ANO
8 |
Porto Alegre / Santo Ângelo
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EDIÇÃO
2551
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Quando esta
esperada edição entrar em circulação eu já terei quase vencido os cerca de 500
quilômetros que separam Porto Alegre de Santo Ângelo. Nesta manhã realizo uma palestra
para docentes vinculados a 14ª Coordenadoria Regional de Educação. Cumpro agora,
não sem emoção, o anunciado na edição de ontem.
Narrei aqui, na edição de 19 de setembro, o excepcional privilégio
que acaso me ofereceu (um religioso diria como Jacques Maritain, ‘que Deus rege
o mistério dos encontros’) de conviver no deslocamento Goiânia/Anápolis e
depois algumas horas no encontro no IF-GO, com André Lucio Franceschini Sarria,
um químico de produtos naturais, especialista em ‘comunicação entre plantas’
algo que para mim era desconhecido.
Ter estado com o André Sarria, retornando de pós-doutorado
no Reino Unido, valeu a viagem a Goiás. Fiquei encantado com que ouvi. O Tite,
como é conhecido pelos que lhe são próximos, concordou em falar um pouco mais
com os leitores deste blogue.
1. — André, poderias fazer um breve relato acerca de tuas
pesquisas.
Meu projeto de pós-doutorado foi sobre voláteis emitidos
por plantas quando em situação de estresse. Explico: Ao passo que animais podem
se proteger, plantas permanecem no mesmo local, não importando quão
desfavorável as condições ambientais podem ser, durante o processo
evolucionário as plantas adquiriram uma sofisticada estratégia defensiva para
“perceber” os ataques de patógenos e insetos, traduzindo essa percepção em uma
resposta. Um exemplo simples Quando uma planta ao ser atacada por algum inseto
ela precisa se defender contra este ataque, mas de que maneira ela se
autodefende? O primeiro sinal de defesa é a emissão para a atmosfera de
voláteis, substâncias orgânicas de baixo peso molecular que são carreados pelo
vento, estes voláteis muitas vezes funcionam como moléculas de comunicação.
Primeiramente é para comunicar a sua vizinha de que algo está errado, a planta
vizinha capta este sinal e o traduz em uma série de reações em cadeia onde são
ativados enzimas de resistência; o metabolismo da planta passa a ser focado em
um determinado ponto. Assim a planta vizinha fica “preparada” para um possível
ataque. O segundo sinal observado é que estes sinais também podem atrair
predadores ao local do ataque muitas vezes estes insetos são predadores da
praga que está atacando a planta. Um mecanismo muito sofisticado a meu ver.
2. — Já há alguma descoberta na área de
‘comunicação entre plantas’ que poderias ilustrar para nossos leitores?
Existem muitos exemplos, um deles é do professor Ariel
Novoplansky de Israel, ele conseguiu provar, com um experimento bem simples,
que plantas avisam sua vizinha quando algo não vai bem. Ele colocou 150 vasos
enfileirados e a cada dois vasos ele acrescentava uma planta (metade da raiz
ficava em um vaso e a outra metade em outro vaso) dessa maneira todas as
plantas estavam ligadas entre si. No primeiro vaso (e somente neste) ele
acrescentou uma substância que fez com que seus estômatos se fechassem e o que
foi fascinante é que após um período de uma metade de hora as 150 plantas
estavam com seus estômatos fechados. A primeira planta foi estressada passou um
sinal pela raiz para outra planta e assim sucessivamente uma a uma todas
fecharam seus estômatos. Isto também prova a necessidade que as plantas possuem
de preservar seu DNA, pois se a minha vizinha está doente, muito provavelmente
eu vá sofrer também então elas se auto preservam.
Um exemplo que observei na Inglaterra (no período que fiz
meu estágio de pós-doutorado) foi sobre a lagarta do milho. Esta lagarta é uma
praga que causa prejuízos em plantações, a “boca” da lagarta possui secreções e
ao comer as folhas esta secreção entra em contato com a folha do milho. O
efeito observado é que o milho passou a liberar uma substância para a
atmosfera, e esta substância é um atrativo para vespas (os predadores naturais
da lagarta). Hoje sabe qual substância é produzida pela saliva da lagarta, ela se
chama volicitina e experimentos mostraram o mesmo comportamento quando se
aplica volicitina sintética. Este é um dos exemplos, mas existem vários. Um
deles que me atrai são os chamados aleloquímicos, isto é, a capacidade que uma
planta tem de inibir a germinação de uma planta invasora (talvez em psicologia
isso possa ser chamado de egoísmo), neste caso a planta desenvolveu uma maneira
de biossintetizar substâncias como uma forma de sobreviver. Vamos a um exemplo:
suponhamos que uma planta de tamanho pequeno necessite de luz solar, mas
furtivamente começou a nascer cerca a si uma espécie de planta de tamanho maior
e com grandes folhagens “roubando o seu sol”, esta planta pequena é capaz de
liberar para as raízes substâncias que inibem o crescimento da sua vizinha e
dessa maneira seu banho de sol estará garantido. Isso é o chamado de alelopatia
e um pesquisador renomado nesta linha de pesquisa é o professor Macias, da
universidade de Cádiz na Espanha.
3.— Agora
a pergunta clássica: Qual é a aplicação destas pesquisas?
