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sexta-feira, 8 de julho de 2011

08.- Túmulo de Descartes: uma busca bem sucedida

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1800

Minha primeira evocação neste 8 de julho é a passagem de 24 anos da morte de meu pai. Ele na próxima segunda-feira estaria de aniversário. Estas datas são momentos significativos muito relevantes.

Para os que apreciam números redondos: este blogue que dia 30 completará cinco anos, tem hoje um número cheio memorável: 1800 edições.

Lembrei de frase que li quando laborava em outras searas. Parece que foi Jacques Maritain [(*1882, Paris, †1973, Toulouse) filósofo católico cujas obras influenciaram a ideologia da Democracia cristã] que me ensinou, então, ‘que Deus rege o mistério dos encontros’. Mas também se atribui a Einstein: ‘Deus não joga dados’. Assim, abandono divagações e vou à raiz.

Há uma semana, estando em Niterói, uma professora que não conhecia, ao cumprimentar-me, diz: ‘Meu marido queria ter vindo à palestra, mas tem aula hoje à noite. Mandou-lhe um presente!’ Recebo surpreso e encantado um livro com uma dedicatória de meu amigo e colega Renato José de Oliveira. Há muito nos fizéramos silentes um com o outro.

Pois o reencontro catalisado por Sueli frutificou. Renato e eu trocamos quase diariamente, nesta semana, despretensiosas mensagens. Evocamos tempos que éramos professores de Química, depois quando 1998 organizamos “Ciência, ética e cultura na educação” livro que reuniu 12 autores e igual número de pré-leitores, transmutados em apresentadores. A obra teve relativo sucesso que exigiu reedições. Comentamos o quanto um pouco mais de dez anos faz diferença em relação às condições que tivéramos então para a produção do ‘verdinho’ como era carinhosamente chamada nossa produção.

Em uma das mensagens, evocávamos a morte de René Descartes (1596-1650) na Suécia,

contei que em março do ano passado, encontrara a casa onde ele morara em Estocolmo. O Renato narrou, então, a busca da sepultura do Filósofo em uma igreja de Paris: Perguntei a uma dessas beatas que fazem serviços religiosos na igrejas: "você pode me indicar onde está o túmulo de Descartes?" E ela respondeu: "Pardon, Monsieur. Qui est-ce? Un père?" "Non, Madame, il fût un philosophe..."

Gostei das recordações. Disse que valeria a pena ele trazer algo de seu xará para os leitores deste blogue. O Renato não se fez de rogado e escreveu um texto para brindarmos com os leitores deste blogue a segunda das cinco sextas-feiras julinas.

Espero que curtam a produção de Renato José de Oliveira, que possui graduação em Engenharia Química pela UFRJ (1982), graduação em Licenciatura em Química UERJ (1984), mestrado em Educação pela Fundação Getúlio Vargas - RJ (1990) e doutorado em Educação pela PUC RJ (1996). Atualmente é professor Associado II da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coordenador do Grupo de Pesquisas sobre a Ética na Educação (GPEE) e pesquisador do Observatório da Laicidade do Estado (OLÉ). Suas principais áreas de atuação são Filosofia da Educação e Currículo, atuando principalmente nos seguintes temas: relações entre ética, laicidade, argumentação e educação, análise retórica do discurso e questões epistemológicas da educação.

A convite do meu querido amigo Chassot, com quem não vagava e divagava pelo ciberespaço há muito tempo, ocupo seu blogue para compartilhar com vocês uma história. Se “um conto vale um ponto”, espero fazer jus à pontuação com esse breve relato. Inicialmente, peço a paciência de vocês para “situar a questão”, vício incorrigível de todo professor.

Leciono Filosofia da Educação na Faculdade de Educação da UFRJ, tanto para os alunos de graduação quanto para os de pós-graduação. Quando abordo o tema “modernidade”, sempre faço referências a Descartes, não porque seja adepto de seu pensamento filosófico, mas porque reconheço sua importância para a filosofia e para as ciências. Ele é, portanto, o personagem desse breve relato.

