Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br ***
Edição 1982
"Mais grave ainda que a fome aguda e
total, devido às suas repercussões sociais e econômicas, é o fenômeno da fome
crônica ou parcial, que corrói silenciosamente inúmeras populações do
mundo"
Josué de Castro (1908-1973)
Esta
edição foi sugerida na semana passada por conterrâneo ilustre de um dos
pernambucanos mais respeitados que Recife emprestou para o Planeta. O Professor
Paulo Marcelo Pontes, quando das discussões acerca dos ‘feitos’ de Madre Teresa
de Calcutá, na edição de quinta-feira, dia 5, propôs uma edição acerca de Josué
de Castro.
Acolho
a proposta do Paulo Marcelo e na esteira da mesma refiro um acontecimento
correlato que ocorreu em Roma na semana passada: A posse do novo diretor-geral
da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) de
José Graziano, ex-ministro de Segurança Alimentar do governo de Luiz Inácio
Lula da Silva. O brasileiro vai priorizar o combate à fome na África. A conexão
é natural, não apenas porque Josué de Castro é no Brasil o nome que associamos
sempre à segurança alimentar e também porque ele ocupou Presidência do Conselho Executivo da FAO
e foi Embaixador do Brasil junto a ONU, para assuntos correlatos à fome.
Acredito que muitos brasileiros mais
jovens desconheçam, que um dos estadistas mais importantes do século 20, que
recebeu da Academia de Ciências Políticas dos Estados Unidos o Prêmio Franklin
D. Roosevelt, o Conselho Mundial da Paz lhe ofereceu o Prêmio Internacional da
Paz e o governo francês o condecorou como Oficial da Legião de Honra e que
partindo de sua experiência pessoal no Nordeste brasileiro, publicou uma
extensa obra que inclui: Geografia da
fome, Geopolítica da fome, Sete palmos de terra e um caixão, Homens e
caranguejos, logo após o Golpe de Estado de 1964, teve seus direitos
políticos suspensos pela ditadura militar, em seu primeiro Ato Institucional.
Penso
que este parágrafo sintetiza de maneira insofismável a homenagem que Paulo
Marcelo propôs. Não conheço outro nome que se possa dizer teve reconhecimento e
castigo como o de Josué Apolônio de Castro (Recife, 5 de setembro de 1908 -
Paris, 24 de setembro de 1973).
Ele
foi um influente médico, nutrólogo, professor, geógrafo, cientista social,
político, escritor, ativista brasileiro que dedicou sua vida ao combate à fome.
Destacou-se no cenário brasileiro e internacional, não só pelos seus trabalhos
ecológicos sobre o problema da fome no mundo, mas também no plano político em
vários organismos internacionais.
Com a ajuda da Wikipédia [que oferece dados mais extensos] adito
mais algumas informações: Apesar do interesse inicial pela
psiquiatria, resolveu fazer nutrição e abriu sua clínica em Recife. Na mesma
época, contratado por uma fábrica para examinar trabalhadores com problemas de
saúde indefinidos e acusados de indolência, diagnosticou: “sei o que meus
clientes têm. Mas não posso curá-los porque sou médico e não diretor daqui. A
doença desta gente é fome”. Logo
foi demitido da fábrica. Vislumbrou então a dimensão social da doença, ocultada
por preconceitos raciais e climáticos.
Efetuou um inquérito pioneiro no Brasil, relacionando a
produtividade com a alimentação do trabalhador, uma das bases para a posterior
formulação do salário mínimo, e passou a chefiar uma comissão de estudos das
condições de vida dos operários brasileiros. Como professor, ensinava Fisiologia e Geografia
Humana.
Casado com sua ex-aluna Glauce,
mudou-se para o Rio de Janeiro em 1935. Após um período de dificuldades, passou
a ensinar Antropologia. Recorreu ao método geográfico para apresentar o mapa
das regiões alimentares em A
alimentação brasileira à luz da Geografia Humana. Entre outros contos,
crônicas, ensaios, estudos sociais e biológicos, publicou O ciclo do caranguejo, conto
sobre os mangues de sua cidade natal.
A partir de 1940, participou de todos
os projetos governamentais ligados à alimentação, coordenando a implantação dos
primeiros restaurantes populares, dirigindo as pesquisas do Instituto de
Tecnologia Alimentar e
colaborando para a execução de várias políticas públicas, como a educação
alimentar. Sob sua direção foi lançado o periódico Arquivos Brasileiros de Nutrologia.
O ano de 1946 foi marcado pela
publicação de Geografia da
fome. Obra clássica da
ciência brasileira, o livro buscou tirar da obscuridade o quadro trágico da
fome no país. Enfatizou as origens sócio-econômicas da tragédia e denunciou as
explicações deterministas que naturalizavam este quadro.
