ANO
8
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Livraria Virtual em
www.professorchassot.pro.br
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EDIÇÃO
2510
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A
primeira edição agustina de 2013 se faz em dia de blogada hebdômada. Iniciamos
o mês tido como mês de desgosto— lido
assim com óculos do pensamento mágico.
A história politica brasileira e mesmo no mundo Ocidental, há eventos que
parecem ratificar isso. Parece crível, porém, que tudo não passe apenas de um rimar.
Agora,
o inverno já é tolerado por habituação. As aulas do 2013/3 começaram; na
terça-feira, uma segunda nova estreia no semestre com uma turma de meia centena
de alunos. Hoje retomo as falas, discutindo tentativas
de diálogos entre Religião e Ciência no Núcleo
de Estudos sobre Espiritualidade, Educação e Histórias de Vidas no Centro
Universitário Metodista do IPA.
Na
blogada dominical, quando dava um acre ‘adeus’ ao Papa, contei, en passant, que assistira, no sábado com
a Gelsa, a pré-estreia do filme Hannah Arendt. É senso comum dizermos que um
filme ‘vale a pena’ quando ele se espraia, durante dias, em nossos fazeres. É o
caso desta esmerada produção da Alemanha, Luxemburgo e França.
Dentre
múltiplos cenários para onde um filme (ou um livro) pode nos levar: palácios
reais, prisões, hospitais, submundo do crime, monastérios... usualmente, somos
alienígenas. O filme em tela fala do mundo da universidade (e suas disputas), parte
de nosso cotidiano. Este, talvez seja, o primeiro significativo ingrediente que
nos envolve desde o início da projeção.
Para
falar melhor do filme, opto por dar a palavra ao brasileiro que talvez mais
conheça a obra da personagem central do filme. Celso Lafer (São Paulo, 7 de
agosto de 1941), autor do prefácio de A
condição humana [Rio de Janeiro, Forense Universitária 2005, 10ª edição] é
advogado, jurista, professor emérito da USP e membro da Academia Brasileira de
Letras. Foi ainda ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e ministro
das Relações Exteriores em duas ocasiões, em 1992 e de 2001 a 2002, nos
governos de Fernando Collor e no de Fernando Henrique Cardoso, além de embaixador
do Brasil junto à OMC e embaixador do Brasil junto à Organização das Nações
Unidas (ONU) de 1995 a 1998.
O
ex-aluno da filósofa, que amargou ser apátrida por muitos anos, publicou em O Estado de S. Paulo do último dia 21 de
julho impressões acerca do filme. Comparto com os leitores deste blogue. Antes,
porém, a minha entusiasmada recomendação ao filme.
Fui assistir
ao filme sobre Hannah Arendt, da diretora Margarethe von Trotta, com a sempre
presente dedicação de estudioso da obra da grande pensadora e com a curiosidade
de ver, como antigo aluno, como ela foi, ao mesmo tempo, representada e
apresentada.
A atriz
Barbara Sukova, que faz o papel principal, estudou gestos e posturas de Arendt
para vivê-la, embora não se pareça fisicamente com ela. Para quem foi aluno de
Arendt e a conheceu em 1965, na Universidade Cornell, ninguém é capaz de
encarná-la na plenitude da sua iluminadora presença. Feita essa ressalva,
avalio que Sukova construiu, com propriedade, uma figura verossímil.
O roteiro do
filme é de Von Trotta e de Pam Katz. A ideia inicial era fazer um filme sobre
todo o percurso da vida de Arendt (1906-1975), que, como a de tantos da sua
geração nascidos na Europa, teve de lidar com as vicissitudes existenciais de
uma era de extremos e com o desenraizamento desencadeado pela ilimitada
prepotência dos regimes totalitários - no seu caso, o do nazismo antissemita,
que a expeliu de seu mundo de juventude e de formação universitária na
Alemanha, onde foi aluna de Heidegger e Jaspers.
Essa
experiência a instigou a elaborar densa obra, reconhecida como de inequívoca
relevância para o entendimento das múltiplas facetas da modernidade. Desde o
livro inaugural de 1951, As Origens do Totalitarismo, até os póstumos, como A
Vida do Espírito (1977-1978), tem a característica de obra clássica que, pela
qualidade e originalidade da reflexão, nunca termina de dizer aquilo que tem
para dizer, para evocar uma das definições de Italo Calvino sobre o que é um
clássico.
