Ano 5 | Porto Alegre | Edição 1797 |
Na madrugada fria de ontem – aqui na Morada dos Afagos estava 2ºC – recebi um presente esperado. Presentes esperados têm sabores especiais, pois os imaginamos e pré-curtimos. Há um tempo, pedira para meu colega e amigo José Clovis de Azevedo fazer a apresentação de meu Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto. O livro que escrevi para celebrar meus 50 anos de magistério.
Recebi o texto quando estava, ainda, desencarangando. Sei que amigos têm o direito de exagerar. Mas conhecendo o Zé Clovis, pensei que se manteria comedido. Trago alguns excerto nesta blogada. Foi difícil fazer uma textotomia. Dos parágrafos que apresento dá para prelibar a produção que é anunciada. Com votos de uma muito boa leitura, desejo uma frutuosa terça-feira.
Era uma terça-feira, 22 de março de 2011, ao abrir meu correio eletrônico fui surpreendido com a seguinte mensagem: “mesmo sabendo das lutas que te envolvem na Secretaria de Educação, te envio material para fazeres a apresentação do Memorias de um professor: hologramas desde um trem misto”. Embora o autor já tivesse tratado do assunto comigo anteriormente, a concretização do convite impactou-me. Fui tomado por um sentimento de orgulho e temor, vaidade e fragilidade. Que superior distinção registrar minhas “digitais“ em um “documento” de tal significado, uma história de humanidades, de sabedorias, de imagens de sofrimentos, de alegrias, de felizes vividos. De simplicidades cotidianas e de celebração da vida. Todo um histórico existencial em hologramas, com a singeleza da vida, mas com a recriação construída no rigor acadêmico, como é próprio do autor.
O autor, com quem partilho pedaços de vivências que guardo para mais adiante, revela seu dilema para a escolha do título da obra, tais incertezas inscrevem-se nas múltiplas cores com as quais se poderiam representar imagens do passado. Quem conta um conto, aumenta um ponto, “cada repensado faz o passado diferente”, alerta.
Em sua viagem pelo passado reconstitui imagens, recria os contornos das próprias experiências vividas. Instala o passado em um novo tempo. Dá sentido ao pensamento de Quintana que proclama: “o tempo não para; só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo”. Cada linha escrita, cada palavra grifada está prenhe de conteúdos significativos, transpiram vida, anunciam novidades do passado/presente, recolhido, esculturado literariamente, refeito à imagem do autor sujeito. No âmago da beleza da palavra descobrem-se inquietudes, incertezas, dilemas. Ao mesmo tempo revela-se o mundo humano, a dimensão lúdica de um fazer de cada dia, de cada fase do viver e sobreviver, desconstruindo tristezas, forjando belezas. Saberes, sabores iluminam noites. Raios de luzes licenciam penumbras, anunciam cada dia, sucedâneo. A literatura não perde nenhum ângulo (da vida) da história, rebusca os bosques recônditos de existências na existência, evidência de um personagem que deixa pegadas por onde passa o seu “trem misto”.
Este meu querido amigo, colega Attico. Afeto, carinho, fazem entre nós aproximações verdadeiras. Mas como construir uma apresentação que corresponda à estatura acadêmica do autor, às qualidades do texto, com sua estética tecida de belezas tangíveis, racionais, mas costuradas com sentimentos, sensações emoções?
O temor e a fragilidade frente à tarefa sucumbem ao desafio de participar de uma criação onde a arte da vida confunde-se com a arte de recriar e contar a vida. Pois, quem sabe a proximidade afetiva de hoje com o Attico também se explique por imagens comuns do passado, identidades de contextos que agora descubro. Quantas lembranças suscitadas, a bodega do seu Alfredo, o armazém de Secos & Molhados. Ouço o mando da minha mãe... “traz uma pedra de anil, um ‘formento’ Monopol e um carretel de linha branca, número 30. Não esqueça a querosene”. Attico mergulhou-me nas imagens da bodega de minha infância. [...]
