Ano
7*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2227
O nosso terceiro
dia do tríduo kuhniano se inicia com o saboroso registro de agenda. Esta manhã,
na qualidade de autor homenageado da Feira do Livro do Colégio São Lucas da
Ulbra, em Sapucaia do Sul, tenho encontro com alunos que trabalharam o livro A Ciência é masculina? É, sim senhora! Sou
muito grato ao Professor Guy Barcellos pelo convite.
A seguir a
parte final do texto Thomas Kuhn: o
homem que mudou a forma pela qual o mundo vê a ciência acenando
para a supimpa sugestão de John Naughton no parágrafo final.
TEORIA DA REFUTAÇÃO Como ilustração,
veja o retrato de Kuhn sobre a ciência "normal". O filósofo da
ciência mais influente em 1962 era Karl Popper, descrito por Hacking como
"o mais lido, e em certa medida crido, pelos cientistas praticantes".
Popper resumia a essência do "método científico" no título de um de
seus livros, "Conjecturas e Refutações". De acordo com ele,
cientistas reais (em oposição a, digamos, psicanalistas) eram distinguíveis
pelo fato de que tentavam refutar, e não confirmar, suas teorias. Mas a versão
de Kuhn sugeria que a última coisa que os cientistas normais querem fazer é
refutar as teorias incorporadas ao seu paradigma.
Muita gente
também se irritou com a descrição da maior parte das atividades científicas por
Kuhn como "solução de enigmas" — como se os mais sérios esforços de
busca de conhecimento pela humanidade fossem equivalentes a resolver as
palavras cruzadas do "Times". Mas esses críticos na verdade estavam
sendo exageradamente sensíveis. Um enigma é algo para o que existe uma solução.
Isso não significa que encontrá-la é fácil ou que não exigirá grande
engenhosidade e esforço prolongado. A busca absurdamente dispendiosa pelo bóson
de Higgs, que recentemente atingiu resultados positivos no Cern, serve como
exemplo primordial de solução de enigmas, porque a existência da partícula foi
prevista pelo paradigma vigente, o chamado "modelo padrão" da física
de partículas.
Mas o que
realmente incomodou os filósofos foi uma implicação do relato de Kuhn quanto ao
processo de mudança de paradigma. Ele argumentou que os paradigmas concorrentes
eram "incomensuráveis", ou seja, que não existia maneira objetiva de
avaliar seus méritos relativos. Não existe, por exemplo, uma maneira de testar
os méritos comparativos da mecânica newtoniana (que se aplica a planetas e
bolas de bilhar, mas não ao que acontece dentro do átomo) e da mecânica
quântica (que trata do que acontece em nível subatômico). Mas se os paradigmas
rivais forem de fato incomensuráveis, será que isso não implicaria que as
revoluções científicas, ao menos em parte, têm bases irracionais? E se for esse
o caso, as mudanças de paradigmas que celebramos como grandes avanços
intelectuais não seriam apenas uma manifestação de surtos de psicologia de
rebanho?
SUBCULTURA DA CIÊNCIA O livro de
Kuhn gerou toda uma indústria de comentários, interpretações e exegeses. Sua
ênfase na importância de comunidades de cientistas agrupadas em torno de um
paradigma compartilhado deu origem a uma nova disciplina acadêmica — a
sociologia da ciência, na qual os pesquisadores passaram a examinar disciplinas
científicas mais ou menos como antropólogos examinam tribos exóticas, e a para
a qual a ciência não é um produto sagrado e intocável do Iluminismo, mas só
mais uma subcultura.
Quanto à sua
grande ideia — a de um "paradigma" como estrutura intelectual que
torna a pesquisa possível —, bem, ela rapidamente escapou da reserva e ganhou
vida própria. Charlatães, marqueteiros e professores de administração de
empresas a adotaram como forma de explicar a necessidade de mudanças radicais na
visão de mundo de seus clientes. E os cientistas sociais viram a adoção do
paradigma como uma rota para a respeitabilidade e as verbas de pesquisa, o que
por sua vez resultou na emergência de paradigmas patológicos em áreas como a
Economia, sob os quais o domínio da matemática era visto como mais importante
do que saber de que maneira um banco realmente trabalha, e todos precisamos
arcar com as consequências disso, agora.
A ideia mais
intrigante, porém, é a de usar o pensamento de Kuhn para interpretar sua
realização. Ao seu modo discreto, ele causou uma revolução conceitual ao criar
uma mudança em nossa compreensão da ciência, do paradigma whig para o paradigma
de Kuhn, e boa parte daquilo que hoje é feito na história e filosofia da
ciência pode ser encarado como ciência "normal" sob o novo paradigma.
Mas as anomalias já começam a se acumular. Kuhn, como Popper, acreditava que a
ciência girasse principalmente em torno de teorias, mas uma vanguarda
científica cada vez mais forte usa pesquisas baseadas não em teorias, mas em
dados. E embora a Física fosse indubitavelmente a rainha das ciências quando
"A Estrutura das Revoluções Científicas" foi escrito, esse papel agora
foi assumido pela genética molecular e pela biotecnologia. Será que a análise
de Kuhn se aplica a essas novas áreas científicas? E, se não, será que é hora
de uma mudança de paradigma?
Enquanto isso,
se você está compilando uma lista de livros que precisa ler antes de morrer, a
obra-prima de Kuhn deveria constar dela.
Diz a filosofia Rosacruz que as idéias estão todas no ar, eventualmente as pensamos, mas nem todos agem e as colocam em prática. Certamente Kuhn, como Steven Jobs, Newton e muitos outros são estes seres que realmente tem aquela grande "sacada" e as aproveitam.
ResponderExcluirFoi muito proveitoso o tríduo.
Abraços
Antonio Jorge
Limerique
ResponderExcluirNa ciência há um caminho somente?
Apenas aquele que o cientista sente?
Não, existe mais que um
Provou-o Thomas Kuhn
Outro paradigma mostrou prá gente.
Limerique
ResponderExcluirPor experimentação prática
Ciência recusa ser estática
Quase sempre se renova
E muitas teorias prova
Porque jamais será dogmática.
Mestre Chassot. Vim através do Blog agradecer por sua presença e sua palestra na feira do Livro do Colégio São Lucas hoje pela manhã. Onde nos contou um pouco sobre o seu livro e seus conhecimentos. É muito bom ver que existem pessoas como o senhor para nos ajudar a entender melhor o mundo!
ResponderExcluirOtávio Souza, o futuro Aviador!
Muito estimado Otávio Paz,
ResponderExcluir— tens um xará Nobel de Literatura —
obrigado por tua manifestação acerca de nossa fruída manhã de hoje.
O blogue de amanhã relatará a mensagem recebida de vocês
Repito meus sinceros votos que com a Ciência alces voos memoráveis.
A estima e a admiração do
attico chassot
Chassot,
ResponderExcluirobrigado pela tua imensa generosidade em estar conosco nesta manhã.
Foi memorável.
Abraço muito afetuoso,
Guy.