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sábado, 26 de junho de 2010

26.- Niketche: uma história de poligamia

Porto Alegre Ano 4 # 1423

Manhã chuvosa a deste primeiro sábado de inverno em Porto Alegre. Às 07h ainda era noite fechada. A foto é das 7h30min, com mais uma chuvarada se aproximando.

Na leitura dos jornais ao chimarrear, a Gelsa e eu nos emocionamos com o relato do médico gaúcho Milton Paulo de Oliveira, que integrou missão humanitária no Congo. Ali conheceu Denis Mukwege, que falará no ‘Fronteira do pensamento’ na próxima segunda-feira. Vale ler no caderno Cultura de Zero Hora de hoje ‘Um Quixote no coração da África.’

Nesses dias de Copa do Mundo, talvez até fugindo do anestesiar extenso que se abate sobre muitos, o futebol pode ser mote para algo mais. Não sem razão que pelo menos dois grandes órgãos da imprensa brasileira tenham na África, entre centenas de jornalistas (alguns campeões em dizer tolices), nomes das letras como Luis Fernando Veríssimo e Pascoale Cipro Neto.

L. F. Veríssimo conta na Zero Hora de ontem que “O Mario Quintana dizia que as guerras eram métodos práticos de se aprender geografia. Lugares dos quais jamais se ouvira falar ficavam famosos, e entravam para a História, por serem os locais de batalhas decisivas. Nada de muito importante aconteceu em Waterloo antes ou depois da derrota do Napoleão, mas seu nome não só nunca será esquecido como faz parte da linguagem simbólica de todo o mundo. As seleções do Brasil e de Portugal disputando o primeiro e o segundo lugares na sua chave não decidirão os destinos da humanidade, mas Durban ficará na história das nossas participações na Copa e na nossa história pessoal para sempre, como aquele lugar em que... Em que o quê? Hoje saberemos. De qualquer jeito, aconteça o que acontecer em Durban, teremos tido uma lição de geografia sem guerra.”

Mesmo não estando entre o seleto grupo que, num juízo simplíssimo ‘ganham para fazer o que nós outros pagamos para fazer’, todos nós viajamos, a cada quatro anos, nas copas do mundo. Assim aprendemos que em Durban e marcadamente portuguesa em sua colonização e que o grande poeta Fernando Pessoa aí viveu parte de sua infância e adolescência. Escrevo isso, em um sábado que aqui dia de dica de leitura.

Lembro-me de minha primeira resenha no Leia Livro, um sítio da Secretária de Estado da Cultura de São Paulo. Era um espaço de dimensões nacionais, aberto e interativo para o encontro de pessoas interessadas em livros. Começou em novembro de 2003 e finou-se, a cerca de dois anos.

O que tem a África com isso? Na noite de 8 de agosto de 2004, recebi de José Luiz Goldfarb uma destas mensagens que usualmente vão para a lixeira sem ler. Salvou-a conhecer o remetente: O site www.leialivro.com.br lançou uma nova promoção: o Clube do Leitor. Agora você pode ganhar livros novos publicando as suas sugestões de leitura no site. Funciona assim: você envia uma resenha pelo Leia Livro e se o seu texto render um boletim na Rádio Cultura, nós te mandamos um livro novo. Todas as semanas, a Rádio Cultura transmite sete novos boletins com sugestões dos participantes do Leia Livro.

No dia seguinte recebi esta mensagem: Olá! Meu nome é Fernanda e sou editora do site Leia Livro, o qual recebeu sua resenha. Sua dica foi escolhida para se tornar um boletim na rádio Cultura.

Havia seguido a sugestão e fiz uma resenha de Niketche: uma história de poligamia que recém lera. O lindo romance de uma escritora moçambicana, Paulina Chiziane - uma negra de origem humilde, nascida em 1955 - foi minha resenha de estréia no Leia Livro e comecei sorte. Nos meses seguintes publiquei 76 resenhas nesse sítio. Mais da metade delas foram radiofonizados rendendo-me cada uma preciosos livros.

Não conheço o sul da África. Já estive em três países africanos (Marrocos, Egito e ). Estive por algumas horas no aeroporto de Johanesburgo, rumo a Tailândia e Singapura. Assim quando nos últimos dias nossos conhecimentos de África e especialmente do país que se apossou do nome da região para fazer o nome de seu país e do gentílico, quero trazer algo do muito que aprendi da África em livros. Assim a dica de leitura sabatina é Niketche: uma história de poligamia

CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma historia de poligamia, São Paulo: Companhia das Letras, 2004, 337 p, ISBN 85-359-0471-9.

Niketche, quarto livro da primeira mulher de seu país a publicar um romance, retrata com uma realidade tragicômica a situação da mulher em Moçambique e as consequências do silenciamento imposto pelas igrejas cristãs europeias e brancas às culturas africanas, especialmente aquelas de educação sexual das mulheres. A autora nos faz mergulhar numa realidade de multicultural que nos é muito distante. O texto é escrito em um português moçambicano que faz leitura muito agradável, resgatando dimensões de um feminismo que a colonização européia apagou.

