Ano 6 *** Mendoza *** Edição 1997
Às
sextas-feiras, já há quatro semanas, os leitores deste blogue têm aqui um
correspondente internacional privilegiado. Depois de julho termos crônicas das
Ilhas Mauritius, no inverno do hemisfério Norte o Prof. Guy B. Barcelos tem-nos
brindado semanalmente com suas memórias estadunidenses.
Hoje,
antecipo-me ao texto que nos chega desde Atlanta para aditar algo do meu diário
de viagem, que desde domingo venho contando aqui. Como anunciei ontem, nesta
quinta-feira fizemos a viagem de Santiago a Mendoza.
Deixamos
emocionados a capital chilena ouvindo, por mais de meia hora, o Abraão,
motorista que nos levou do hotel ao terminal rodoviário, contando como o golpe
militar destruiu física e psicologicamente seu pai e por extensão sua família.
Parece que no Chile quase cada família, ainda, sabe dor daquele trágico 11 de
setembro de 1973.
A
viagem de Santiago a Mendoza durou sete horas para percorrer 370 quilômetros. Quase
uma hora foi gasta na Aduana integrada, próximo ao imponente Aconcágua, que nas
aulas de geografia nos diziam ser o teto do mundo. Na aduana, primeiro se
formaliza a saída do Chile e depois se registra o ingresso na Argentina.
Teria
muito a contar. O cenário é impactante. Mostro algumas fotos. Tiramos 86, todas
com ônibus em movimento e através do vidro. Estávamos no andar superior, nas poltronas da primeira fila. Como a paisagem é impactante pela esterilidade das montanhas, tivemos dificuldades em fazer uma seleção. Uma delas demonstra um dos muitos caracóis que
passamos em íngreme ascensão com imensos caminhas circulando nos dois sentidos em pistas quase sempre sem acostamento. Outra foto mostra a armação de chuva de granizo, que
chegou a trincar o vidro do ônibus.
Um
registro muito especial: tivemos o privilégio de ter nesta viagem a parceria da
Loreto, uma cientista chilena, de família de professores universitários exilados na Venezuela, que pesquisa a Química atmosférica no Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas em Caracas. Foram papos
muito agradáveis que deverão continuar na visita a vindimas que faremos hoje.
Agora
com a palavra o professor Guy, com uma crônica em dois tempos.
No Reino de Netuno 2 + Passeio com Euterpe
Nesta quarta-feira tive o prazer e o
privilégio de nadar no Georgia Aquarium no
programa Swiming/Diving with the Gentle
Giants, disponível aos visitantes interessados mediante marcação com
antecedência. Nas duas primeiras vezes em que visitei o aquário (2010 e 2011)
não tive coragem de atirar-me aos tubarões, desta vez, depois de algumas
mergulhadas no Índico tomei coragem. No meu caso sempre mergulho com snorquel,
não utilizo garrafa nem vou ao fundo, para isto é necessário possuir uma
habilitação.
Antes
do mergulho fui levado à casa de máquinas do aquário, um espaço com de quase
1000m2 onde ficam 60 imensas bombas. O coração do gigante não
poderia ser pequeno. Também estive no hospital veterinário, onde são tratados
animais feridos e doentes, possui emergência e salas de cirurgia. No caminho
passei pelo centro de análises de água, onde químicos fazem pesquisas sobre a
qualidade da água das piscinas buscando produzi-la cada vez mais semelhante à
do mar. Recebi uma breve instrução de dois mergulhadores, fui para o a piscina
central, na parte superior do aquário e no vestiário coloquei (com certa
dificuldade) a roupa de mergulho. O divemaster
me aguardava junto de dois mergulhadores-cinegrafistas, que produziram um ótimo
vídeo do mergulho (usarei em minhas aulas!) e a mergulhadora de segurança, que
felizmente não precisou fazer nada. Até a aproximação, a ponto de encostar a
cauda, de um tubarão-baleia, conhecido por sua simpatia à mergulhadores, em nós
não inspirou nenhum sentimento que não admiração e fascínio.
