Ano 6 | PORTO ALEGRE | Edição 1838 |
Uma segunda-feira que, em tempos não muito distantes, seria feriado. A celebração litúrgica da assunção de Maria era (ou é) dia santo de guarda e como tal era também ‘feriado nacional’. E um feriado em segunda-feira parece mais saboroso, especialmente quando se vive o ocaso chuvoso do domingo, quando preparo esta edição. Mesmo um dia útil (ou não festivo) desejo que este seja muito fruído.
Não sei se algum de meus leitores acompanha os acessos por países que há no blogue. [Vale alertar que Portugal tem um plus de 8000 que não sei corrigir]. Pois em julho, por uns dias, surge acessos repetidos de um ignoto país: Mauritius. Não só acesso como comentários. O que faz uma diferença. É muito frequente um leitor da Islândia, por exemplo, que não imagino que seja. Eis que de Mauritius vinham comentários de um leitor (e comentarista bastante frequente). Tentei entender onde andava o meu querido amigo Prof. Guy B. Barcellos, biólogo e Mestrando em Educação em Ciências e Matemática. O Guy é também criador e curador do Museu da Natureza – Unidade de Ensino São Mateus / ULBRA, onde já fiz palestra e ministrei minicurso.
A République de Maurice ou Republic of Mauritius ou República da Maurícia ou Maurício ou Mauritius é um país do oceano Índico, constituído pelas ilhas Mascarenhas orientais (ilha Maurícia e ilha Rodrigues) e por dois arquipélagos de ilhotas mais a norte: as ilhas Cargados Carajos e Agalega.. Os seus vizinhos mais próximos são o departamento francês de Reunião, a oeste, e as Seychelles, a norte. Sua capital é Port Louis. Forma juntamente com a Líbia e com o Seychelles, o grupo de países do continente africano com Índice de Desenvolvimento Humano considerado alto. O lema do país com cerca 1,3 milhão de habitantes é Stella Clavisque Maris Indici (Latim: "Estrela e chave do Oceano Índico")
Estas informações me deixaram curioso. Assim pedi para o Guy que trouxesse para os leitores deste blogue algo mais. É com sua narrativa e com suas fotos que delicio-os agora:
Em maio deste ano meu pai, que é oceanólogo e intrépido viajante nas horas vagas ligou, me convidando para, em julho, irmos a Mauritius... Mauritius!? Meu espanto fez coro com quase todos a quem notifiquei da viagem. Que lugar é este? Onde fica? Está no mapa? Se você, leitor, sabe onde é e ao menos uma característica deste lugar faz parte de uma parcela ínfima de pessoas do (meu) mundo. A audácia do meu pai em convidar uma criatura urbana como eu para visitar uma ilha vulcânica com 2040 km2 é digna de meus agradecimentos mais comovidos. La cerise du gateau é contar como foi esta viagem neste insigne blogue, do qual sou ávido leitor e de cujo mestre rejubilo-me em elencar na galeria de meus preciosos amigos.
República de Maurício (ou Mauritius) é uma ilha de 11 milhões de anos, no Oceano Índico, próximo a Madagascar. Com pouco mais de um milhão de habitantes. Descoberta cinco anos depois de o Pedro Álvares ancorar nestas bandas, fora colônia de holandeses, daí o nome Maurício em homenagem ao van Nassau, após, por franceses e de 1814 até 1968 foi colônia dos ancestrais dos futuros filhos de William e Kate. Mas somente em 1992 livraram-se completamente da vassalagem à coroa britânica. Quem se interessar pela estimulante história deste lugar poderá erudir-se na formidável e a prova de traças “Wikypaedia”... Pois este texto versa sobre a experiência de um biólogo de museu e sala de aula em um lugar onde a natureza (é) reina.
A ilha sempre foi destino de turistas endinheirados, uma vez que somente duas linhas aéreas levavam até lá, depois de uma expansão neste segmento tornou-se mais acessível a mortais chegarem a este paraíso. O que explica minha visita...
