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sábado, 8 de maio de 2010

08* Hipácia na Ágora

Porto Alegre Ano 4 # 1372

Abro a edição sabatina com um comentário da noite de sexta-feira, pois ela se inclui nesse shabath que vivemos, Já era quase 01h quando a Gelsa e eu encerrávamos um gostoso estar juntos com nossas duas hóspedes Silvia Rivera e Esther Diaz, as
filosofas argentinas que tendo vindo para o VII AFHIC – central aqui na semana que passou – estendendo conosco sua esta no Brasil. Mesmo que possa parecer exagero, já inauguramos ontem a noite a lareira 2010, o que pareceu adequado quando esta manhã se noticiava que na Serra Gaúcha essa madrugada as temperaturas se aproximaram do 0ºC. Jantamos junto a lareira em uma conversa envolvendo aquilo que estudamos. Hipácia que será central a seguir esteve muito presente. Esta manhã vamos ao Museu Iberê Camargo. A foto registra um momento do encontro.

Feito o registro social, um pedido de escusa aos meus leitores. Hoje a usual dica de leitura terá uma proposta diferente. Essa decorre do convite que está a seguir– lamentavelmente, na prática, extensivo apenas a meus leitores de Porto Alegre aos quais o Centro Universitário Metodista - IPA é acessível fisicamente.

Assim, hoje a dica de hoje ao invés de um livro é de um filme: Ágora.

A Ágora era a praça principal das antigas cidades gregas, local em que se instalava o mercado. Esta muitas vezes servia para a realização das assembléias do povo; formando um recinto decorado com pórticos, estátuas, era também um centro religioso.

Ágora é aqui título de um filme espanhol dirigido por Alejandro Amenábar, lançado na Espanha, em 9 de outubro de 2009. O filme é estrelado por Rachel Weisz e Max Minghela e relata a história da filósofa Hipácia, que viveu em Alexandria, no Egito, entre os anos 355 e 415, época da dominação romana. Durante o relato, a história apresenta uma licença romântica, incluindo uma ligação entre Hipácia e um de seus escravos.

Alejandro Amenábar (Santiago, 31 de Março de 1972) é um cineasta espanhol nascido no Chile. Radicado em Madrid desde 1973. Faz estudos de Imagem, estreando-se na realização com La Cabeza (1991), filme premiado na Asociación Independiente de Cineastas Amateurs. Abre los ojos (1997) reúne junto da crítica e do público um consenso muito positivo. Depois de Los Otros (2001) protagonizado por Nicole Kidman, filme com Javier Bardem, Mar Adentro (2004) filme galardoado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro

Única personagem feminina do filme, Hipácia ensina filosofia, matemática e astronomia na Escola de Alexandria, junto à Biblioteca. Resultante de uma cultura iniciada com Alexandre Magno, passando depois pela dominação romana, Alexandria é agitada por ideais religiosos diversos: o cristianismo, que passou de religião intolerada para religião intolerante, convive com o judaísmo e a cultura greco-romana.

Hipácia tem entre seus alunos Orestes, que a ama, sem ser correspondido, e Sinésius, adepto do cristianismo. Seu escravo Davus também a ama, secretamente. Hipácia não deseja casar-se, mas se dedica unicamente ao estudo, à filosofia, matemática, astronomia, e sua principal preocupação, no relato do filme, é com o movimento da terra em torno do sol.

Mediante os vários enfrentamentos entre cristãos, judeus e a cultura greco-romana, os cristãos se apoderam, aos poucos, da situação, e enquanto Orestes se torna prefeito e se mantém fiel ao seu amor, o ex-escravo Davus (que recebeu a alforria de Hipácia) se debate entre a fé cristã e a paixão. O líder cristão Cirilo domina a cidade e encontra na ligação entre Orestes e Hipácia o ponto de fragilidade do poder romano, iniciando uma campanha de enfraquecimento da influência de Hipácia sobre o prefeito, usando as escrituras sagradas para acusá-la de ateísmo e bruxaria.