Mas a História do meu querido amigo não para de me desacomodar. A chegada em Porto Alegre, em 1958, para estudar no Julinho, as descrições do trajeto do bonde revolveram minha mente e recriaram minhas imagens dos últimos bondes que eu vi rodarem pela capital em 1969. Revivi a Copa do Mundo de 1958. Ah! aquele primeiro gol de Nilton Santos contra a Áustria. Eu e minha mãe com o ouvido colado no velho rádio Phillips, à válvula, com a voz de Mendes Ribeiro sumindo e reaparecendo em meio ao chiado da “onda que fugia” e “reaparecia”. A magia do Pelé, a arte de Garrincha, a vitória, o orgulho de ser um brasileiro. Aos treze anos de idade foi o meu primeiro sentimento de brasilidade, de nação. Sentimento esse que assumiria contornos políticos poucos anos depois, coincidente com os primeiros passos de um professor, Mestre Attico, que se saberia, mais tarde, um grande ensinante. Da sua sabedoria não restariam incólumes gerações sucessivas de jovens que aprenderiam a olhar o mundo para muito além dos dogmas e das ilusórias certezas.
Quando Attico descreve a sua iniciação como Mestre, em 1961, e suas incertezas frente ao novo desafio, salta-me a memória o diálogo que tivemos em 2007, quando de sua estreia como professor na licenciatura do IPA. “Zé Clovis, estou sentindo um frio na barriga, estou emocionado, é como se fosse a primeira aula da minha carreira de professor”. Ouvindo tal manifestação do Dr. Attico Chassot, intelectual renomado, o que me fazia difícil esconder o orgulho de ter conseguido traze-lo para o nosso grupo de pesquisadores do IPA, senti-me aliviado, justificado, por viver as mesmas tensões sempre que iniciava um novo ano letivo, mesmo depois de ultrapassar o quadragésimo.
Fez-me Attico rememorar o dia da minha primeira aula, a minha iniciação, em um curso noturno para trabalhadores, em 1969, na periferia de São Leopoldo. Era um trabalho comunitário, dirigido por um grupo de freis Dominicanos, profundamente comprometidos com as lutas contra a ditadura militar. Eram os anos de chumbo e os meus primeiros passos de professor me aproximaram da política em um momento de desesperança, de frustração, de inibição de criatividades, de embotamento e cerceamento da liberdade. Vivíamos então o desfecho obscuro do fenecer de esperanças virtuosas, nascidas e nutridas nos tempos dos primeiros passos de Mestre Attico. [...]
Mas o golpe militar contido em 1961 concretizou-se em 1964, abortando um contexto histórico marcado pela criatividade, pela mobilização e pela expectativa em um novo Brasil. Attico viveu este momento, fazendo-se ensinante numa conjuntura efervescente, marcada pela crítica, pela criatividade, pela circulação de esperanças e utopias.
Mas a história se faz concreta e com ela o viajante do trem misto reconstrói as imagens de suas estações. Percorre suas escolas, suas incursões literárias, suas universidades, investigações, afirma sua postura epistemológica. A sua narrativa instiga a nossa imaginação, dialoga com os contextos sem perder o pé no chão da História, articula a expressão literária no jogo razão e emoção. Transcende a narrativa fatual, recupera o sujeito ator e autor de diferentes cenários de vida e de história. Revela essa intencionalidade. “Acredito que não tenho feito uma narração tradicional, procurei ruinas de narrativas, fiz uma transmissão entre os cacos de uma tradição em migalhas, portanto uma renovação de memória”.
A cumplicidade afetiva que cultivo com o professor Attico Chassot poderia colocar em dúvida o meu reconhecimento e minha afirmação da generosidade do autor ao partilhar suas ricas experiências de Mestre. No entanto a sua sinceridade dialogando com as qualidades e com as fragilidades do ser humano retiram qualquer possibilidade de comprometimento da minha conclusão. Ao justificar o compartilhamento da sua “viagem” afirma: “Primeiro, é reconhecer que as memórias de alguém que há 50 anos é professor mereçam ser partilhadas. É natural que isso traduza certa doze de vaidade”.
Do menino do trem misto ao intelectual dos “conhecimentos primevos”, da “(in)disciplinaridade”, do questionamento da masculinidade da ciência, o professor Attico é um crítico das desumanidades e um militante das utopias humanizantes. A sua postura crítica e conflituosa com as epistemologias dominantes é formadora de subjetividades com capacidade de espanto, de indignação e de rebeldia, posturas necessárias para a invenção de um novo tipo de relação entre os saberes, entre as pessoas e as diversidades que estruturam e identificam os agrupamentos sociais.
