Ano
6*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2141
No anoitecer da última quarta-feira vivi uma surpresa. Deixara,
por esquecimento, a página do Facebook acionada. Usualmente a mantenho
desconectada para me precaver de pedidos de diálogos, em geral invasivos.
Recebo uma chamada para teclar. Verifico. Vibro. Aparecia como sendo de minha
filha Clarissa. Dou-lhe boas-vindas.
Recebo uma contestação com algo como: vô kkkkk mariaclaraquetafalando. Continuamos o diálogo escrito.
Falamos sobre o frio. Soube que sua mãe não estava em casa.
A Maria Clara — na foto com o mesmo brasão no
uniforme que seu avô usava no ginásio Marista no começo da segunda metade do
século passado — contou-me sobre sua irmã Carolina. Em um momento
escrevi: AMADA MENINA: TU
ÉS A PRIMEIRA NETA OU NETO QUE TECLA COMIGO... VIVA! A resposta não poderia ser
mais emocionante: Serio. Apaguei uma
lágrima.
A Maria Clara tem menos
de seis anos e dois meses. Em março ingressou no primeiro ano do ensino
fundamental. Ela jamais se comunicaria comigo por uma escrita em suporte papel.
Mesmo que a barra do espaço não pertença, ainda, ao ‘seu modo de usar’, nos
comunicamos.
Na semana que ocorreu o relato que me emocionou, lera um texto
escrito pela psicóloga Rosely Saião. Eis excertos:
“[...] Uma professora de segundo ano que
trabalha com alfabetização me contou que, na sala em que ela dá aulas, há
alguns alunos que não querem, de maneira alguma, escrever. Eles dizem que dá
muito trabalho, que cansa as mãos etc. [...] Eles dão todo tipo de
justificativa para evitar o exercício da escrita. E não se trata de crianças
que ainda não alcançaram o domínio da leitura. Apesar de não serem leitores
fluentes, eles já conseguem ler e entender o sentido do que leem. E gostam de
ler. Mas escrever...
Crianças dessa idade
são sagazes, criativas, audazes e absolutamente antenadas com o contexto do
mundo atual, principalmente o tecnológico, que usam com intimidade. O garoto,
usando a linguagem própria de crianças, disse que aprender a escrever era um
trabalho desnecessário, porque ao apertar a tecla do computador ou ao tocar a
tela do tablet ele escrevia do mesmo jeito e isso não fazia a mão doer. [...]
A professora, corajosa
e batalhadora, não desiste: cria todo o tipo de estratégia para fazer com que
esse grupo de alunos enfrente o trabalho da escrita. Frente à insistência da
professora, um aluno a desafiou.
"Professora, se
eu só vou escrever em computador e em tablet, por que tenho que aprender a
fazer essas letras desenhadas?". E você pensa, caro leitor, que o menino
parou aí? Não! Ele prosseguiu. "E no computador tem corretor de palavras,
então eu nem preciso escrever tudo certinho porque ele corrige quando eu
escrevo errado." [...]
O feito da Maria Clara, que a inclui no
estrato daqueles que abandonam o mundo ágrafo e a rebelião da meninada que está convicta que não precisa da ‘escrita desenhada’ trazida por Rosely Sayão dá azo
a prolíferas reflexões. Tenho pensado muito em realidades (quase) inesperadas.
Quanto nós adultos escrevemos ainda à mão?
Cada dia menos. Havia uma forma primária de iniciar cartas: ‘pego na caneta
para escrever-te as novidades ou para contar de minha saudade’. Hoje tenho dezenas de canetas em minha mesa de
trabalho (ainda é um dos presentes que mais ganho), mas a maioria delas, por
falta de uso, se faz inútil no momento de precisão.
Já contei que fui alfabetizado em uma lousa,
usei caneta de pena de aço, caneta tinteiro e lembro que 1954 conheci a
maravilhosa caneta esferográfica que escreve a seco.
Tive aula de caligrafia em caderno de linha
dupla. Hoje, uma das poucas escritas em suporte papel que faço é um diário,
onde me esmero em fazer letra de quem foi ‘aluno de colégio de freira’.
Que argumentos daríamos para esta gurizada que
acha que escrever com lápis ou caneta dói? Isto poderá ser assunto da blogada
de amanhã.
Nesta vigília de Santo Antônio votos de muitas
alegrias àquelas e àqueles que têm a ventura comemorar o dia dos namorados.
