Esta edição dominical descumpre pelo menos uma das características das
domingueiras. Há mais de seis anos estas sabem ser curtas e leves.
Ontem, nas companhias queridas de minha mulher e de minha sogra,
armei-me de destemor e fui assistir Amor.
As resenhas que havia lido deixavam-me apreensivo. Recordo o quanto fui mexido
com o duplo suicídio do filósofo André Gorz, em 2007, aos 84 anos, e Dorine,
sua esposa, que estava condenada à morte por uma doença incurável.
AMOR (Amour) - Georges e Anne formam um casal de professores de música aposentados. O casal vive
uma rotina pacata e afetuosa em seu apartamento em Paris até o dia em que Anne
tem um problema de saúde e entra em um acelerado processo de decadência física
e mental, levando Georges a dedicar-se integralmente à saúde da companheira.
Em um dado
momento, Georges e Anne chegam a um impasse: ela quer morrer, ele quer que ela
viva. Poucas vezes o cinema de ficção fez um retrato tão duro e tão seco da
velhice — aqui, não cabem eufemismos como "melhor idade". E,
justamente por pintá-la com tintas tão realistas, cada ato dos personagens — um
passo ou uma colherada — se torna mais excruciante e comovente.
DIREÇÃO: Michael Haneke
PRODUÇÃO: França/ Alemanha / Áustria, 2012
DURAÇÃO: 2h 7min - CLASSIFICAÇÃO: 14 anos
GÊNERO: Drama - Legendado AVALIAÇÃO: ótimo
Entre as
muitas críticas publicadas na mídia nacional e internacional, escolhi
transcrever excertos dos comentários do diretor de Amor, o consagrado
Michael Haneke, e dos atores Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant,
personagens centrais do filme, extraídos de: http://www.bemparana.com.br/noticia/243481/filme-amor-enfoca-desafios-da-velhice
O filme comove o mundo ao dar vida a uma idosa
que sofre e divide a decadência da velhice com o marido. “Para mim, foi uma
grande honra filmar com Michael. Não importam os prêmios, importa que é
impossível recusar um convite dele. E que fizemos tudo que era possível para
contar esta história com dignidade e amor”, disse a atriz, em conversa com a
reportagem, em Cannes, logo após o longa receber a Palma de Ouro.
O júri de
Cannes não deu a Palma a Emmanuelle, mas não ignorou sua contribuição ao filme.
“Determinante para a vitória de Amor foi a contribuição dos atores. São eles
que dão vida a este drama tão duro e terno ao mesmo tempo", declarou Nanni
Moretti, presidente do júri ao anunciar o prêmio. Haneke concordou e dedicou o
prêmio a seus atores, “sem os quais o filme não seria possível”, e à sua
mulher. Quando questionado se oferecer a Palma à esposa seria mais uma forma de
afirmar o valor dado à união entre duas pessoas, a mesma que se revela em seu
filme, respondeu: “Não foi uma dedicatória exatamente. Foi o cumprimento de uma
promessa entre duas pessoas. E também a promessa de não fugir à essência do
filme. A história que eu conto é uma forma estética de ver esta promessa de
amor”, afirmou o diretor. “Para mim, este é um filme amor, seja qual a forma em
que ele se manifesta”, continuou Haneke. Esta forma é, no mínimo, controversa.
Assim como o amor também pode ser violento. “Você é tão doce. E é um monstro,
às vezes”, diz Anne, a personagem de Emmanuelle, em determinado momento ao
marido Georges (Trintignant). “É esta dualidade, esta humanidade entre os dois,
que está em todos nós, que seduz nesta história. É sobre um drama que todos nós
vivemos ou vamos viver. Todos temos um mal, uma doença, uma fragilidade. Como
lidamos com elas é que nos faz diferentes”, declarou a atriz. É esta liberdade
de ação dos personagens, e de interpretação por parte do espectador, a maior
força de Amor. “E é assim que tem de ser. Livre. Na vida e no cinema.
Fiz o filme de
forma muito aberta, para que o espectador tivesse a opção de interpretá-lo. Se
dou a minha opinião, limito o público”, completou Haneke. A interpretação surge
quando o espectador se vê participando da rotina desse casal de idosos
parisiense, em que o marido tem de passar a cuidar quase como de uma criança da
mulher, após ela sofrer um AVC e ter parte dos movimentos paralisada. “Ela, que
sempre foi uma pianista elegante e fleumática, apesar de carinhosa e mãe
atenciosa, vê-se diante da decadência, do medo de sujar a reputação e a imagem
do marido ao se revelar tão frágil e dependente. Há drama mais íntimo e, ao
mesmo tempo, maior que este?”, comentou Emmanuelle. Estrela de clássicos como
Hiroshima mon Amour, que Alain Resnais filmou em 1959, a atriz diz saber de
cátedra que a juventude é efêmera. “Acho que devemos encarar a velhice, e a
presença da morte que ela traz muitas vezes, com alegria e não com tristeza.
Eu, que vivo meus 86 anos, me pergunto sobre como lidar com a perda da
dignidade, a dependência de outro, as dores. E como viver o amor nessas condições?”
Diz o ditado que não existe amor, apenas provas de amor. E é isso que
Jean-Louis Trintignant oferece neste belo filme. “Devemos dar o exemplo. Ele é
duro, e cuidadoso. É humano”, disse o ator. Para Trintignant, este é um filme
poético. “Mas é a poesia em seu estado mais simples. É também como um romance
contado de uma forma nova. Não há considerações psicológicas muito complexas
sobre os personagens, mas sim uma história contada com honestidade, como ela de
fato foi”, afirmou. “Não é a idade dos personagens que importa, mas como vivem
o drama. Envelhecer, e por vezes adoecer, faz parte da vida. Cabe a nós
escolher como vamos encarar a experiência. Temos de tentar ser felizes. Nem que
seja só para servir de exemplo.”
Eu achei o
filme dolorosamente lindo. Fiquei muito mexido, tanto que faço aqui algo pouco
usual neste blogue: falar de filmes, até porque desta dita sétima arte há
excelentes blogues especializados. A Gelsa — que queridamente fez a seleção dos
excertos acima —, se comoveu e aplaudiu aquele que em breve disputará o Oscar
de melhor filme estrangeiro. A Liba, que com seus 91 anos tem expertise em
cinema, foi entre nós a que mais se encantou com esta produção de Michael Haneke,
de quem há muito é entusiasmada apreciadora.
O amor, alimento inesgotável dos poetas, nutre o imaginário e certamente sempre será o ingrediente necessário para obras de sucesso. A terceira idade inspira compaixão. A mistura disso tudo com certeza deve ter culminado em uma obra imperdível.
ResponderExcluirabraços
Antonio Jorge
Adorei a indicação, professor!
ResponderExcluirVou procurar pra assistir.Abraços,
Marilisa
Limerique
ResponderExcluirUm dia quando chega a velhice
Sem que o indivíduo sentisse
A vida não é pior
Tampouco o é o amor
Só desaparece a pieguice.
Limerique
ResponderExcluirPorque um dia alguém me disse
Que quando despontar a velhice
A vida perde a cor
Desaparece o amor
Mas na verdade isso é estultice.
Prezado Professor,
ResponderExcluirAcabei de conseguir o vídeo, certamente a sua dica se mostrará interessante, isso já conteceu diversas vezes comigo.Obrigado.
Geziel Moura