O fato de não ter sido exaurida por turismo feroz faz do local um ambiente natural extremamente preservado. Quem quer chegar lá deverá voar até São Paulo, passando pelo maravilhoso aeroporto de Guarulhos, mais 10h até Johanesburgo e depois mais 6h até o aeroporto de Maurício. O sobrevôo por Madagascar é um show brinde. Nuvens baixas faziam os pináculos das montanhas parecerem ilhas cercadas por um mar branco. Nesta visão percebi que o belo me aguardava.
No primeiro dia peguei meu esnórquel e meus pés-de-pato e fui explorar os escólios que ficavam na praia do hotel. Minha surpresa foi tamanha que eu, sempre provido de palavras nas algibeiras, as perdi no fundo do mar. Ali, a vinte metros do hotel, exibia-se frente aos meus olhos o que classifiquei como o belo encarnado. Peixes coloridos do recife de coral desfilavam suas cores que cantavam árias da ópera da vida. Ídolos-mouriscos, moréias, peixes-donzela, peixes-borboleta, peixes-cofre, peixes-trombeta, peixes-anjo, entre outras jóias do Índico me presentearam com beleza tão esmagadora que, subitamente senti água em minha máscara, mas não eram gotas do mar.
Além dos peixes de cores que exploravam todo o espectro da luz visível encontrei ouriços verdes e róseos, estrelas-do-mar, corais verdes fosforescentes (devido à presença das algas zooxantelas) e um ser que (embaraçosamente) eu desconhecia: Vi uma imensa “lesma”, de quase 40 cm, deslocando-se em “trenzinho” com outras três lesmas. Quando as empurrei com um pedaço de coral expeliram tinta roxa... O pobre invertebrado, furibundo, tentando se proteger, me fez um show de efeitos especiais. Depois, descrevendo ao meu pai, descobri que era uma aplísia, um tipo de gastrópode marinho. Entrou para meus preferidos. Que o leitor desavisado saiba de minha confessada e desvairada paixão pelos moluscos.
Ao observar mais atentamente ao rochedo percebi estranhas “algas”, eram os peixes-leões, letalmente venenosos, realizando sua dança dos sete véus. Sabedor de que pedras não têm olhos cutuquei a rocha ocelada... Que saiu nadando furiosa! Um peixe-pedra, primo não menos venenoso do peixe-leão. Quebrei um ouriço com um fragmento de coral, suas entranhas em suspensão atraíram um cardume que obumbrou a luz do sol e me fez ainda mais feliz. Até um peixe cofre apareceu para participar da orgia alimentar que se estabeleceu dos pedaços do pobre equinodermo assassinado por mim. Era o mínimo que eu podia fazer em retribuição àqueles peixes famintos que, sem querer, me fizeram pensar que valeu a pena ter vivido para chegar até ali.
Depois do relato do mergulho, que não foi único (todos os dias pela manhã repetia a dose) quase tudo que contar aqui estará opaco. Mas tentarei envernizar com o mesmo entusiasmo. Maurício no papel fala inglês, mas os sonhos dos mauricianos são em francês e crèole, um melodioso dialeto afrancesado. Pude colocar em prática meu francês ressecado, foi uma delícia... Pelo menos para mim. A religião que predomina, e salta aos olhos, na ilha é o hinduísmo. As particularidades desta religião são notáveis, assistimos a uma cerimônia de cremação de um defunto. A céu aberto. Um estrépito! Antes de perguntar percebi que era o crânio explodindo. Em Mauritius se alguém está à beira da morte deverá se preocupar e conseguir lenha para este estranho funeral. Esta deverá ser de uma madeira especial. Interessante aspecto é o de adorarem uma trindade: Lakshmi, Shiva e Ganesh. Belos templos ornados com flores de lótus erguem-se na beira do mar.
Visitamos o belíssimo jardim botânico: Jardin de Pamplemousses; Criado há mais de dois séculos pelo botânico francês Pierre Poivre. Jamais vi palmeiras tão majestosas. O solo vulcânico, somado ao clima tropical, nos mostra toda a majestade do reino vegetal. Também tivemos a excepcional experiência de navegar a 50 metros de profundidade em um submarino. Por algumas horas pude experimentar de verdade aquilo que sempre sonhei em minha infância ao ler “20.000 Léguas Submarinas”, de Jules Verne. Sorte que em Mauritius não existem lulas-colossais...