Sabemos que apesar de católico declarado, Descartes não era bem visto pela Igreja de Roma, pois suas teses contrariavam as de Aristóteles, que à época funcionavam como espécie de “seguro social e político” do papado.

Quis o destino que Descartes, após ter aceito o convite da rainha Cristina, da Suécia, para ser o seu preceptor, chegasse a Estocolmo muito gripado em outubro de 1649. Alguns biógrafos sustentam que não chegou a iniciar suas atividades letivas, enquanto outros afirmam que ministrou algumas aulas à rainha, mesmo sem o consentimento dos médicos. O fato é que a gripe se agravou, dando origem a uma pneumonia que o vitimou em 2 de fevereiro de 1650.

A rainha teve a iniciativa de enterrá-lo com grandes honras, no principal templo da cidade, mas o embaixador francês recusou a oferta. Descartes foi então enterrado em um cemitério reservado a estrangeiros, órfãos e pagãos. Ele que nascera fora do catolicismo, fora ‘convertido à igreja romana’ por obra de sua babá. Logo, não sendo luterano não poderia ser sepultado no cemitério onde se enterravam aqueles que nasceram e foram batizados na igreja do rei: a luterana. Ainda recentemente na Suécia, todas as crianças ao nascer eram luteranas, por definição.

Os restos mortais do (quase) preceptor da rainha foram transladados para a França em 1667 e, desde 1819, estão na Igreja de Saint Germain des Près, em Paris.

Quando estive na “cidade luz” em 2006, senti-me compelido a prestar alguma homenagem a esse homem cujas ideias comento a cada semestre letivo.

Chegando à simpática igreja, perguntei a uma beata onde ficava o túmulo de

Descartes. Ela, circunspecta como os franceses sabem ser quando lidam com estrangeiros, respondeu-me com outra pergunta: quem foi ele, senhor? Um padre? balancei a cabeça indicando que não e disse-lhe que tinha sido um filósofo, passando a perceber então que teria que encontrar a sepultura por minha conta e risco.

Não sem alguma dificuldade, encontrei-a. Uma lápide simples, incrustada em uma parede, com inscrições quase apagadas que apenas mencionam o nome e as datas de nascimento e morte. Muito pouco para quem militou pela clareza das ideias na construção do conhecimento, mas certamente não refletiu sobre quão obscuros podem ser os homens.

14 comentários:

  1. Ave Chassot,

    gostei muito da crônica de hoje.

    Quando li lembrei também que Mozart foi enterrado em uma vala comum fora dos muros de Viena, como um indigente. Tanto devemos a estes ícones e no entanto morreram sem honra... e devendo.

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  2. Ola Mestre Chassot
    Semanas repletas de atividades essas minhas ultimas, me impedindo o comparecimento ao teu blog para servir-me de tuas preciosas contribuições. Recentemente, falando a alunos dos cursos técnicos de segurança do trabalho, onde abordava a importância da Revolução Industrial para suas profissoes, fiz algumas ponderações a respeito de Descartes e suas idéais. Inicialmente não percebi, mas ao finalizar minha fala, notei o quanto me utilizei da vertente chassotiana como fonte. Cada acesso ao teu blog me faz um pouco mais conhecedor destes construtores das idéias de nossa sociedade e seus mentefatos. Abraços e Bom Final de Semana.

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  3. Meu caro Guy,
    ainda recentemente igrejas negavam ofícios religiosos e lugar no ‘campo santo’ a suicidas. Mulheres que morressem de parto, por não ter feito a ‘purificação pós-parto’ não podiam ser sepultadas em cemitério cristão.
    Agradecimentos pelo comentário mozartiano postado na madrugada produtiva e abençoada hipocrisia de igrejas
    attico chassot

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  4. Meu estimado Jairo,
    quando vi tão longa ausência em teus comentários aqui inferi corretamente que estava assoberbado em avaliações de final de semestre.
    A Descartes podemos creditar um dos mais modernos aparatos tecnológicos: o GPS.
    Obrigado por teu retorno aqui
    attico chassot

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  5. Bom dia, caro amigo.