Na história é recordada por ser uma defensora da ciência contra a religião sendo a sua morte referida como um marco do fim do período helenístico.Em meu livro A Ciência é Masculina? É, sim senhora! escrevo Quando se fala na presença de nomes de mulheres na Ciência, o primeiro o nome que surge destacado e isolado é o da matemática neo-platônica Hipácia [Opto pela grafia Hipácia, mesmo quando em português se encontre Hipátia, mais por influência do inglês Hypatie ou do francês Hypatie] (370-415) que trabalhava na Biblioteca de Alexandria e assassinada por uma turba de monges cristãos instigados por religiosos fanáticos. Ela aparece como uma estrela feminina quase solitária numa galáxia masculina, em toda a História da Ciência do mundo antigo, no medieval e mesmos nos primeiros séculos dos tempos modernos. Margaret Alic [(1990, p. 41) ALIC, Margareth. Hypathias’s heritage. A history of women in science from antiquity to the late nineteenth century. London: The Women’s Press.1990. ISBN 0-7043-3954-4.]

diz que Hipácia, devido às circunstâncias históricas que cercaram sua morte, no ocaso do Império Romano, é uma pessoa que divide a sociedade em duas partes: aqueles que a vêem como um oráculo de luz e os que têm nela uma emissária das trevas. Qualquer que seja a leitura, ela está solitária em um quase vácuo feminino nas produções da Ciência por cerca de mil anos, numa leitura mais reducionista da Idade Média [Em outro texto (Des)construído a Ciência se mostra uma significativa produção científica (masculina) no medievo]. Hipácia – assim como todas as demais cientistas citadas neste texto ou aquelas referidas em qualquer livro de História da Ciência, com significativas contribuições ao desenvolvimento do conhecimento –, não está presente na lista The One Hundred [The One Hundred: a Ranking of the Most Influential Persons in History. (London: Simon & Schuster, 1996)], onde há apenas duas mulheres, ambas importantes como rainhas.

Além de Hipácia, há muitos nomes de mulheres que tiveram destaque por contribuições muito significativas, mas estes só vamos encontrar, mas diferentes áreas, a partir do Século 18, também como decorrência do Iluminismo, mesmo que seu monumento maior em termos da construção do conhecimento – a Enciclopédia – seja uma construção marcadamente masculina”. No mesmo livro tem uma biografia um pouco mais extensa de Hipácia, donde transcrevo: “[...]Cirilo começa a perseguição aos neoplatônicos. Hipácia não aceita abandonar suas idéias e converter-se ao cristianismo. Isso foi fatal. A descrição de sua morte, apresentada por Alic (1990, p. 45), baseado em um relato do escritor Sócrates Scholasticus, do século 5º, é dramática: “Todos homens tinham admiração pela modéstia de sua inteligência. Todavia ela granjeara a maledicência e a inveja, pois era muito amiga de Orestes. Para o povo ela era a culpada pela inimizade que existia entre o Prefeito e o Patriarca. Para ser breve no que houve: um número incerto de uma impetuosa e irrefletida turba, cujo guia e comandante era Pedro, um leitor da igreja, esperou esta mulher quando vinha de um lugar para outro, tiraram-na de sua carruagem e a apedrejaram em uma igreja chamada Cesarion, arrebentaram suas roupas e a deixaram completamente nua; arrancaram sua pele e rasgaram suas carnes com conchas afiadas, até que a vida partiu de seu corpo; então, a esquartejaram e levaram seu corpo em pedaços até uma praça chamada Cinaron e queimaram até restar cinzas”. Isso foi em 415 e a infâmia cobriu não somente Cirilo, mas toda a Igreja de Alexandria. Não há duvidas o quanto a intolerância religiosa fez, então, mais uma mártir. Não conheço biografias mais completas de Hipácia. Margaret Alic (1990) traz informações muito preciosas. Parece oportuno citar um texto de Hermínio C. MIRANDA Guerrilheiros da intolerância (Niterói : Lachâtre, 1997) onde há um capítulo intitulado: Hipácia, a bela filósofa de Alexandria. É preciso referir que se trata de uma obra psicografada, reservando ao leitor sua avaliação sobre a validade da mesma.