Encerramos esta aventura visitando La Vainille, uma reserva ecológica que permite que os visitantes interajam com os jabutis-gigantes das Seychelles (ilhas vicinais)... Sim, porque os de Mauritius foram extintos. O próprio Darwin quando lá esteve avisou que isto ocorreria. As circunstâncias de sua extinção foram tão abjetas que nem valem a pena ser narradas. Tocar em um animal de 120 e alimentá-los foi como sentir a delicada eternidade da vida na Terra.
Para concluir não serei hipócrita em dizer que esta viagem me transformou. Continuo o mesmo dândi que fui, mas voltei um humano ainda mais apaixonado por este pálido ponto azul no Cosmos, como uma ostra/astro, que em seu interior esconde a pérola do Universo: a Vida.
PS: Se você for a Mauritius e encontrar um Dodô me avise, eu não avistei nenhum...
Ave Chassot,
ResponderExcluircomeçar a semana escrevendo no teu blogue é uma honra. Te agradeço, emocionado, a oportunidade!
Uma boa semana meu amigo!
Forte abraço,
Guy.
Salve Guy,
ResponderExcluirquem manifesta sua gratidão sou.
Teu texto está precioso.
Um bom tema para inaugurar a semana
attico chassot
José Carneiro escreveu de BELÉM:
ResponderExcluirMeu caro amigo prof. Chassot;
Sintetizando suas blogadas do final de semana, congratulo-me com o orgulhoso pai e avô e, principalmente, o filho do ferroviário Affonso, que tinha a mesma profissão do meu avô materno Pedro, que não conheci.
Em segundo lugar, lembro-me de quando hoje, 15 de agosto, era feriado santificado, conforme sua relembrança. Esse feriado religioso caiu, se não me engano, quando fizeram aquela "limpeza' no calendário brasileiro. Mas aqui no Pará, para sorte nossa (dos funcionários públicos e comerciários, principalmente) foi introduzido o feriado civico, comemorativo da adesão do Pará à independencia do Brasil que, por estas plagas, só ocorreu quase um ano depois do evento libertador. Curioso, não?
Um grande abraço do
José Carneiro
Muito querido amigo José,
ResponderExcluirobrigado per sintetizares emoções vividas a partir de meus relatos. Sempre me encanta quanto temos histórias comuns, mesmo vivendo em paralelos tão afastados.
Tenho um pedido, que certamente atende a desejo de muitos leitores deste blogue: um texto, de cerca de 50 linhas acerca do plebiscito sobre a tripartição ou não no Pará.
Agradeço muito
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluira descrição que o Prof. Guy faz de Mauritius é espetacular. Dá vontade da gente tomar o primeiro avião e visitá-lo. As fotos dos elementos naturais são especiais. Parabéns pela postagem de hojo.
Um abraço,
Garin
Meu caro colega Garin,
ResponderExcluirrealmente o relato do Guy é motivador. Confesso que não sabia da existência deste país tão exótico e tão importante.
Vale sonhar que um dia possamos ir a Mauritius.
Com agradecimentos
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluir"Viajei" para Illhas Mauricio com essa descrição do teu amigo. Quase ia me decepcionando quando, na última linha, ele se referiu ao pássaro Dodô. Sabemos desde crianças que esse pássaro simpático e gorducho desapareceu no século 17 com a chegada dos colonizadores ao seu hábitat, à ilha Maurício. É um dos muitos exemplos de que o Homo sapiens não tão sapiens assim... Abraços, JAIR.
Muito estimado Jair,
ResponderExcluirque bom que muitos de nós possamos ter ido com o Prof. Guy a Mauritius.
Também para mim foi ‘um voo por ares e mares’ nunca dantes navegados.
Obrigado por aditares algo acerca do Dodô.
Com admiração
attico chassot
Mestre Chassot,
ResponderExcluirFico encantado com a descrição que meu querido ex-professor, Guy Barcellos, fez a respeito da belíssima república de Maurício. Realmente é um lugar paradisíaco com sua fauna aquática rica com diversos animais encantadores subaquáticos. É Indubitável que o talento de ensinar e escrever é inerente a este homem.
Um forte abraço Chassot,
Henrique Dias - São Mateus.