No mesmo ano, fundou e tornou-se o
primeiro diretor do Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil. Efetivou-se como professor de
Geografia Humana em 1947, na Universidade do Brasil (atual UFRJ). A Conferência da FAO de 1948 registrou
o início de sua participação neste órgão internacional.
Geopolítica da fome, livro publicado em 1951, concebido como uma extensão da Geografia da fome, tornou-se um
marco histórico e político nas questões de alimentação e população. Os
princípios ecológicos e geográficos foram desta vez utilizados na escala da
fome mundial. Posicionou-se em oposição às interpretações demográficas que
entendiam a fome como consequência de excesso populacional e prescreviam um
massivo controle de natalidade. Cuidou de “desnaturalizar” a fome mais uma vez
e demonstrou os vários fatores biológicos, geográficos, culturais e políticos
pelos quais a fome gera a superpopulação.
Respeitado internacionalmente, foi
eleito, por representantes de setenta países, Presidente do Conselho Executivo
da FAO, cargo que exerceu entre 1952 e 1956. Enfrentou forte oposição dos
países desenvolvidos à execução de projetos voltados ao desenvolvimento do
terceiro mundo e não deixou de expressar sua frustração com a “ação tímida e
vacilante” da agência das Nações Unidas, apesar da alta qualificação de seus experts e técnicos.
Exerceu dois mandatos como Deputado
Federal eleito pelo Estado de Pernambuco. Entre diversos projetos ligados a
questões agrárias, educacionais, culturais e econômicas, apresentou o de
regulamentação da profissão de nutricionista, que dispõe sobre o ensino
superior de Nutrição e o projeto
para a reforma agrária, entendida
como “um processo de revisão das relações jurídicas e econômicas entre os que
detêm a propriedade rural e os que nela trabalham”. Com seus pronunciamentos,
deixou registrados relevantes acontecimentos históricos, assim como a defesa
contra abusos da imprensa quando, em várias ocasiões, dá vazão a interesses
subservientes.
Em 1963, tornou-se Embaixador
brasileiro junto à sede europeia da Organização das Nações Unidas, em Genebra.
Era então uma personalidade de projeção internacional, convidado por reis e
chefes de Estado, capaz de atrair uma plateia de 3.500 pessoas na cidade de
Rouen, interior da França.
O que acontece em 1964, sabemos:
cassado no Ato Institucional No. 1. Morre nove anos depois (1973) em Paris,
algumas horas depois de outro latino-americano insigne: Pablo Neruda. Pode-se
ver nas reproduções ao lado repercussões na imprensa internacional evocando as
duas grandes perdas.
Tenho em relação ao homenageado de hoje um orgulho especial:
Minha vinculação com o Instituto de Educação Josué de Castro, mantido pelo
Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária do MST, em Veranópolis no Rio Grande do Sul. Quando tenho aulas no
ITerra/IEJC é a imagem de um herói pioneiro da segurança alimentar e seus
escritos que me acolhem e catalisam meu ser professor.
Obrigado muito querido recifense Paulo Marcelo! pela oportuna
lembrança de olharmos o nosso passado. E aqui a discordância formal a uma rede
de comunicação do sul do Brasil que apregoa que olhar o passado envelhece as
pessoas. Acerca disto voltarei.
Querido Chassot,
ResponderExcluirobrigado por trazer a biografia do Josué de Castro. Coincidentemente, hoje (em Recife ainda não viramos o dia, já que não temos horário de verão) estive em um manguezal, com os caranguejos cavador e aratu, e fiz a constatação que parte da vegetação está sendo derrubada para a construção de casas ou alimento a fogões rústicos. Apesar do acontecido ocorrer em uma zona de preservação ambiental, não sei se algo é feito.
Abraços desde a RM de Recife;
PAULO MARCELO
Teremos também postagem sobre o Neruda?
ResponderExcluirAbraços,
PAULO MARCELO
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaro Chassot,
ResponderExcluirparece que estás recebendo provocações importantes. Até que o Neruda poderia ser tema de alguma resenha, não?
Observo que também tematizaste hoje, como eu, o nome de alguém que não se conformava ao status quo de seu tempo e buscou a indisciplina feyerabemdiana para viver e denunciar.
Um abraço,
Garin
Caro Chassot,
ResponderExcluirMuitas vezes neste País do Carnaval as ideologias se põem acima dos ideais, de modo que grandes homens com Josué de Castro são eliminados da história por que seus verbos políticos não se conjugam em consonância com aqueles que detém o poder no momento. Lamentável. Abraços, JAIR.
Caro Chassot,
ResponderExcluirinteressante notar essa questão do "estar fora de seu temo", que é tão rotineiramente utilizada àqueles e àquelas que se destacam por um pensamento e ação diferenciados das demais pessoas de sua época.
Essas rupturas atitudinais, na minha opinião, mais do que estar fora de seu tempo, iniciam novos tempos.
Abraços,
PAULO MARCELO