Encerro essa edição com um breve comentário acerca de uma pintura que pretendo trazer mais extensamente, em outra blogada: A Escola de Atenas (Scuola di Atenas no original) é uma das mais famosas pinturas do renascentista italiano Rafael Sanzio e representa a Academia de Platão. Foi pintada entre 1509 e 1510 na Stanza della Segnatura sob encomenda do Vaticano. A obra é um afresco em que aparecem ao centro Platão e Aristóteles. Platão segura o Timeu e aponta para o alto, sendo assim identificado com o ideal, o mundo inteligível. Aristóteles segura a Ética e tem a mão na horizontal, representando o terrestre, o mundo sensível.


A imagem tem sido muitas vezes vista como uma perfeita encarnação do

espírito da Alta Renascença. Em A Escola de Atenas, Rafael pintou os maiores estudiosos antigos como se fossem amigos que discutiam e desenvolviam as formas de pensar e de refletir a filosofia em si. Segundo o estudioso Fowler, o título do afresco era Causarum Cognitio e que somente após o século XVII passou-se a ser conhecido como A Escola de Atenas. Nesse quadro que reproduzo aparece Hipácia.

Permito-me ainda contar que no meu gabinete de trabalho tenho dois vitrais. Em homenageio Hipácia e no outro Giordano Bruno. A essa trazida adito votos de um bom sábado e antecipo cumprimento às mães, pelo seu dia amanhã.


7 comentários:

  1. Inesquecível Chassot,
    Apreciei muito a dica do livro Ágora, rque relata a história de Hipácia.
    Desejo a Gelsa e toda sua família um dia das mães muito especial e aconchegante(lareira, hein?)

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  2. Muito querida colega Joélia,
    obrigado pelos votos que fazes a Gelsa pelo dia das Mães. Realmente Ágora é muito impressionante. Vale ver.
    A lareira marcou uma gostosa prévia do inverno.
    Queria antecipar-me aos votos que farei no blogue e te fazer as melhores e mais merecidas homenagens pelo dia das Mães.
    Com saudades um afago do
    attico chassot

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  3. Prof Chassot

    A indicação do livro parece bem interessante, acredito poder tirar muito proveito para minha futura profissão Assiste Social, não deixarei de vê-lo.
    Muito obrigada e até breve...

    Abraços,

    Alessandra - UNOPAR Araxá(MG)

    23 de maio de 2010 11:57

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  4. Oi Professor,

    Certamente buscarei assistir este filme, lembrando que tu fizeste-me a gostar de Giordano Bruno, cujo filme já assisti diversas vezes.

    Geziel

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  5. Meu caro Geziel,
    vais apreciar a história (romanceada) de Hipácia e, Ágora.
    Com admiração
    attico chassot

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  6. Prezado Professor,

    Mais uma vez sua sugestão de vídeo transcendeu toda minha perspectiva. Assim, duas coisas consegui enxergar na narrativa deste filme, a religião sempre esteve presente com a ciência, obviamente que nem sempre bem concatenadas, provavelmente devido ao fundamentalismo de ambas e quão extraordinária foi/é a teoria geocêntrica de Claudius Ptolomeu.Consegui também relacionar Hipácia com Maria Skodowska Curie, em termos da inquietação que a busca da construção do conhecimento cientifico (pesquisa),proporciona ao pesquisador.Obrigado pela diga,certamente tal filme fará parte de minhas mostras.

    Abraçando

    Geziel Moura

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  7. Meu caro Geziel,
    fico feliz teres gostado de ‘Ágora”. Ainda esta tarde aqui em Brasília referi o filme em mini-curso que dei, no XV ENEQ. Há aqueles (de fé espírita) que dizem que Giordano Bruno seja uma reencarnação de Hipátia. Eu tenho em meu gabinete, antes de saber disso, dois pequenos vitrais de uma e outro. São meus ícones.
    Desejo que esta adesão a tua filmoteca seja preciosa.
    A amizade e admiração do
    attico chassot

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