Mesmo
sendo hoje a primeira segunda-feira de 2013, parece que já vamos nos
acostumando com o ritmo do novo ano. Agora, o ano já nem parece tão novo, tanto
que nele já fizemos.
Ações
em busca da eliminação (ou pelo menos: diminuição) de preconceitos marcados
pelas questões de gênero são muito presentes neste blogue. Certamente
acompanhamos revoltados a situação na Índia, relacionada com estupros, presente
nos noticiários dos últimos dias. Merece destaque a campanha “NÃO AO
ESTUPRO***2013*** NO RAPE.
A
Folha de S. Paulo publicou neste domingo, na P. A 17, um depoimento da
jornalista Florência Costa, que viveu durante seis anos na Índia e é autora de
"Os Indianos" (Contexto, 2012). Ela narra que naquele país o pôr do
sol é toque de recolher das mulheres. Ela mostra que regras para evitar estupro
incluem não usar roupa chamativa e chegar cedo em casa. Pela oportunidade e
lucidez, ofereço a meus leitores a íntegra do depoimento.
O
país que deu ao mundo o primeiro manual sexual, o Kamasutra, e que reverencia a
energia feminina — a deusa Shakti — vive hoje uma revolução de costumes. Duas
Índias — a nova e a antiga— se chocam diariamente.
Nos
últimos dias, o mundo tem visto esse embate, com protestos gigantescos após o
estupro coletivo dentro de um ônibus e a tortura que resultou na morte de uma
jovem de 23 anos em Nova Déli.
A
mulher indiana está no olho do furacão dessa disputa em uma das sociedades mais
patriarcais do mundo. Há quase meio século, a Índia recebia a sua primeira
governante mulher: Indira Gandhi assumiu o cargo de primeira-ministra em 1966.
Mas isso não impediu as mulheres de continuarem sendo cerceadas. Até hoje elas
lutam para ter o mesmo direito ao espaço público que os homens tem.
Voltar
para casa antes do anoitecer é um mantra ouvido por milhões de indianas todos
os dias. O pôr do sol é o primeiro aviso desse "toque de recolher".
Se a mulher não obedecer e acontecer algo, ela pediu. A culpa é sempre da
mulher. Nunca do homem.
As
grandes empresas indianas que queiram ter funcionárias mulheres devem abrir os
cofres. A lei obriga as empresas a colocar um carro com motorista a disposição
das funcionárias após as 22h.
Nos
seis anos em que vivi na Índia -de 2006 a 2012-, cansei de ler nos jornais
notícias dessas agressões, em geral, estupro em gangue, como chamam os
indianos.
Eu
mesma, e muitas outras estrangeiras que conheci por lá, tomava cuidados
especiais para evitar o assédio: evitava roupas chamativas e não andar de noite
sozinha, pelo menos em Déli, onde o problema é mais grave. Na avalanche de
comentários sobre o estupro no ônibus, muitos se perguntavam por que ela andava
na rua de noite.
Há
poucos meses, um político chegou a culpar o macarrão chinês cada vez mais
consumido no país por aumentar a libido dos indianos.
O
irônico é que mesmo na Índia moderna todos os tipos de violência contra a
mulher permanecem latentes. Segundo o Departamento Nacional de Crimes, ligado
ao governo, houve um aumento de 7% em crimes contra a mulher entre 2010 e 2011.
Alguns casos mobilizaram a opinião pública. Em 2008, jornais e televisões
estampavam que em Mumbai duas garotas foram atacadas e assediadas sexualmente
por uma multidão em numa festa de Réveillon na rua.
Há
alguns meses, a maior democracia do mundo parou para debater o caso de
humilhação pública de uma moça que cometeu o erro de curtir uma noite em um
bar.
Ela
foi arrastada pelos cabelos e humilhada por 18 homens durante 45 minutos na
frente de uma câmera de televisão em uma cidade no nordeste da Índia.
Enquanto
rasgava a sua roupa, a gangue masculina sorria para a lente do cinegrafista com
orgulho.
O
grande nó da questão é a apatia da Justiça e do governo nos casos de violência
contra a mulher. Os homens não temem a polícia -que costumam acusar as mulheres
sempre que acontece algo. Em uma sociedade patriarcal, meninos valem mais do
que meninas. Mães se legitimam dentro de suas famílias ao darem à luz um menino
e caem em desgraça quando nasce uma menina.
Que
bom que dessa vez os indianos -muitos homens entre eles- foram às ruas
protestar. Não foi um protesto só contra o estupro, mas contra a aceitação
sutil da punição a mulheres que "ousam" ignorar "o toque de
recolher" não oficial. Enquanto os conservadores culpam a influência
ocidental por tudo de ruim que acontece com as mulheres, a nova Índia grita
cada vez mais alto.
Caro Attico,
ResponderExcluiré condenável que ainda vivenciemos um mundo em que a vítima é tida como culpada por "incitar" as ações criminosas e hostis à vida e à dignidade pessoal.
A Avaaz organiza uma campanha sobre o caso. Todos podem colaborar assinando o manifesto disponível em:
http://www.avaaz.org/po/end_indias_war_on_women/?slideshow
Grande abraço,
PAULO MARCELO
Apesar de toda e qualquer manifestação para dirimir este problema seja válida, na maioria das vezes as palavras estão apenas na boca, muito longe do coração. O preconceito contra a mulher tem a idade da humanidade. Mesmo em sociedades tidas como liberais, como a nossa, o homem namorador é o "garanhão", a mulher namoradora é a "vadia". E por aí vão se descortinando situações várias que não caberiam em uma "Barsa".
ResponderExcluirabraços
Antonio Jorge
Limerique
ResponderExcluirNa Índia as filhas de Vênus não têm vez
Em geral, são vítimas da estupidez
Não podem sair sozinhas
Porque mentes mesquinhas
As veem como presas fáceis da cupidez.
Querido Chassot,
ResponderExcluirnão sabia desta calamidade. Estou chocado... Mas o que mais incomoda é pensar que a solução não parece estar perto
de aparecer... Estes traços culturais são difíceis de serem erradicados, ainda mais na Índia... É um meme que, pelo visto,
se reproduz facilmente e possui grande estabilidade...
Abraços horrorizados,
Guy