Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br ***
Edição 1984
Sábado é dia de
dica de leitura aqui. Nos dois anteriores, 24 e 31, enxertei-me no recesso
natalino e trouxe duas edições festivas: uma,
memórias de um menino que não sabia cantar ‘Noite feliz’; outra, acerca do desconhecido são Silvestre. Estou lendo “O cemitério
de Praga”. Só não desisti pela imensa admiração que tenho pelo autor: Umberto
Eco. Os personagens (necessariamente, não o autor) são por demais
preconceituosos e racistas. Como é livro massudo, desaconselhado para ler numa
rede — 480 página — a resenha pretendida para hoje, ficará postergada para dia
14.
(Foto da TV Cultura) Na segunda-feira,
dia 2, assisti ao ‘Roda Vida’, dos melhores programas da TV brasileira. O
entrevistado era Amós Oz, um dos escritores por quem tenho predileção muito
especial. As duas mensagens que mais passaram na entrevista foram a de Paz e a de
sermos curiosos. Talvez, além dele e eu termos nascido no mesmo ano, estejam aí
duas identificações.
Dentre
os livros de Amós Oz, o mais citado no Roda Viva (que fora gravada em
08NOV2011) foi De amor e trevas
do qual escrevi em 2006 uma resenha para o “Leia
Livros” — um excelente sítio que era mantido pela Secretaria de Cultura de
São Paulo — que. Aqui e agora, reavivo (a resenha; lamentavelmente, não o
sítio). Antecipo meu entusiasmo pelo livro.
Em De
amor e trevas, um
romance autobiográfico, Amós Oz nos leva a conviver por cerca de 60 anos em
Jerusalém para acompanharmos sua infância de menino pobre, a juventude como
kibutzinik e a maturidade como um dos mais renomados escritores em hebraico.
OZ, Amós.
De amor e trevas [Original hebraico: Sipour Al Ahava Vehoshekh.
Tradução e glossário: Milton Lando] São Paulo: Companhia
das Letras , 2005, 617p. ISBN
85-359-0647-9; R$ 76,50.
Amós Klausner nasceu em Jerusalém em 1939. Como
menino judeu acompanhou as dores de seu povo no Holocausto, particularmente na
Polônia, terra natal de sua mãe; depois o cerco de Jerusalém em 1948, antes de
o exército britânico se retirar da região para surgir o Estado de Israel. Aos
doze anos perdeu a mãe, numa situação dolorosa que permeia, repetidamente por
centenas de páginas e, na radicalidade da perda troca de sobrenome para Oz (que em hebraico significa
‘coragem’). Viveu em um kibutz, onde descobre
o amor, primeiro com uma professora de quem podia ser filho – já havia sido
perdidamente apaixonado por sua professora da segunda série do ensino
fundamental –, e depois com a filha do bibliotecário – profissão de seu pai –
que se tornará sua esposa e mãe de seus filhos.
Há, atualmente, sobejas discussões acerca dos limites da ficção
e da realidade nos escritos.
Não trago, aqui e agora interpretações, de que o real não existe e de que tudo
seja ficção. Mesmo que “De
amor e trevas” seja um
romance, assim colocado como ficção, o texto é auto-biográfico pois o autor nos
passas suas experiências no fazer-se escritor convivendo com pais que falavam
cada um mais de uma dezena de línguas, com um tio que era a época um dos
maiores intelectuais e com escritor (Shai Agnon) que seria laureado com o Nobel
de literatura em 1966. Mas, mais que autobiográfico, o romance é acerca de uma
saga familiar, pois conhecemos muito sobre os avós maternos e paternos –
imigrantes vindo para ajudar a formar Israel – e suas origens na Polônia e na
Rússia, para onde também voamos na imaginação fértil e na memória privilegiada
de Amós.
Ler um livro como este, até pelas suas múltiplas idas e vindas,
já que é um texto acronológico, nos obriga a estar preparados a aceitar que,
muito constantemente, surjam recordações vindas do escuro aterro do passado – e
Amós Oz catalisa para que elas penetrem fortes no presente do leitor –.
Permito-me apenas um exemplo, quando Oz afirma, na página 29, que o desperdício é imoral, ao trazer algo do
cotidiano de sua casa:
Mesmo quando não aconteciam interrupções de energia, vivíamos
sempre sob uma luz desmaiada, pois era preciso economizar: meus pais trocavam
as lâmpadas de quarenta watts por outras de vinte e cinco. Não só pelo preço,
mas porque a luz intensa é sinal de desperdício, e o desperdício é imoral.