A sua perspectiva epistemológica alcança uma análise precisa das transformações da escola. Dialogando com os cenários recriados por suas memórias aponta a mudança da escola dos dogmas para escola das incertezas, questionando com propriedade o papel do professor na escola do século XXI. “...a (escola) de hoje não é mais centro de informação. Ocorre exatamente ao contrário na contemporaneidade. O conhecimento chega à escola de todas as maneiras e com as mais diferentes qualidades”. Focaliza com sabedoria a mudança no papel do professor. “É preciso que se migre da condição de informadores para a de formadores”.
Nas páginas deste manifesto de vida de uma maestria o leitor poderá dialogar com experiências singelas do cotidiano vivido, mas não escapará a provocação de tomar o trem misto para viagens de reflexões profundas sobre o sentido da existência, da socialização dos saberes e aprendizados na vida. Virem cada página seguindo as pegadas de Mestre Attico e podem tomar o “trem misto” em busca de suas utopias. E por que não novamente evocar Quintana, mergulhando na trajetória do Mestre Attico: “Se as coisas são inatingíveis... 0ra! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas”. Boa viagem.
Caro Attico,
ResponderExcluirfiquei emocionado! A peça que me faltava ler agora tras uma síntese fiel do conteúdo. É claro que omitiste trechos, mas entendo que essa apresentação instiga o desejo de embarcar no "trem misto" para a viagem toda. Já na apresentação é possível embarcar na estação da memória em busca do vagão da sabedoria, procurar a poltrona do sentimento e ouvir o apito do maquinista.
Uma grande terça-feira!
Garin
http://norberto-garin.blogspot.com
Muito estimado colega e amigo Garin,
ResponderExcluirtambém comovi-me com o poético texto do nosso colega do Centro Universitário Metodista do IPA, José Clóvis, que para nosso orgulho ora é um excelente Secretário de Educação do Rio Grande do Sul.
Obrigado pelo teu fraterno endosso. Agora torcer para que o rebento venha a luz.
Com continuada admiração
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirA apresentação que seu amigo José Clovis de Azevedo faz do "Trem" no qual você tanto é passageiro quanto maquinista, me fez refletir sobre como é instigante uma vida voltada à formação de pessoas. Quero crer que você deve sentir que "fez a sua parte" neste Planeta. Sei que vou ler o seu "Trem", mas, antes de ter uma ideia melhor do caminho que ele percorreu, quero cumprimentá-lo efusivamente pelos 50 anos magistério e de uma atividade que somou na vida de tanta gente. Parabéns pelo livro e pelos cinquentenário de labuta na área da mais nobre das profissões. Abraços fraternos, JAIR.
Professor Chassot,
ResponderExcluirO blog de hoje é excitante... suscita curiosidade: quais as surpresas escondidas em cada dormente ferroviário?
O percurso sugerido promete! Imperdível a viagem inaugural... por favor, mantenha-nos informados...
Parabéns pelo cinquentenário e obrigada por compartilhar tanta história, tanto conhecimento, tanta sabedoria...
Um forte e carinhoso abra@o (estendido a Professora Gelsa), Adriana.
Jair,
ResponderExcluirum muito apreciado parceiro de blogares,
obrigado por tuas palavras fraternas acerca de meu fazer Educação. Recebo comovido tua homenagem.
O José Clóvis é muito generoso na apreciação de meu Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto.
Com gratidão
attico chassot
Muito querida Adriana,
ResponderExcluirprimeiro celebro teu retorno como comentarista deste blogue. Nossa história que se adensa no fazer alfabetização científica na acolhedora Imigrante e é fortalecida nestes contatos internéticos, onde de vez em vez trazes dicas de leitura..
O texto de nosso estimado Secretário de Educação do Rio Grande do Sul é realmente um fabuloso anúncio que o Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto vai partir.
È bom te ter como parceira nesta viagem,
attico chassot
Caro amigo de muitas viagens.
ResponderExcluirRealmente o texto dele, por si só, já é uma viagem. Para usar uma gíria mais carioca do que gaúcha, posso dizer que o Zé Clovis mandou muito bem!
