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terça-feira, 18 de maio de 2010

18* As lágrimas do juiz Garzón são hoje as nossas lágrimas

Porto Alegre Ano 4 # 1384

Paralelo à dica de leitura de O retorno’ ambientada na Guerra Civil Espanha, postada aqui no último sábado, houve uma dolorosa reviravolta processual. Comentava acerca dos milhares de mortos havidos então, e contava que se buscava julgar os culpados. Dizia que, agora, sob o governo do primeiro-ministro socialista José Luis Rodrígues Zapatero, cujo avô foi executado por franquistas, uma nova Lei da Memória Histórica foi aprovada em outubro de 2007. O ‘pacto de olvido’ ou 'o pacto do esquecimento', está(va) finalmente sendo quebrado. Mas, a direita consegue barrar o processo.

O juiz mais famoso da Espanha e um dos mais prestigiosos de todo o mundo, Baltazar Garzón construiu sua carreira com base na defesa da justiça universal e na investigação e condenação de crimes como os 114 mil desaparecidos da Guerra Civil (1936-1939) e os primeiros anos da ditadura do general Francisco Franco (1939-1975). Na última sexta-feira cumpriu-se uma decisão: afastá-lo das investigações.

O escritor português José Saramago disse, a propósito, que "as lágrimas do juiz Garzón são hoje as minhas lágrimas", ao comentar a decisão da Justiça espanhola de afastar o magistrado indiciado por investigar crimes da época da ditadura franquista. "Há anos, tomei conhecimento de uma notícia que foi uma das maiores alegrias da minha vida: a acusação a Pinochet. Este meio-dia recebi outra notícia, esta das mais tristes e desesperançadas: que quem se atreveu com os ditadores foi afastado da magistratura pelos seus pares", afirma o escritor, em texto publicado no sítio da Fundação José Saramago.

O Conselho Geral do Poder Judiciário Espanhol (CGPJ) suspendeu o juiz de suas funções na última sexta-feira, dia 14, por querer investigar crimes anistiados da guerra civil espanhola e da ditadura franquista.

"Com o afastamento de Garzón, os sinos, depois do repique a glória que farão os falangistas, os implicados no caso Gürtell, os narcotraficantes, os terroristas e os nostálgicos das ditaduras, voltarão a dobrar a finados, porque a justiça e o estado de direito não avançaram, nem terão ganho em transparência e quem não avança, retrocede", escreveu Saramago, referindo-se a uma história segundo a qual um camponês de Florença, durante a Idade Média, fez dobrar os sinos a finados porque, dizia, a justiça tinha morrido.

"Dobrarão a finados, sim, mas milhões de pessoas sabem reconhecer o cadáver, que não é o de Garzón, esclarecido, respeitado e querido em todo o mundo, mas o daqueles que, com todo o tipo de argúcias, não querem uma sociedade com memória, sã, livre e valente."

Nascido em 26 de outubro de 1955, Garzón é o segundo dos cinco filhos de Ildefonso Garzón e María Real. Ele estudou no seminário de Baeza até os 16 anos, quando abandonou para estudar Direito na universidade de Sevilla, onde estava durante o fim da ditadura franquista.

Em seu livro "Um mundo sem medo", Garzón conta, em forma de cartas a seus três filhos, que era um adolescente tímido e com "medo de chamar a atenção". Em 1981, ingressa para a carreira de juiz que o tornaria famoso.

Ele entrou para a Audiência Nacional, a mais alta instância judiciária espanhola como titular do Juizado de Instrução Número 5, e colocou no banco de réus banqueiros, policiais, políticos, terroristas e fraudadores.

Em junho de 1990, lançou a Operação Nécora, que marcou o início de uma época de grandes. Também lançou uma guerra contra o tráfico de drogas cujo alvo era a própria Unidade Central de Entorpecentes da Guarda Civil. Há ainda a batalha judicial contra o GAL, o grupo que desenvolveu a guerra suja contra a ETA, entre 1983 e 1987, e cujo julgamento levou à prisão do ex-ministro do Interior José Barrionuevo e o ex-secretário de Estado Rafael Vera.

Nos últimos anos, lançou uma campanha pelas grandes causas humanitárias e a justiça internacional. Ele foi decisivo na luta contra o grupo separatista terrorista ETA, com uma estratégia de destruir a ala financeira do grupo e seus apoiadores. Em alguns anos, Garzón fechou o jornal "Egin", prendeu os membros do grupo coordenador KAS e seu sucessor Ekin, e ampliou o cerco contra o aparato internacional do ETA. Em 2002, suspendeu as atividades do Batasuna, antecipando o Supremo Tribunal Federal, que preparava a proibição do partido nacionalista pela aplicação da Lei dos Partidos Políticos.

Em 1998, determinou a prisão do ex-ditador Augusto Pinochet em Londres, após aproveitar uma nova acusação para se apropriar do caso do Juizado de Número 6.

Garzón também se dedicou a guerra contra o terrorismo e, em 2003, decretou ordem de detenção contra o líder da rede terrorista Al Qaeda, Osama bin Laden.

O estilo um tanto ousado do juiz atraiu ainda o apoio dos investigadores, que viram nele um aliado em causas normalmente sem apoio no Judiciário.

Em 2008, em mais um processo típico de sua carreira, Garzón tentou realizar uma investigação sobre os 114 mil desaparecidos da Guerra Civil (1936-1939) e os primeiros anos da ditadura do general Francisco Franco (1939-1975).

O juiz, contudo, não tinha competência para isso e teria ignorado a lei de Anistia decretada em 1977, em meio ao processo de reconciliação da Espanha.

Três organizações consideradas de extrema direita – Mãos Limpas, Falange Espanhola e Liberdade e Identidade – abriram processo contra o juiz. Até a tentativa de investigação de Garzón, nunca houve nenhuma avaliação formal das atrocidades cometidas durante a guerra e a ditadura.

Garzón foi indiciado no mês passado pela Suprema Corte, que rejeitou nesta semana as últimas apelações que poderiam ter poupado o juiz de ir ao tribunal nos próximos meses. Quando as apelações acabaram, ele foi suspenso de suas funções.

Mesmo inevitável, muitos na Espanha estão tratando a suspensão como mais importante e devastadora que qualquer veredicto que possa ser dado em julgamento.

Nesta semana, Garzón pediu uma licença de seu cargo na Audiência Nacional para que pudesse aceitar um trabalho na Corte Internacional de Haia. Não se sabe se ele poderá cumprir a função agora que foi suspenso na Espanha.

Na saída do CGPJ, Garzón foi recebido por apoiadores entusiasmados, que gritavam seu nome e o aplaudiam. Ele chegou a abraçar alguns colegas de trabalho antes de entrar em uma limusine e ir embora.

Quando se volta a usar violência para encobrir crimes, unamo-nos a Saramago para dizer que as lágrimas do juiz Garzón são hoje as nossas lágrimas. Uma produtiva terça-feira a cada uma e cada um. Lemo-nos, talvez, amanhã.

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