[...] Papai trabalhava em sua máquina de escrever até as duas da madrugada em
uma lâmpada anêmica de 25 watts. Estragava os olhos, mas usar uma lâmpada mais
potente não ficaria bem, pois os pioneiros nos kibutzim da Galiléia passavam
noites a fio em barracas, escrevendo seus livros de poesias, ou seus tratados
filosóficos, à luz bruxuleante de velas sob o vento. Como ignorar isso? Ficar
aí refestelado feito um Rothschild, sob a luz feérica de uma lâmpada de 40
watts? [...] Enquanto eu acendia a luz do banheiro com uma das mãos, com a
outra apagava a do corredor para não desperdiçar eletricidade. Puxava com muita
parcimônia a correntinha da caixa de descarga, pois não se deve gastar uma
caixa inteira, só para um xixi. Havia outras necessidades (não as nomeávamos)
que justificariam, em alguns casos uma caixa d’água completa. Mas para xixi? Um
caixa inteira? Enquanto os pioneiros no Neguev regavam as mudinhas com a água
usada para escovar os dentes? E, ao sair do banheiro a mão esquerda apagava
enquanto a mão direita acendia a luz do corredor, pois [...] tínhamos a
obrigação de poupar.
De amor e trevas tem no Brasil uma muito bem cuidada edição pela Companhia das
Letras. A editora, talvez pela extensão da obra, teve que optar por uma elevada
densidade de letras por páginas, que torna o livro nem sempre fácil de ler. Do
autor já foram editados, pela mesma editora: Conhecer uma mulher (1992), Fima
(1996) Não diga noite (1997), Pantera no porão (1999), O mesmo mar (2001), A caixa preta (2001) – que resenhei neste janeiro de 2006 no Leia Livros – Meu Michel (2002). De algumas destas obras Amós Oz nos conta suas
histórias no correr de suas densas memórias. [Acrescento nesta reedição: De repente nas profundezas do bosque
(2007), Uma certa Paz (2010) e o Monte do mau conselho (lançado quando de
sua ultima estada do Brasil)].
É prenhe entusiasmo que convido aos leitores e às leitoras deste
blogue a entregar-se a curtição das
histórias deste prendado escritor israelense. Elas têm muito De amor e trevas e nos trazem gostosas
reminiscências da última metade do século vinte, afinal, todos os leitores
desta resenha são homens e mulheres do século passado e assim vamos embalar
preciosas recordações.
Caro Chassot,
ResponderExcluiré muito interessante esse cuidado do personagem com a economia das coisas mais simples do dia-a-dia. Essa imagem me fez recordar o tempo que crescido no campo, no qual a água era carregada da sanga em latões: cada gota era preciosa. Outro aspecto é a motivação porque economiza: um respeito pelos outros que não têm.
Um abraço,
Garin
Bom dia meu querido !
ResponderExcluirQue honra receber visita de um intelectual do seu nível ...fiquei meia sem as pernas,rsrsrsrsrs.O Leonel é um ser humano muito querido e amado pelos blogueiros.Viu como ele eleva as pessoas,ao ponto de unir ...isso é muito bom e valioso para o nosso ego.Quero te dizer que não sou nem a metade do que ele descreveu sobre minha pessoa,mas vou trabalhar muito em cima disso para ver se atingo pelo menos a metade,ai já fica de bom tamanho ,não achas?
Meu querido deixo meu anjo de guarda para ficar juntinho do seu para ver se ganho esse amigo tbm para mim,rsrsrsrsr
bjs de agradecimento pelo carinho que dedicastes no meu cantinho !
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaro Chassot,
ResponderExcluirLi esse há alguns meses, mas é sempre edificante olhar através dos olhos de outro leitor privilegiado assim como tu. Nunca lemos o mesmo livro duas vezes, ainda que traga o mesmo título, o mesmo autor e até seja a mesma edição e tomo, assim, tua leitura, para mim, é um complemento precioso. Abraços, JAIR
Quando terminei de ler De amor e trevas, não conseguia parar de chorar. Já faz algumas semanas, mas o sabor desse livro ainda está impregnado em mim. Não é um sabor doce ou amargo , mas uma mistura assim como a vida real. Amós Oz, prazer em conhecê-lo!
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