Ano 6 | PORTO ALEGRE | Edição 1840 |
A blogada desta quarta-feira quer trazer um tema interrogante: ¿O que é misoginia? É um ideário milenar e legitimado pela autoridade da religião e da cultura ocidental. Não é de estranhar, portanto, que ideias misóginas sejam compartilhadas pelas próprias vítimas e reforçada por comportamentos reproduzidos nas relações cotidianas entre homens e mulheres de todas as idades, no espaço doméstico, do trabalho e escolar...
A edição de hoje se faz, uma vez mais, com texto de Antonio Ozaí da Silva publicado em http://antoniozai.wordpress.com e aqui reproduzido com autorização do autor.
“Woman is the nigger of the world,
Yes she is…think about it.” (John Lennon)
Você sabe o que é misoginia? Segundo o velho e bom Aurélio, misoginia [Do gr. misogynía.], é substantivo feminino e significa: 1. Desprezo ou aversão às mulheres. 2 Psiq. Repulsa mórbida do homem ao contato sexual com as mulheres. [Antôn.: filoginia. Cf. ginecofobia.]. Diante disto, o próprio ato de escrever sobre o tema torna-se susceptível à crítica. Primeiro, há o risco de reforçar a ideologia misógina. Segundo, se o autor é do sexo masculino, também está sujeito a questionamentos. R. Howard Bloch, autor de Misoginia medieval e a invenção do amor romântico ocidental[1], por exemplo, foi alvo de críticas de “algumas feministas” e precisou defender-se:
“…me auto-identifico como alguém do sexo masculino que é impedido, pelo profundo respeito aos vários feminismos, de falar por um feminismo; e, o que é mais importante, impedido, pelo respeito à capacidade das mulheres de falarem por elas próprias, de adotar a voz de uma mulher, de falar ou “ler como uma mulher”, na frase que Jonathan Culler tornou popular”.[2]
Sou da mesma opinião. Como Bloch, não quero fazer o papel de ventríloquo da voz feminina, o que pode revelar-se “tanto uma estratégia de sedução como uma usurpação do poder daquela pessoa”.[3] Não é o caso de se colocar no papel de advogado. Não obstante, este é um daqueles temas que não podem ficar circunscrito ao sexo feminino. Nós homens precisamos discutir estas questões e tomarmos consciência do quanto esse tipo de ideologia permeia as nossas relações. Percebo que, como educador, cônjuge e pai de três filhas, devo me posicionar e, ainda que minimamente, contribuir para o esclarecimento e a reflexão crítica. Como afirma Bloch: “É preciso levar os clichês antifeministas até seu o seu limite para desmascarar suas incoerências internas – desconstruir, em suma, aquilo que não desaparece apenas pelo desmascaramento ou pelo desejo de que não fosse assim”.[4]
A leitura de Misoginia medieval e a invenção do amor romântico ocidental se insere no esforço de compreensão e reflexão crítica sobre uma corrente de pensamento que rege a cultura ocidental e cujos ecos ainda estão presentes. A lista de pensadores misóginos é enorme e inclui desde nomes desconhecidos do grande público a outros mais conhecidos nos meios filosóficos e acadêmicos. O autor cita Tertuliano, Jerônimo, Crisóstomo, Ambrósio, Santo Agostinho, Gregório de Nissa, Novaciano, Metódio, Clemente de Roma e Clemente de Alexandria, São Bernardo, Tomás de Aquino; mas também Cesare Lombroso, Hegel, Schopenhauer, Nietzsche e… Proudhon! Entre outros… É preciso dizer a eles e seus herdeiros: “você não só está errado, como também se contradiz”.[5]
E embora o foco da sua análise seja a era medieval, Bloch observa que o ideário misógino está presente em textos clássicos como a Odisséia, de Homero, e, nos textos bíblicos. Todos legitimadores do poder masculino. A mulher é concebida como ser inferior, submetida à dominação e governo dos homens e incapazes até mesmo de filosofar. Muitos dos estereótipos sobre as mulheres têm origem em pensadores considerados eruditos e fundamentais para a civilização ocidental – sem contar a influência dos textos considerados sagrados.
É um ideário milenar e legitimado pela autoridade da religião e da cultura ocidental. Não é de estranhar, portanto, que ideias misóginas sejam compartilhadas pelas próprias vítimas e reforçada por comportamentos reproduzidos nas relações cotidianas entre homens e mulheres de todas as idades, no espaço doméstico, do trabalho e escolar. Felizmente, mais e mais homens e mulheres percebem o quanto a misoginia está entranhada e, em nome da igualdade de gênero, rebelam-se. É preciso!
[1] BLOCH, R. Howard. Misoginia medieval e a invenção do amor romântico ocidental. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.
[2] Ver Jonathan Culler. On Deconstruction: Theory and Criticism after Structuralism, Ithaca: Cornell University Press, 1982, p.43-44; apud idem, p.10.
[3] Idem.
[4] Idem, p.11.
[5] Idem, p.12.
Caro Chassot,
ResponderExcluira tua postagem traz, como dizes, um tema bastante controverso. Normalmente há um tanto de exagero, de ambos os lados, quando este assunto é levantado. Concordo contigo que na atualidade, a luta pela igualdade entre os gêneros tem representado significativos avanços. Entretanto, há muito que se avançar.