Muito querido Renato,
ResponderExcluirobrigado porte aquerenciares um pouco aqui, chegando desde o cálido Rio de Janeiro, que uma orientanda tua baiana chama de sucursal da Antártida, fazeres loas ao prelúdio do Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto. Escreves-me: “Mas como não sou um filósofo tão circunspecto assim, degustei o excelente aperitivo que seu amigo Zé Clovis nos ofereceu. Melhor, impossível. Ficamos todos ansiosos por tomar o trem misto para irmos ao encontro de nossas utopias.”
Aguardemos o trem se fazer livro.
attico chassot
Chassot querido,
ResponderExcluirQue texto lindo e emocionante! Esse livro com certeza será demais!
Eu sou suspeita... pois sabes que tem minha eterna e "terna" admiração!
Que privilégio fazer parte desta história como sua orientanda!
Patrícia Nunes
Patrícia querida,
ResponderExcluirsurpresa gostosa teu comentário aqui.
O texto lindo do José Clovis te entusiasmou a minha sempre orientanda.
Um afago agradecido por tua torcida do
attico chassot
Olá!!!! Em meio as lembranças suscitadas pelo texto me envolvo num carinhoso muito obrigada!!!! Obrigada por compartilhar conosco tantas histórias e com elas, percorrer estações de nossos próprios caminhos... O resultado de um diálogo com o Sr. resulta sempre em aprendizado, ainda mais embebido do "prazer",... de ler, refletir, relembrar,...
ResponderExcluirUm forte e imenso abraço!!!!!
Sandra
Muito querida Sandra,
ResponderExcluiré bom receber esses afagos desde a querida Rio do Sul.
Tu tens parte nessas histórias;
Um agradecimento com emoção
attico chassot
Muito Legal Prof!
ResponderExcluirAdmiro muito vcs dois.
Texto muito tocante. Fiquei emocionada!
Seu blog é uma inspiração com tantos saberes.
Abração cheio de luz!
Sabrina querida,
ResponderExcluirobrigado. O José Clovis tintou de emoção este blogue hoje;
Um afago do
attico chassot
ANA escreveu de SANTA CRUZ DO SUL:
ResponderExcluirOi querido professor!!!
Que lindo o texto. Adorei, viajei com ele. O livro vai ser um sucesso, estou curiosíssima pelo mesmo!!!
E vamos curtindo o frio...
Um beijo carinhoso.
Ana
Muito querida Ana,
ResponderExcluirobrigado por comigo e com vários leitores com a beleza do texto de nosso querido José Clóvis.
Afagos com saudades e obrigado pela torcida pelo livro
attico chassot
Agora fiquei na curiosidade de ler o livro tbm!!!!...Abraços!
ResponderExcluirMuito querida Janice,
ResponderExcluirque bom que o ‘nosso’ (do Centro Universitário Metodista do IPA e não o Secretario de Educação do Rio Grande do Sul) te atiçou a curiosidade.
Afagos do
attico chassot
Querido Prof. Chassot
ResponderExcluirFiquei muito emocionada e feliz em ler um texto tão rico, sensível e maravilhoso.
Certamente o senhor merece todas as palavras do nosso grande Jose Clovis.
Nada mais justo e belo.
Parabéns!
Anaí Zubik
Muito querida Anaí,
ResponderExcluirobrigado pelo teu endosso ao maravilhoso texto do nosso querido José Clovis.
Agradeço também partilhares o mesmo com teu grupo.
Um afagop reconhecido
attico chassot
Ave Chassot,
ResponderExcluirque bela ode! Adorei, achei profundo e verdadeiro.
Estou curioso para ler o livro.
Grande abraço,
Güy.
Muito estimado colega e amigo Guy,
ResponderExcluirobrigado pela maneira densa como te referes ao texto do José Clovis.
Agora: esperar o livro
attico chassot
Mestre Chassot
ResponderExcluirParabéns pelo Blog e pela entrevista com a minha mana Eloisa Moura que está na Nigéria. Toda a família pode matar um pouquinho da saudade!!
Estimada colega Eliege,
ResponderExcluirfico muito honrado que tu e também Escola Municipal Gonçalves dias se faça presente neste blogue.
A homenagem a nossa querida Eloisa foi mais que merecida.
Um afago com carinho do
attico chassot