Esta é uma pergunta muito importante e bem pertinente,
estamos hoje com 7 bilhões de habitantes no mundo e como iremos alimentar toda
essa gente? como fornecer alimentos saudáveis a tantas pessoas? Hoje utilizamos
agroquímicos para controlar insetos e outras pragas agrícolas. Contaminamos
rios, animais e todo o globo sofre com isso. Conhecendo a comunicação de
plantas podemos propor protótipos moleculares 100% naturais com a opção de
aumentar a produção de alimentos. Um exemplo são os aleloquímicos, a planta nos
fornece um “molde molecular” onde químicos sintéticos podem produzir esta
molécula e assim pode ser aplicado na agricultura como um herbicida 100%
confiável. Isso é o que me fascina: “ouvir” e “anotar” aquilo que a planta está
“dizendo” para nosso próprio benefício. Usar os voláteis de plantas também é um
método seguro e eficiente contra pragas agrícolas, atraindo predadores e ao
mesmo tempo polinizadores.
4.—Agora,
retornado ao Brasil, quais teus planos? Há expectativas se concretizando?
Emociono-me quando falo sobre isso, mas quando estava na
Inglaterra fiz uma entrevista de emprego para uma empresa farmacêutica e ali
mesmo (por Skype) fui contratado, chegando ao Brasil fui até a empresa onde uma
pesquisadora me apresentou o trabalho, ali eu iria liderar uma equipe de
P&D (pesquisa e desenvolvimento), teria um bom salário, além de seguro de
vida e odontológico, um emprego dos sonhos de muita gente, uma garantia de
tranquilidade financeira.
Voltando da empresa, no caminho para casa, pensei muito, passei a noite em claro. Trabalhar ali não me deixaria feliz e que seguramente eu estava indo ao caminho da frustação. Descobri que minha paixão era levar conhecimento às pessoas, levar ciências às pessoas, fazer com que crianças, jovens, adultos, alunos e universitários ficassem de olhos brilhando diante da maravilha que é a ciência, da paixão que é descobrir coisas e da ternura que é saber que estamos fazendo parte de um todo no mundo. Em detalhes o que me deixaria verdadeiramente satisfeito com a vida seria me tornar professor, e decidi isso, agora estou prestando concurso e buscando alguma bolsa de pós-doutorado (até ser contratado por alguma instituição de ensino/pesquisa).
Voltando da empresa, no caminho para casa, pensei muito, passei a noite em claro. Trabalhar ali não me deixaria feliz e que seguramente eu estava indo ao caminho da frustação. Descobri que minha paixão era levar conhecimento às pessoas, levar ciências às pessoas, fazer com que crianças, jovens, adultos, alunos e universitários ficassem de olhos brilhando diante da maravilha que é a ciência, da paixão que é descobrir coisas e da ternura que é saber que estamos fazendo parte de um todo no mundo. Em detalhes o que me deixaria verdadeiramente satisfeito com a vida seria me tornar professor, e decidi isso, agora estou prestando concurso e buscando alguma bolsa de pós-doutorado (até ser contratado por alguma instituição de ensino/pesquisa).
Tite, muito obrigado e um pedido: brinde mais
vezes a todos nós com teus estudos que nos maravilham e surpreendem. Amanhã
voltamos a conversar trazendo uma questão acerca de um livro clássico (A vida
secreta das plantas).
As duas fotos que ilustram esta edição foram
tomadas em Anápolis. A primeira foi quando autografei para o Tite meu livro “A
ciência através dos tempos”. Na segunda eu o flagrei quando preparava um café
coado em uma cafeteria de Anápolis.
Ainda um
aviso:
Quem souber uma Universidade que deseje ter o André Sarriá como pesquisador e
professor, escreva para andresarria@yahoo.com.br
Mestre Chassot!
ResponderExcluirRealmente maravilhoso o fazer ciência do prof. Dr. Sarriá. Estivesse eu na pró-Reitoria de Pesquisa de uma universidade brasileira não mediria esforços para contornar entraves para levar essa preciosidade para ensinar e pesquisar na minha instituição.
Mais um abnegado idealista a seguir tão nobre carreira, ao mesmo tempo tão injustiçada em nosso país. Aconselho o jovem cientista a não aceitar vaga para lecionar no Rio de Janeiro, aqui os professores costumam ser espancados pela polÍcia...
ResponderExcluirMeu querido companheiro, quando se encontra um jovem como o desta entrevista, se pode acreditar que há, sim, possibilidades de um futuro melhor para a humanidade! Obrigada por fazeres de teu blog um espaço para esses sonhos! Fica muita torcida para que o André possa encontrar uma instituição que compreenda o valor de seu trabalho!
ResponderExcluirLimerique
ResponderExcluirDistraído, pelo jardim andando
Sem pensar no como, no quando
Ouço um sussurro leve
Quem será? quem se atreve?
Surpresa! eram rosas conversando.
Limerique
ResponderExcluirEsquisito, que conversa é essa
Que ouço aqui pertinho à beça?
Murmúrios escondidos
Que vêm aos meus ouvidos?
É flor que a seu par faz promessa!
Obrigado a todos os leitores e ao Professor e Mestre Attico, estou lisonjeado pelo carinho.
ResponderExcluirProfessor Chassot e Professor Sarriá,
ResponderExcluirvocês dois hoje fizeram uma das mais significativas edições de um blogue.
Cumprimentos a um e outro,
Laurus Loureiro Lima