Amanhã é um dia muito especial: é a abertura da Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
Há uma primorosa e extensa Biblioteca de Documentos, que disponibiliza materiais e
documentos de referência relativos à Conferência da ONU. Quem desejar pode
acessar, gratuitamente: Documentação & Recursos http://www.rio20.info/2012/fontes
Toda criança na sua condição de ser recém chegado ao nosso mundo, vai encontrando o seu espaço e o seu tamanho: inclusive na escrita. Livre de linhas, de modelos caligráficos, a escrita compõe um espaço de reconhecimento.
ResponderExcluirTípico da nossa época: alegria e prazer sempre. Com teclas e comprimidos. O esmero em tornar uma letra legível para o outro ler é um exercício de respeito.
Muito querida ex-aluna e agora colega Marília,
Excluirpareceu-me significativo em teu comentário que o ‘esmero em tornar uma letra legível para o outro ler signifique um exercício de respeito’. Mesmo que jamais tenha me ocorrido isto, concordo plenamente. As tenho vontade de dizer aos estudantes: “Não me mandem lixo!”
Obrigado pela parceria intelectual
e
um afago do
attico chassot
Prezado mestre Chassot confesso que senti uma pontinha de inveja em episódio tão carinhoso que vivenciastes, eu apesar de meus filhos já estarem formados e um casado, ainda não me agraciaram com a dávida de netos. No tocante ao bizarro acontecimento observo que estamos na era da comunicação, e os jovens exercem este domínio das mais variadas formas, no vestuário, no linguajar, na forma e no veículo. Nas suas palavras viajei a minha infância as voltas com os cadernos de caligrafia de pauta dupla, coitadas de minhas professoras, coitada de minha mãe... No final desta luta venceram meus garranchos, e como fico feliz com a era digital, afinal as pessoas conseguem ler o que escrevo.
ResponderExcluirParabéns pela netinha, ela é linda, parabéns pela mensagem!
Antonio Jorge
Muito estimado Antônio Jorge,
ResponderExcluirjá há alguns dias os leitores deste blogue têm o privilégio de receber teus comentários.
Obrigado pelo prestígio que ofereces ameus leitores e a mim.
Realmente o avonar é uma curtida etapa e tomara que muito breves sejas agraciasdo com esta dádiva.
Agradeço a referências que fazes a Maria Clara.
Uma muito boa terça-feira e a manifesta alegria por tua presença aqui,
attico chassot
Bom dia, Mestre!
ResponderExcluirÉ o surpreendente choque de gerações que nos coloca diante de jovens para quem escrever significa um esforço injustificado, diante das mordomias do teclado com corretor ortográfico!
Eu, que como diz no seu texto, fui "aluno de colégio de freira", me recordo (sem saudade)dos cadernos de caligrafia, com aquelas linhas estreitas para enquadrar as letras minúsculas...E acabo constatando que, hoje em dia, só escrevo com a caneta e o papel as listas de compras, antes de ir ao supermercado!
Outro dia, vi uma matéria na TV falando que a garotada mais nova já não sabe ler as horas em relógios analógicos! Estão viciados nos números dos relógios digitais e não entendem porque precisam saber ler os ponteiros!
Garotos de 8 anos erram os horários, falando absurdos!
Estranhamente, eu capto com muito mais consistência o significado dos horários nos analógicos! Pelo visto, o cérebro está mudando também!
Abraços!
Caro Chassot,
ResponderExcluirContra o argumento que a criançada de hoje não precisará mais escrever "a mão" é quase inútil lembrar que a tecnologia terminal que usamos hoje foi desenvolvida por mentes mais antigas, a nova geração está tão fissurada nas facilidades da informática que esquece seus fundamentos. Lembro isso porque não é só a escrita que está caindo em desuso, o ato de pensar também já caiu para segundo plano, o computador "pensa" pelo usuário de forma que este se limita a "ligar os pontos" apenas, como naqueles desenhos infantis. Acho essa abordagem muito perigosa, podemos entrar numa fase em que o descostume de pensar leve a humanidade, num futuro próximo, a se tornar incapaz de realizar coisas novas. Ray Bradbury, escritor que morreu há poucos dias, escreveu um conto em que a humanidade se vê refém das máquinas pelo simples fato que delegou a elas a faculdade de "pensar", tornou-se vítima de uma tecnologia que ela própria criara. Abraços, cibernéticos e parabéns pela tua neta, JAIR.
