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sábado, 14 de abril de 2012

14.- PARADOXO: SÁBADO LINDO X DICA DE LEITURA AMARGA



Ano 6***  www.professorchassot.pro.br  ***Edição 2082
Depois da lamurienta blogada de ontem, com tão estimulantes retornos de leitores, trago neste bonito sábado outonal uma dica de leitura diferente.
Talvez, ter nesta quarta-feira comentado a renuncia do Presidente da Hungria por plágio e falado no dia seguinte do sofrido médico húngaro Semmelweis hoje está aqui outro magiar Imre Kertész — laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2002 que escreveuKadish por uma criança não nascida, um monólogo monumental no qual o escritor B. responde com um dramáticonão” a pergunta se tem filhos, fundamentando a sua negação de reproduzir vida após Auschwitz.
KERTÉSZ, Imre. Kadish por uma criança não nascida Rio de Janeiro: Imago, 2002, 132 p, Tradução (do húngaro) Raquel Abi-Sâmara. ISBN 85-312-0437-2.
A recomendação de Kadish por uma criança não nascida, feita hoje em nossa usual dica sabática recebe, preliminarmente, uma classificação: tipo ‘fel e vinagreem oposição aos clássicos romances ditoságua com açúcar’; estes eram aqueles em que tudo dava certo e o herói era um exemplo de boas ações e de sucesso. Seu autor Imre Kertész tem em português outro livro nesta categoria: ‘Liquidação’ [São Paulo: Cia. das Letras, Coleção Prêmio Nobel, 2003, 106 p, Tradução do húngaro de Paulo Schiller. ISBN 85-359-0758-0]
Há razões, para evocar aqui Liquidação’ e dizer que este também é um livro amargo, talvez, uma melhor classificação: funéreo. Kadish ou cadish é o nome em hebraico, que os de fé judaica dão à prece especial dita regularmente nas rezas cotidianas e em enterros em memória aos entes falecidos, onde se dá ênfase à glorificação e santificação do nome de Deus e a memória daquele por quem se está enlutado. Geralmente é realizado pelos filhos ou parentes próximos do falecido nos 11 meses após a morte até a inauguração do túmulo (descoberta de matzeiva).
Imre Kertész é um escritor húngaro, nascido em Budapeste em 1929, que aos 15 anos foi levado ao campo de concentração de Auschwitz e depois ao de Buchenwald. Quando libertado voltou à Hungria, onde trabalhou como jornalista e tradutor das obras de Nietzsche, Wittgenstein, Joseph Roth, Elias Canetti e Freud. Kertész foi laureado com prêmio Nobel de literatura em 2002. Na sua obra não sonega o seu judaísmo e especialmente sua passagem pelos campos de concentração nazistas e neste livro a barbárie que foi Auschwitz é questionada com frequência no texto aqui resenhado.
O livro todo é um extenso e artisticamente ramificado monólogo do escritor B., bastante anoso, que comenta seu solene não dado à pergunta ‘O senhor tem filhos?’ feita por um amigo, enquanto caminhavam nos jardins de uma casa de repouso. Na busca de explicações a essa resposta incisiva, com continuadas e repetidas introspecções à sua vida passada, o autor nos leva a percorrer 125 páginas sem divisão de capítulos e com parágrafos que se estendem por várias páginas.
 Desta descrição se pode inferir que se trata de um livro pesado. É um livro que não prende, e isso não quer dizer que não seja bom. Não é sem razão que, mesmo quando se intrometem outras leituras no meio – e como isso é frequente em nossa voracidade de ler –, quando retomamos a nossa récita do Kadish, parece que nos associamos às cruentas e filosóficas lamurias do sofrido B. Essas reflexões mudam de tom e de compasso quando o narrador relembra a então ainda futura, mas no momento outrora mulher.
 Um escritor, que viveu o Holocausto, dá o enfático não a pergunta acerca de ter filhos fundamentando a sua negação de reproduzir vida após Auschwitz. Mesmo que o tenha classificado na categoriafel e vinagre’ recomendo enfaticamente aos leitores deste blogue. Afinal não é sem razão que críticos classificaram Kadish por uma criança não nascida como “angustiosamente belo e necessário”.
Adito ainda votos que o sábado seja parte de um gostoso fim de semana. Lemo-nos na domingueira.
Este texto é adaptado de uma publicação que fiz em 2006 em www.letraselivros.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=419&Itemid=6

5 comentários:

  1. respondi o post anterior.
    Att.
    Eunice

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  2. Professor,

    Gostei da dica. Grande abraço.


    Felipe

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    1. Muito caro amigo Felipe,
      há quem poderá questionar a manchete do blogue sabático:
      14.- PARADOXO: SÁBADO LINDO X DICA DE LEITURA AMARGA.
      Errei na previsão e o sábado não é lindo!. ¿Talvez?
      Quando ouvi, na madrugada, o cadenciar da chuva a vivi mais como uma cantiga de ninar e não que ela pudesse estragar o dia de meus amigos (moto)ciclistas.
      Quando sei que esta manhã chove em todo Rio Grande do Sul e acredito que a manchete é válida, mesmo que dificulte pedalares.
      attico chassot

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  3. Caro Chassot,
    Embora para os padrões brasileiros eu leia muito, em torno de setenta livros por ano (livros em torno de 300 páginas cada um), tenho vontade de fazer uma lista dos livros que ainda não li mas pretendo ler. Esse é um deles, não sei quando vou topar com ele numa prateleira ou num saite de vendas, mas entra na minha lista e passa a ser objeto de desejo. Abraços livrescos, JAIR.

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  4. Caro Chassot,
    hoje foi dia de aula, com te adiantei ontem e, mesmo que quisesse, não teria tempo suficiente para uma esticada de moto. Entretanto, classificar um dia de chuva como um "lindo dia" não está errado: afinal de contas, temos vivido, aqui por esses recantos riograndenses, em securas e abafamentos. Um dia de chuvas é um lindo dia. Tua dica de leitura é muito interessante e nos remete outra vez à reflexão sobre as marcas das atrocidades de Auschwitz.
    Neste apagar de sábado, um abraço,

    Garin

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