Foi justamente
a dificuldade de condensar num filme uma vida na qual o desenrolar do
pensamento tem importância constitutiva que levou Von Trotta a mudar o plano
original. Optou por fazer um recorte e escolheu um período da vida de Arendt
caracterizado pelas confrontações suscitadas por seu livro Eichmann em
Jerusalém - um relato sobre a banalidade do mal (1963-1965). No seu entender, a
confrontação prestava-se a dar foco, permitindo traduzir em linguagem
cinematográfica quem foi Arendt.
O polêmico
livro tem sua origem nos artigos para a revista The New Yorker, para a qual,
por sua iniciativa, Arendt cobriu o processo de Adolf Eichmann. A sua motivação
foi ver e avaliar, em carne e osso, um executor do Holocausto, pois não tivera
a oportunidade de assistir aos julgamentos do Tribunal de Nuremberg.
Eichmann foi
um dos mais notórios responsáveis pela gestão da "solução final",
voltada para o extermínio dos judeus. Após a 2.ª Guerra Mundial, tinha se
escondido na Argentina, onde foi capturado por agentes israelenses e levado
para Israel, para ser julgado. O filme, com muita pertinência para o
entendimento da questão e da análise de Arendt, insere várias cenas do
julgamento.
Na construção
do enredo, Von Trotta põe em cena, entre outros, o marido de Hannah Arendt,
Heinrich Blücher; o seu amigo, em Israel, o esclarecido sionista Kurt
Blumenfeld; e seu colega e amigo dos bancos universitários na Alemanha, o
pensador Hans Jonas. Heidegger, em flashback, aparece apropriadamente em
surdina. Todos são verossímeis à luz da correspondência publicada de Arendt. A
escritora Mary McCarthy, sua fiel amiga, que ficou pública e destemidamente ao
seu lado nos difíceis embates do período, não é, no meu entender, tratada com o
peso que merece. Senti falta da presença de Jaspers, o mestre querido de
Arendt, um dos seus mais importantes interlocutores sobre o caso Eichmann, como
mostra a publicada correspondência que trocaram.
O filme
compreende, é simpático e de algum modo endossa as posições de Arendt na
polêmica sobre os três grandes itens que o seu livro suscitou e o filme
reaviva. Em síntese: 1) o tom com que discutiu o papel de alguns conselhos da
comunidade judaica na Europa que, na situação-limite de uma dominação
totalitária, facilitaram a entrega de judeus a nazistas, preservando uns e
condenando outros; 2) a enormidade do crime do Holocausto, que tornou
supérfluos e descartáveis milhões de seres humanos, e a mediocridade do
personagem incumbido da gestão da execução (daí, por conta da sua avaliação da
pessoa de Eichmann, a expressão por ela cunhada de "banalidade do mal";
com isso quer dizer que o mal não foi profundo, mas extremo, porém tem um
potencial de se espraiar pelo mundo como um fungo, destruindo-o, em decorrência
da "normalidade burocrática" de gente como Eichmann, incapaz de
pensar o mal da enormidade dos horrores que perpetra); 3) o ineditismo do crime
de genocídio, que não foi um pogrom em larga escala e, como tal, uma
continuação da imemorial perseguição aos judeus no correr da História, na visão
do promotor. O genocídio foi perpetrado no corpo do povo judeu e o antissemitismo
explica a escolha das vítimas, mas não a natureza do crime, que representou uma
contestação à diversidade e à pluralidade da condição humana. Daí a
fundamentação ontológica do alcance universal que elaborou para o jus cogens da
razão de punir o crime de genocídio como um agravado crime contra a humanidade,
tipificado na Convenção Internacional de 1948.
A compreensão
pela posição de Arendt revela-se na cena em que explica a seus estudantes o
porquê das suas razões. Sua fala no filme mostra o domínio que tem Von Trotta
do seu pensamento. Mostra, também, como era bom e respeitoso o seu
relacionamento com os alunos, que nada tinha que ver com a arrogância
intelectual e a falta de tato de que foi acusada por seus detratores. Da
qualidade pessoal desse relacionamento dou testemunho de quem teve o privilégio
de ouvir de viva voz os seus socráticos ensinamentos.
Em momentos tão conturbados nos quais vivemos, sempre são lúdicas as obras que nos remetem a pensar até que ponto de insanidade o extremismo humano pode chegar.
ResponderExcluirabraços
Antonio Jorge
Limerique
ResponderExcluirHannah Arendt em obra genial
Dissecou a "banalidade do mal"
Mostrou com tirocínio
Marcha do extermínio
Conhecido como solução final.