Amigo JairCLopes, permita-me ilustrar o seu oportuno comentário com episódio recentemente vivenciado por mim. Agora depois de velho e aposentado decidi retornar aos bancos universitários em seara totalmente diversa da minha. Filho formado e filha formando, pensei porque não? Voltei a estudar, desta vez direito em meio a uma garotada que poderiam ser meus netos. Por acidente postei uma piada política que recebi de um antigo amigo de escola hoje engenheiro da embrapa em Goias, no e-mail coletivo da turma. Como confesso que sou meio analfabeto digital recorri ao famigerado "facebook" contei o ocorrido aos colegas de classe e pedi que alguem que soubesse remove-la, que retirasse dali a anedota pois o lugar não poderia ser mais impróprio. A partir daí a reação da menidada foi outra, correram a conhecer a piada a qual tinha um texto um pouco extenso. Porem entre os tantos havia um que de uma maneira insistente perguntava a todos "A piada é boa?". Idiotamente em uma atitude solidária eu perguntei-lhe : "Fulano, a piada é muito boa, é só você ir lá ler, porque você não lê?" e o meninote respondeu de pronto; "preguiça"...
ExcluirAntonio Jorge
Muito estimado Antônio Jorge,
ExcluirFaço cópia desta mensagem ao Jair~~ um polímata que edita UM BLOGUE QUE PENSA www.jairclopes.blogspot.com ~~ para ele conheça tuas diatribes aos fedelhos que agora se fazem teus colegas.
Com agradecimentos ao prestígio que conferes a este blogue
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirtenho certeza de que essa é uma reflexão e um desafio para os educadores contemporâneos. Que argumentos pode se utilizar para demover tão obstinada convicção? Dizer que um dia pode faltar energia elétrica? Resposta: os equipamentos têm bateria! Dizer que um dia poderá estar num local que não há informática? Pouco provável no futuro próximo! Confesso que a minha letra está se deteriorando e olha que era muito boa. Às vezes fico olhando para minha assinatura e percebo que ela está ficando cada vez mais ilegível. Acho que esse tema vale muitas postagens. Vou esperar!
Um abraço,
Garin
A propósito, a Maria Clara ficou uma graça diante do computador: parabéns!
ResponderExcluirPode ser engraçado, caro Attico, mas eu fui alfabetizada em uma máquina de escrever... Minha mãe tinha uma escola de datilografia que funcionava no andar de baixo e nós morávamos no andar de cima do mesmo prédio. Eu ficava muitas vezes com ela na escola e assim me alfabetizei antes da escola e na máquina de datilografia... Sinto muita semelhança com a garotada de hoje (com meus sobrinhos que são mais novos que minhas filhas por ex...). Em criança eu não gostava de escrever à mão, mas isso não me impediu de desenvolver a escrita cursiva depois... não sei se é o correto ou não, se é o melhor em termos de educação... eu só sei que comigo foi assim...
ResponderExcluirabraços
Muito querida Sílvia,
Excluirachei fantástica a história da alfabetização de uma tão aguerrida paleontóloga. Não diferente desta piazada que agora quer ficar no suporte digital.
Vale ratificar que depois foste à chamada escrita manual.
As vezes é bom não só brigar com o impertinente Cícero.
Nesta quarta e quinta feiras prossegue-se com o tríptico.
Um afago com redobrada admiração
attico chassot
Prof. Ático,o caderno de caligrafia: foi com incrdulidade que na lista de material do meu filho mais velho (hoje com 23 anos) não aparecia caderno de caligrafia, comprei assim mesmo. Na escola não pediam caligrafia. Eu pensava, não é possível que não ensinem escrever de forma legível. Pois bem, vai aprender em casa. Essa era a lição de casa. Algumas vezes até como "castigo ".Que letra bonita. Hoje já não tão caprichada, formado em Direito . O segundo filho (hoje com 18 anos) muito inteligente, o caderno de caligrafia está sem uma linha escrita, até poque nem castigo precisava , é muito bom menino.Já está na faculdade, infelizmente em greve , com semestre perdido . Veja o tempo que este processo da escrita " manual" , já não é mais enfatizado nas escolas.Não escola pública, porque ali o computador ou não chegou ainda ou não é ferramenta de trabalho dos alunos. Mas em casa quem reina é o computador, então acontece
ResponderExcluirexatamente o que está mencionado em seu artigo.Abraço.