Estar
durante 40 minutos nadando com quatro tubarões baleia, quatro raias-manta e
inúmeros cardumes chegando aos milhares foi uma das experiências mais
fantásticas que já tive. Talvez se assemelhe à sensação de conhecer outro
planeta. O nadar leve, lembrando um vôo, das raias-manta; a flutuação serena e
majestática dos tubarões-baleia; a coreografia dos Trevallies dourados; a intimidade da garoupa e do peixe-limpador (Labroides
dimidiatus), que removia restos de comida de seus dentes, entrando pela
boca e saindo pelo opérculo e a magia de cores que se converte em música na
mente de quem olha serão visões que irei carregar em minha memória por muito
tempo. Foi assistir de camarote à sinfonia de formas que os genes compuseram
para se eternizarem neste planeta, ao longo de bilhões de anos de evolução.
Nesta
linda aventura lembrei-me do musical da Disney que assisti em minha infância
“Bedknobs and Broomsticks”, quando Angela Lansbury e David Thomlinson cantam e
dançam em um baile nas profundezas do mar: Bobbing along on the bottom of the
beautiful briny sea!
Ver no link: http://www.youtube.com/watch?v=RcQ3vNOAk8k
Vale um comentário sobre as proezas
musicais de Atlanta, daí o passeio com a musa da música Euterpe. Na quinta
passada fui ao concerto da sonora Atlanta Symphony Orchestra, sempre muito
afinada nos metais e com som homogêneo, alto volume e muita afinação. Tocaram a
inspirada abertura da ópera Fidelio, de Beethoven. Mesmo sendo espetacular me
frustro com aberturas de óperas, fico com vontade de ouvir a ópera inteira...
Fui surpreendido pela presença de um imenso coro formado somente por cantores
afro-americanos (Spelman and Morehouse Glee Clubs). Cantaram a música
tradicional “Elijah Rock” a capella,
especial elogio às sopranos, que produziram lindos vocalizes com muita brilho
no registro agudo. Vi muitas pessoas emocionadas ao fim desta música cantada
com alma pelas excelentes vozes. Seguido desta cantaram uma parte (movimento
IV) do Réquiem Alemão de Brahms.
O concerto deste dia era chamado de
“King Celebration Concert” em homenagem ao pastor protestante e líder do
movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA, nascido em Atlanta em 15 de
janeiro de 1929 e assassinado em Memphis em 4 de abril de 1968. Por esta razão
a orquestra tocou a obra “New Morning of the World” de Joseph Scwantner, com a
narração de trechos importantes dos discursos do Dr. King pelo prefeito de
Atlanta Sr. Kasim Reed. Discursos muito bonitos e significativos e música, na
minha opinião, chata, pesada e monótona. Me desagrada a música incidental, o
único momento que me agradou foi o final quando a orquestra tocou um trecho
muito heroico em fortíssimo e culminou com a fala “I have a dream”. Opiniões à
parte, foi uma linda homenagem à quem tentou e perdeu a vida lutando por um
mundo mais justo e com igualdade entre etnias.
O grande momento foi o segundo ato
quando o violoncelista popstar Yo-Yo Ma – razão da casa lotada – entrou ao
palco e tocou sorrindo e com grande virtuosismo o “Concerto em lá menor para
Cello e orquestra, Opus 104 (1895)” do tcheco Antonín Dvorák. Muito melódico e
emocionante, o tema do movimento Finale:
Allegro moderato lembra, em alguns momentos, a fúria incendiária do
movimento Allegro con fuoco da nona
sinfonia do mesmo Dvorák. O solista foi aplaudido de pé por dez minutos.
Euterpe mais uma vez alimentou nossos ouvidos e nossas almas com a música e
provou o que disse Nietzsche: “Sem música a vida seria um erro”.
Ver mais no link:
http://www.youtube.com/watch?v=IZFqlQhAMuw&feature=related
Votos
de uma muito boa sexta-feira desde Mendoza que passa ser a 25ª cidade dos 15
países de onde este blogue foi editado. Amanhã conto um pouco sobre esta terra
do vinho.
Caro Chassot,
ResponderExcluiressas crônicas de viajores sempre enriquecem a cultura do leitor. É bom "ver" coisas e experiências com olhes de outros, seus olhares sempre serão diferentes do nosso. Abraços, JAIR.
Caro Chassot,
ResponderExcluirontem li o teu blog, mas o computador através do qual acessei não me permitiu comentar. Faço destaque às belíssimas paisagens que compartilhaste conosco imaginando as outras tantas que capturaste do céu da América, a verdadeira.
Um abraço. Garin