Um abraço,
Garin
Meu caro colega Garin,
ResponderExcluiro tema é polêmico e hesitei em editá-lo. Quando cheguei ontem à noite das aulas de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa, mais de 23h, ao invés de dedicar-me ao blogue tive que resolver apropriações no Siga. Mais uma vez tive sucessos e insucessos. Assim optei por algo que tinha pré-pronto. Surpreende-me a ‘discutível’ listas de misóginos. Achei-a por demais extensas. Alguns não pertencem a minha paróquia. Por outro lado, estranhei a não menção a Paulo (ver 1 Cor 7, 2-3).
Mas o texto nos faz, como acenas, refletir em avanços que devemos fazer.
Com estima e votos de uma quarta-feira,
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirA misoginia na literatura reflete exatamente o comportamento humano "na vida real". Afinal, o que é o machismo senão uma forma de misoginia? Grande parte dos homens, face a formação cultural, se esconde em "ismos" disponíveis por aí por medo das mulheres. Os homens têm medo do potencial feminino, tem medo da concorrência feminina e, em face disso, negam às mulheres sua posição superior que de fato e de direito elas deveriam ter. Se atentarmos para a evolução veremos que as mulheres TÊM que ser fortes para poder perpetuar a espécie na parte que lhes compete, que é MUITÍSSIMO mais difícil que a dos homens. Xô, misoginia!!! Abraços, JAIR.
Leia meu blogue hoje que tem um assunto interessante.
Caro Chassot
ResponderExcluirPrimeiramente dizer que fiquei muito impressionado com o comportamento equino em relaçao ao seu dono. Que coisa impressionante, nao? Cada vez mais tenho modificado minha visão com relaçao ao comportamento dos animais. Temos uma pequena cachorra maltês aqui em casa, chamada Nina, que parece ser membro da familia, tamanha identidade tem conosco e que muitas vezes nos surpreende com seu entendimento acerca das cosias que acontecem dentro de casa. Quanto à misoginia, concordo com o Jair, quando destaca o medo que assombra os homens frente a grande concorrência feminina em todas as áreas de atuação, onde cada vez mais o mercado cede espaços à competência e reconhecida habilidade daquele que um dia já foi denominado "sexo frágil". Frágil aonde? JB
Meu caro Jair,
ResponderExcluirfazes a melhor recomendação: “Xô misoginia!” O raio que a diaba se mascara e engana.
Já expiei o texto, mas tenho ainda que elaborar um comentário para o texto acerca do que é Ciência de ontem.
Obrigado pelos comentários sempre oportunos e que acrescentam ao texto,
attico chassot
Muito queridos Jairo e Nina,
ResponderExcluirrealmente os exemplos de fidelidade de animais são emocionantes.
Realmente, há que exorcizar a misoginia. Ela aparece mais que imaginamos... A criação das bruxas pelos homens se correlaciona com a não suportação destes com a capacidade das mulheres. Bem perguntas: ¿Frágil em quê?
Com estima e admiração
attico chassot
Attico,
ResponderExcluirinfelizmente este é um tema bastante recorrente na ciência. Durante milênios as mulheres foram consideradas mentes inferiores por seus pares masculinos. Aliás, esse é o tema de teu "A ciência é masculina?", uma feliz reflexão acerca da evolução das descobertas científicas, a partir da constatação de como as mulheres foram impedidas de escrever sua história durante tanto tempo. Esperemos futuros menos misogênicos, porque se a mulher foi criada de uma costela do homem, foi para que estivesse a seu lado - e não sob seus pés.
Abraços,
Abraços
Muito querido Paulo Marcelo,
ResponderExcluirrealmente a narrativa do Gêneses não é misógina: o criador tirou uma costela para fazer uma companheira. Poderia ter tirado um osso da cabeça. Fazer dela uma rainha. Todavia cedo os homes definiram que foi um osso do pé e a fizeram (ou tentaram fazer) submissa.
Para mim a invenção das bruxas é o melhor exemplo do machismo.
Como escreveu o Jair: Xô misoginia! E cuidado que misoginia se trasveste e é perigosa.
Com admiração
attico chassot
Caríssimo Attico,
ResponderExcluirno mês de maio, eu havia postado o seguinte (www.re-cantopoestico.blogspot.com):
Sentir
Compartilho da dor de todas as mulheres
Da dor da injustiça sentida em silêncio
Nas madrugadas de castigo e de solidão
Nos dias em que o mundo fica menos mundo
Choro as lágrimas de Marie, na busca insane pelo rádio
Sofro a angústia de Olga, arrastada à morte pela liberdade
Vivo a tristeza de Minerva, assassinada covardemente
Lamento a partida de Zuzu, um anjo amordaçado
Morre parte de mim na morte de cada mulher guerreira
No despedaçar de cada sonho interrompido
Morro na vida violentada sem direito à defesa
Minhas lágrimas fundem-se à lágrima feminina
Pranteada durante os anos, por toda a história
Lágrima que perdura insistente no olhar de cada mulher
Meu caro Paulo Marcelo,
ResponderExcluirmuito lindo soneto – a forma poética dada pelas musas apenas aos verdadeiros poetas – anti-misoginia.
A Marie, Zuzu, Olga, Minerva poderíamos juntar uma lista inenarrável.
Parabéns por tão harmônico
attico chassot