Ano
6*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2082
Depois da lamurienta blogada
de ontem, com tão estimulantes retornos de leitores, trago neste bonito sábado outonal
uma dica de leitura diferente.
Talvez, ter nesta
quarta-feira comentado a renuncia do Presidente da Hungria por plágio e falado
no dia seguinte do sofrido médico húngaro Semmelweis hoje está aqui outro
magiar Imre Kertész — laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2002 que escreveu ‘Kadish por uma criança
não nascida ’,
um monólogo
monumental no qual
o escritor B. responde com um dramático “não ”
a pergunta se tem filhos ,
fundamentando a sua negação
de reproduzir vida
após Auschwitz.
KERTÉSZ, Imre. Kadish por
uma criança não
nascida Rio
de Janeiro : Imago, 2002, 132 p, Tradução (do húngaro ) Raquel
Abi-Sâmara. ISBN 85-312-0437-2.
A recomendação de Kadish por uma criança não nascida, feita
hoje em nossa usual dica sabática recebe, preliminarmente, uma classificação: tipo
‘fel e vinagre ’
em oposição
aos clássicos romances
ditos ‘água
com açúcar ’;
estes eram aqueles
em que
tudo dava certo
e o herói era
um exemplo
de boas ações e de sucesso .
Seu autor Imre Kertész tem em português outro livro nesta categoria: ‘Liquidação’
[São Paulo: Cia . das Letras , Coleção
Prêmio Nobel, 2003, 106 p, Tradução
do húngaro de Paulo Schiller. ISBN 85-359-0758-0]
Há razões, para evocar aqui Liquidação’ e dizer que este também
é um livro
amargo, talvez, uma melhor classificação: funéreo. Kadish ou cadish é o nome em hebraico, que os de fé judaica dão à prece especial dita
regularmente nas rezas cotidianas e em enterros em memória aos entes falecidos,
onde se dá ênfase à glorificação e santificação do nome de Deus e a memória daquele
por quem se está enlutado. Geralmente é realizado pelos filhos ou parentes
próximos do falecido nos 11 meses após a morte até a inauguração do túmulo
(descoberta de matzeiva).
Imre Kertész é um escritor húngaro , nascido em Budapeste em
1929, que aos 15 anos
foi levado ao campo
de concentração de Auschwitz e depois ao de Buchenwald. Quando
libertado voltou à Hungria, onde
trabalhou como jornalista
e tradutor das obras de Nietzsche,
Wittgenstein, Joseph Roth, Elias Canetti e Freud. Kertész foi laureado com prêmio Nobel de literatura em 2002.
Na sua obra
não sonega o seu
judaísmo e especialmente
sua passagem
pelos campos
de concentração nazistas
e neste livro a barbárie
que foi Auschwitz é questionada com frequência no texto
aqui resenhado.
O livro todo
é um extenso
e artisticamente ramificado monólogo do escritor B., já
bastante anoso, que
comenta seu solene
não dado à pergunta ‘O senhor tem filhos ?’ feita por um amigo , enquanto caminhavam nos
jardins de uma casa
de repouso . Na busca
de explicações a essa resposta incisiva ,
com continuadas e repetidas introspecções à sua
vida passada ,
o autor nos
leva a percorrer
125 páginas sem
divisão de capítulos
e com parágrafos
que se estendem por
várias páginas .
Desta descrição
se pode inferir que
se trata de um
livro pesado. É um
livro que
não prende, e isso
não quer
dizer que não seja bom . Não é sem razão que , mesmo quando se
intrometem outras leituras no meio – e como isso é frequente em
nossa voracidade
de ler –, quando
retomamos a nossa récita
do Kadish, parece que nos associamos às cruentas e filosóficas lamurias do
sofrido B. Essas reflexões mudam de tom e de compasso
quando o narrador relembra a então ainda futura , mas no momento já outrora mulher .
Adito ainda votos que o sábado seja parte de um gostoso fim de semana. Lemo-nos
na domingueira.
Este texto é adaptado de uma publicação que fiz em 2006 em www.letraselivros.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=419&Itemid=6
respondi o post anterior.
ResponderExcluirAtt.
Eunice
Professor,
ResponderExcluirGostei da dica. Grande abraço.
Felipe
Muito caro amigo Felipe,
Excluirhá quem poderá questionar a manchete do blogue sabático:
14.- PARADOXO: SÁBADO LINDO X DICA DE LEITURA AMARGA.
Errei na previsão e o sábado não é lindo!. ¿Talvez?
Quando ouvi, na madrugada, o cadenciar da chuva a vivi mais como uma cantiga de ninar e não que ela pudesse estragar o dia de meus amigos (moto)ciclistas.
Quando sei que esta manhã chove em todo Rio Grande do Sul e acredito que a manchete é válida, mesmo que dificulte pedalares.
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirEmbora para os padrões brasileiros eu leia muito, em torno de setenta livros por ano (livros em torno de 300 páginas cada um), tenho vontade de fazer uma lista dos livros que ainda não li mas pretendo ler. Esse é um deles, não sei quando vou topar com ele numa prateleira ou num saite de vendas, mas entra na minha lista e passa a ser objeto de desejo. Abraços livrescos, JAIR.
Caro Chassot,
ResponderExcluirhoje foi dia de aula, com te adiantei ontem e, mesmo que quisesse, não teria tempo suficiente para uma esticada de moto. Entretanto, classificar um dia de chuva como um "lindo dia" não está errado: afinal de contas, temos vivido, aqui por esses recantos riograndenses, em securas e abafamentos. Um dia de chuvas é um lindo dia. Tua dica de leitura é muito interessante e nos remete outra vez à reflexão sobre as marcas das atrocidades de Auschwitz.
Neste apagar de sábado, um abraço,
Garin