Ano
6*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2142
Ontem trouxe dois fatos impactantes
aqui, mas que são já do cotidiano destes tempos pós-modernos, onde (quase)
soçobramos na barafunda das novas tecnologias: um, minha neta de um pouco mais de seis anos teclando comigo no
Facebook; outro, uma piazada do
segundo ano do ensino fundamental, mostrando ‘a inutilidade’ da escrita com
lápis e papel.
Perguntava-nos no ocaso da edição de
ontem que argumentos daríamos
para esta gurizada que acha que escrever com lápis ou caneta dói?
Qualquer pessoa, mesmo
aquelas que não têm acesso a um texto digital e mesmo aquelas que não escrevem
e não leem — talvez mais estas do que as primeiras — reconhecem a importância da
leitura e da escrita.
Por não pertencermos a
uma sociedade ágrafa, o binômio escritaóleitura nos privilegia na comunicação desde a sinalização urbana
às interações por um bilhete ou mensagem entre os participantes de redes
sociais até elaborar uma tese onde podemos argumentar nossos pontos de vistas, inclusive
com mais consistência, do que se o fizéssemos de maneira oral.
Aliás, não é a escrita
que os revolucionários que recém largaram a mamadeira querem abolir. Eles
advogam a inutilidade de precisar a aprender a escrita manual (um tanto inadequada a expressão, pois no computador
também escrevemos à mão).
Eu, há tempo deixei de
usar números romanos em qualquer texto, pois os mais jovens não os conhecem.
Nos comentários à edição de ontem surgiu o quanto muitos não sabem ver as horas
em relógios analógicos, que para entendermos quanto passou ou quanto falta
oferecem vantagens. Nos Estados Unidos, alguns estados já aboliram a
obrigatoriedade do ensino da letra cursiva no ensino fundamental. E tudo indica
que o próximo passo será banir de vez a prática.
Rosely Sayão, presente
ontem aqui pergunta: Mas, se a escrita
pode ser digital, por que é importante a escrita à mão? Ela traz dois argumentos.
Em primeiro lugar, porque a substituição de uma pela outra
empobrece o mundo e a variedade das linguagens. Se podemos ter os dois tipos,
porque vamos escolher ficar apenas com um deles? A existência da arte digital,
um tipo de linguagem, não nos faz pensar na substituição dos quadros, não é
verdade? Ficamos com as duas formas de expressão
Em segundo lugar, porque a escrita digital restringe
sobremaneira as possibilidades de comunicação com as pessoas. Quantas delas há
no mundo, em nosso país, em nossa cidade, em nosso grupo de convivência, que
não têm acesso a essa tecnologia?
A linguagem escrita e
seu aprendizado são partes integrantes e importantes do exercício da cidadania.
Não se trata apenas, portanto, da aprendizagem de um código. É bem mais do que
isso.
Nossos novos alunos
terão menos dificuldades para se esforçar na aprendizagem da escrita se
perceberem que nós temos convicção da importância desse tipo de comunicação.
O assunto está longe
de esgotar-se. Volto breve a ele.
Esta quarta-feira marca a abertura da Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Mesmo
sabendo que torcer seja uma forma agnóstica e/ou ateia de rezar, uno-me ao ‘pensamento
mágico’ de milhões de mulheres e homens que torcem pelo encontro de soluções
para sabermos modificarmos para melhor a vida no nosso Planeta. Quão insípida
seria a vida se não usássemos, vez ou outra o pensamento mágico!
Comentando as sábias palavras do mestre gostaria de enfatizar que tambem na agonia da escrita morre tambem a intelectualização. O jovem cada vez mais se descompromissa com o evoluir cultural, é cada vez mais comum o apelo; "põe no google". Pra que saber, se a entidade digital tudo responde a um clic? Lembro-me da verdadeira batalha que perdi para minha esposa ao ser obrigado a acabar com minha biblioteca em casa. Os argumentos foram os mais variados possíveis, "só serve pra juntar poeira", "hoje em dia tem tudo no computador", "voce ja leu isso tudo" "esta tudo ultrapassado". Ledo engano dos tempos modernos, sentar a varanda e folhear Castro Alves é um prazer inenarrável.
ResponderExcluirAntonio Jorge
Caro Chassot,
ResponderExcluirPermita-me fazer um comentário com texto que publiquei:
"“Um país sem livros é um deserto de idéias”, essa frase é minha e traduz o que penso sobre a importância da palavra impressa. Palavra impressa, diante das novas formas de levar as idéias até ao leitor, é apenas uma expressão, porque na verdade o que chamamos de livro sofreu inúmeras adaptações aos novos meios de informação e tornou-se algo muito diferente do que foi no passado, contudo, a essência do livro continua a mesma. O livro é ponte sagrada sobre a qual a humanidade passa para encontrar os rumos que conduzem à civilização. O suporte para o livro não importa, ao longo da história os homens firmaram aquilo que seria importante para suas gerações em pedra, pergaminho, papiro, madeira, metal, papel e, agora, em elétrons na forma de e-book. Lembrando que e-book é uma abreviação para “electronic book”, ou livro eletrônico: trata-se de publicação com conteúdo idêntico ao de uma possível versão impressa, com a característica de ser, claro, uma mídia digital".
Óbvio que "palavra impressa" na acepção lata do termo também é escrita cursiva que está em discussão. Abraços cursivos, JAIR.
Caro Chassot,
ResponderExcluiré interessante esta posição da Rosely, mas não serve como argumento para quem não tem a nossa idade. Via de regra, as novas gerações não entendem o código de maior ou menor riqueza de uma linguagem - são movidos mais pela imediatividade da comunicação. Acho que é necessária uma reflexão mais aprofundada até porque esse assunto deve ser tema de pesquisas e teses.
