ficou gravado em minha mente e que , ainda hoje, continuo lembrando como se tivesse acabado de ouvir.
    “Embora se espere que os livros possam mudar ao longo dos tempos (futurologia? os livros eletrônicos de hoje parecem corroborar essa previsão), assim como as pessoas também o fazem, a diferença está em que, as pessoas sempre se afastam quando percebem que não podem obter nenhuma vantagem, interação positiva, prazer, interesse ou pelo menos um momento aprazível em nossa companhia, um livro nunca nos abandona. Nós com certeza vamos abandoná-lo, algumas vezes por muitos anos, ou até para sempre talvez. Mas eles, os livros, mesmo traídos ou maltratados, nunca vão nos dar as costas: vão continuar esperando por nós silenciosos e humildes nas prateleiras ou nos cantos e porões onde foram deixados. E eles nos esperam por dezenas de anos, só sua destruição por traças, umidade ou fogo, impedirá que eles estejam à nossa espera. Não se queixam e não se cansam. Até que um dia qualquer, quando nós precisamos de um deles, quando sentimos necessidade de folhear suas páginas silenciosas e sábias, mesmo que seja numa noite chuvosa ou num dia frio, ou mesmo que seja um livro velho e maltratado que tenhamos jogado num canto sem qualquer cuidado, e que tenha ficado esquecido por muitos anos, ele não vai decepcionar-nos – descerá da prateleira poeirenta ou sairá de seu canto úmido e bolorento e virá conviver conosco como se nada tivesse acontecido. Não fará cobranças, não inventará desculpas e não perguntará se vale a pena, se ele nos merece, se nós o merecemos, se nós temos ainda algo a ver com ele, ou se tem algo a ver conosco, mas virá às nossas mãos no momento que nós quisermos, jamais fugirá ou nos trairá”.
    Hoje, refletindo sobre isso, descobri porque gosto igualmente de cães e livros. Livros e cachorros são as duas faces da mesma moeda, a moeda da fidelidade. JAIR, Floripa, 24/09/11.

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  4. Mestre Chassot foi de suma importancia sua vinda em Boa Vista RR nesse dia 10/04/14. pois trouxestes a curiosidade em nossas vidas. o querer saber mais sobre a filosofia. a quimica. e a fisica. a principio quando me convidaram, imaginei, poxa essa palestra vai ser chata e cansativa, vou dormir bastante. mais não foi isso o que aconteceu. Eu simplesmente,me apaixonei pelos seus conhecimentos., essa palestra foi e sera inesquecivel. quando vier a Boa vista RR, nos avise, iremos com muito carinho e abertos pra novos conhecimentos. Obrigado
    me Chamo Francinaira Lima, aluna do curso ciências contabeis na UERR, e fomos convidados pelo professor de metodologia do trabalho cientifico- Mestre Bruno Muniz.

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  5. Recordei-me de ter presenciado a trinta anos atrás um grande bate-boca entre dois colegas de trabalho exatamente pelo comentário infeliz de um deles que se dizia entendedor da dor do colega que perdera na época o pai, disse o beócio que também sofrera muito em tempo próximo pela morte de seu cão. Tivemos um ministro que disse que cachorro é também ser humano e faz parte da família...

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