    Após um desjejum frugal, próprio dos monges às sextas-feiras, acessei o seu blog e o parabenizo pela edição da matéria. Admiro sua capacidade de diagramar, compondo blocos de textos e fotos. Eu, um semianalfabeto digital, tento mexer com esses recursos, mas como diz um ex-diretor da Faculdade de Educação, que tive a honra de suceder de julho de 2006 a dezembro de 2008, cada recurso novo que aprendo em informática exige-me dispensar um pré-socrático de meus bancos de memória... Como prezo muito os pré-socráticos, meus progressos de aprendizagem na informática são muito lentos...

    Gde abraço

    Renato

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  6. Meu caro Renato,
    deixa estas vilezas informáticas aos que não conseguem se abeberar dos filósofos. Que bom que ainda há aqueles que recordam que dia de Vênus é dia de jejum e abstinência. A polemica se ovos galados quebram o jejum por conterem um feto não padece hoje, pois às galinhas de aviários está vedado o (fugaz) congresso sexual.
    Vibrei com nosso blogue compartido, rememorando o ‘verdinho’
    Obrigado pela parceria,
    attico chassot.

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  7. Caro Chassot,
    A narrativa do Renato só vem confirmar aquilo que sempre digo: Este blogue é um espaço de informações, cometários e opiniões de primeira ordem. Parabéns por ser o catalisador de tão doutos e articulados seguidores que dão esse tom "chassotiano" que só aqui se encontra. Abraços fraternos, JAIR.

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  8. Obrigado Jair,
    receber este afago de um polímata é precioso.
    Ainda ontem aprendia no ‘Blogue que pensa’ – www.jairclopes.blogspot.com – que : “Da moa ao tico-tico: o Planeta está perdendo espécies”
    Com admiração

    attico chassot

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  9. Caro Chassot,

    mesmo tardiamente estou comentando o teu blog. O dia está sendo bastante cheio, mas agora tenho alguns minutos.
    Cumprimentos pela edição 180; não se trata apenas de um número qualquer: por trás há uma trajetória de conhecimentos compartilhados e de reflexões exercitadas - cumprimentos.
    Também é muito gostoso reencontrar antigos amigos e poder repartir novas vivências na mesma proporção que revive antigos caminhares.

    Um abraço,

    Garin

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  10. Meu estimado colega Garin,
    obrigado pelo prestígio que confere ao meu blogue e num momento da extensa pausa desta luminosa sexta-feira encontra tempo para um comentários.
    Um abençoado shabath

    attico chassot

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  11. Olá Professor! Nesta última semana estive imersa em cricris e bandeirinhas julinas: delegaram várias atividades para mim, por que "ela é novinha e tem disposição", e claro que eu aceitei, rsrs adooro estas oportunidades de re-conhecer melhor os alunos, nas suas, nossas "obscuridades". ^^

    Parabéns pelos números redondos!

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  12. RENATO recebeu
    Oi prof. Renato, bom dia.

    Gostei muito do texto. Esse seu amigo parece ser um pessoa muito interessante a escrita dele é super envolvente, poética.
    Quanto ao "verdinho" tive o prazer de conhecê-lo, li um exemplar que o Sr. enviou a biblioteca, gostei muito da forma como vcs o produziram.
    Obrigada por compartilhar esse blog, vou ler as outras postagens.
    Bjs
    Glauria

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  13. Muito obrigado Marilia,
    tu presença aqui é festejada sempre.
    Recomendo a dica de leitura sabatina.
    Vai te emocionar

    attico chassot

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  14. Muito estimados Renato e Glauria,
    obrigado pela presença nesta memorável coprodução. Como as queridas palavras da Gláuria ao Renato não podiam ficar semiocultas, fi-las comentário no blogue.
    Vibro que terei na Glauria mais uma leitora que de vez em vez vai passar por aqui.
    A propósito recomendo a dica de leitura de hoje.
    Um bom sábado a um e a outra

    attico chassot

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