Um abraço,
Garin
Alexandre-Lavras-MG
ResponderExcluirExcelentes postagens. Tema para reflexão durante o dia.
Abraço a todos!
A pedido do Attico vou postar aqui uma mensagem que havia mandado a ele por e-mail contando minha experiência no assunto, que não foi tanto "digital" mas com um teclado no meio... já que sou da geração da máquina de escrever:
ResponderExcluirQuerido prof. Attico,
Minha alfabetização foi um tanto estranha, e tive realmente algumas consequências disso. Aprendi a ler e escrever na máquina, entre exercícios de asdfg çlkjh... quando eu tinha 2 anos, eu lia e escrevia em letras tipográficas, mas não muito bem em letra cursiva. Mas isso me deu acesso a livros e eu os lia com avidez... Lia praticamente tudo que me caía nas mãos, minha mãe contou um vez que quando saía comigo na rua eu ia lendo tudo, rótulos de produtos, cartazes, letreiros...
Eu queria entrar na escola e insisti tanto que um colégio de freiras que ficava perto de casa me aceitou aos 2 anos. Naquela época crianças desta idade não iam à escola, mas eu fui. Dei muita sorte. Eu adorava a escola e como colégios de freiras sempre tem a hora do "bom dia" (15 minutos diários de reflexões, ou comemorações dos dias festivos, como "dia do índio,da bandeira, etc)... lá estava eu, sempre como apresentadora, lendo alguma coisa ou falando alguma poesia. As freira foram realmente muito condescendentes comigo. No primário, é que fui encontrar alguma dificuldade com a letra cursiva e tive que aprender a "desenhar" as letras. Mas eu conseguia fugir das tarefas mais chatas, como a de ler a cartilha Caminho Suave, porque me davam poesias e jograis para decorar para as apresentações da escola. Uma coisa acabava compensando a outra...
Eu tive realmente 2 boas coisas na vida relacionadas à esta fase:
- Minha mãe conversou com uma psicóloga que a orientou a não dar muita importância para o fato de eu ler tão cedo e não deixar os outros darem também esta importância.
- Eu tenho uma irmã excepcional e minha mãe fundou uma ong que cuidava de crianças deficientes mentais e físicos. Bem ela passava grande parte do dia resolvendo coisas ali, e eu sempre ia junto, para onde ela fosse, bancos, ou para o Centro de Reabilitação... As vezes passava horas ali e então me misturava às outras crianças, nas aulas de música, terapia ocupacional, esporte, etc... Aprendi então que as pessoas podem ter simultaneamente deficiências por um lado e coisas fenomenais de outro. Eu via outras crianças que tinham problemas físicos severos escrever e pintar com a boca ou com os pés... Eu achava aquilo fantástico! Sinceramente eu achava que a deficiente era eu... rsrsrsr...
Continuando...
ExcluirEntão eu tenho uma estranha forma de ver o mundo hoje e consequentemente uma estranha forma de ver a educação também. Eu concordo com algumas coisas que os educadores propõem mas discordo veementemente de outras.
Na verdade eu não vejo problemas de que as crianças hoje aprendam a escrever em teclado, isso realmente permite que elas leiam mais cedo. Elas ainda não tem a coordenação motora para desenhar letras, mas tem a cognição para entender símbolos. Aprender a ler e escrever mais cedo dá mais independência à criança. Ela passa a resolver coisas sozinhas, como usar um telefone, mandar uma mensagem aos avós pela internet. Mas ela deve ter algum estímulo posterior para escrever com letra cursiva.... Por exemplo o simples fato de que as provas devem ser respondidas em letra corsiva é um exemplo desta necessidade. As redações outro exemplo. As crianças pequenas ainda fazem cartazes para serem afixados na escola com os temas estudados, como ciências, histórias... Deve-se estimular que estas coisas sejam feitas sempre com escrita à mão.
Bem, é isso.
Vou completar minha mensagem... NO MUNDO em vários momentos não temos energia ou ficamos sem a tecnologia... Saber se expressar por escrito, à mão, poderia fazer uma grande diferença... Faz diferença ainda em lugares onde a revolução digital não chegou...
Há ainda uma comparação a fazer. Nos anos 60 para se utilizar um computador vc precisava entender de programação de computadores... nos anos 80 vc pelo menos tinha que ter noção de sistema operacional... A revolução promovida pelo Steve Jobs foi exatamente promover um produto onde o usuário não faz mais nenhum tipo de programação. As pessoas perderam a capacidade de fazer programação por um lado, MAS MAIS USUÁRIOS foram agregados ao sistema como um todo. Como diria um amigo meu, prof Jurandir R. Souza da UnB em recente palestra aos meus alunos, TODA TECNOLOGIA É UMA MOEDA DE DUAS FACES, sempre ganhamos algo e sempre perdemos algo.
Ponderar sobre ganhos e perdas nesta história é bem complicado.
Silvia querida,
ResponderExcluiremocionei-me.
Agradeço por partilhares com os leitores deste blogue esta remexida no teu baú rotulado como SAUDADES
Isso é significativo por duas dimensões: 1) temos que escrever nossas memórias. Nós (genérico) temos tão poucos legados escritos de nossos pais e avós. Teu texto é um precioso legado aos teeus..
2) Será uma ajuda nas discussões que se está fazendo no blogue.
Um afago com gratidão
attico chassot
Excelente depoimento!!! Leva-nos a reflexão.
ResponderExcluirAntonio Jorge