Em Niketche há a recuperação, com uma linguagem de exuberante lirismo, de histórias mantidas por uma tradição oral de diferentes regiões de Moçambique, país com dez grupos étnicos principais, detentores de culturas diferenciadas que têm nas relações entre homens e mulheres marcas de tradições muito fortes, nas quais a poligamia é um costume arraigado.

Acerca desse livro, Daizy Stepansky, Doutora em Comunicação e Sociedade e professora da UFF, escreveu:

Niketche é uma dança de iniciação sexual feminina de Zambézia e Nampula, Norte de Moçambique. Paulina Chiziane, a autora, é de Manjacaze, província de Gaza, Sul de Moçambique e, num país em que literatura é atividade predominantemente masculina, faz sucesso como escritora. Já publicou: A balada de amor ao vento (1990), Ventos do Apocalipse (1995) e O sétimo juramento (1999). Ela trata de temas femininos ambientados na cultura africana.

Este romance conta a história de Rami, sulista, cristã, bom nível social e cultural, com cinco filhos, casada há 20 anos com Tony, também educado e alto funcionário da polícia. Rami desconfia que seu marido tem outra mulher. Investiga e descobre que ele tem não apenas uma, mas cinco outras mulheres e muitos filhos. Procurando cada uma destas famílias, ela mergulha em outros mundos, dentro de seu país, nos quais as culturas tribais e as práticas tradicionais, como a poligamia e os rituais amorosos e eróticos, mantêm sua força e convivem com costumes de culturas hegemônicas, americanas e européias.

[...]

Racionalidade e misticismo, Europa e África, instituições ocidentais e ritos tribais se entrelaçam numa trama enriquecida com cores tropicais e temperada com as receitas picantes de diferentes rituais ancestrais de iniciação sexual, mandingas várias para prender homens, para engravidar, para não engravidar etc. Propriedade privada e herança convivem com antigas práticas, como o dote, ou a kutchinga, cerimônia de purificação sexual da viúva, realizada por um parente do marido morto.

A África arcaica é descrita com um misto de estranhamento cristão e nostalgia. O supostamente moderno casamento ocidental é marcado por relações tradicionais, pela dominação masculina, pela desvalorização da mulher, por um sem-número de violências cotidianas, banalizadas e já incorporadas às novas relações institucionais. ''A pureza é masculina, e o pecado é feminino. Só as mulheres podem trair; os homens são livres. Os homens devem desconfiar sempre das mulheres, e as mulheres devem confiar sempre nos homens. As mulheres é que devem sentir orgulho dos seus maridos e nunca o contrário'', explica o marido. E, justificando a poligamia masculina: ''Ter muitas mulheres é o direito que tanto a tradição como a natureza me conferem.''

O texto que a Professora Daizy Stepansky publicou em 2004 no Jornal do Brasil, pode ser encontrado na íntegra em www.livrariacultura.com.br em opinião do leitor, quando se buscar por Niketche.

Adito ainda votos de um bom sábado, que para muitos é parte do último fim de semana junino encharcado de futebol. Mas para quase todos muito envolvido em África, esse continente cujo sofrimento muito ignoramos ou até esquecemos.

4 comentários:

  1. Bom dia Professor!
    Aaahhh, como me deixaste curiosa acerca da narrativa deste novo livro que nos apresenta hoje!
    Eu, que sou "fominha" por livros, fico cada vez mais após as dicas dadas pelo senhor aqui no blog!
    Ainda mais um livro rico em misticismo e cultura diferente da que estamos acostumados!Me mata de curiosidade, no mínimo!!
    =]
    Um ótimo sábado ao senhor e família!!

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  2. Muito querida colega Thaiza,
    realmente temos muito a aprender sobre África. Mesmo que tenha lido Niketche: uma história de poligamia em 2004, esse banho deste continente tão sofrido, ensejado pela Copa, me fez retomar esse livro. Provavelmente vou falar na edição de segunda-feira sobre Denis Mukwege.
    Agradeço teu comentário e desejo que o sábado seja agradável para ti e para os teus.
    Uma amostra de Porto Alegre tens na foto da blogada de hoje.
    Um afago carinhoso do

    attico chassot

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  3. Muy querido Profesor Chassot,
    ¡Envolvente su dica de lectura!
    Hablando de África, quisiera transmitir la voz de la modelo somalí Waris Dirie, quien del desierto se convirtió en top model y luego en embajadora de la ONU, luchando por la ablación femenina (mutilación de los genitales femeninos).
    Vale escuchar su voz en: http://www.youtube.com/watch?v=UFDx7kpR8mg&feature=related
    Vale también reflexionar cómo la voz de una mujer valiente ha logrado cambiar la legislación en muchos países africanos. Un paso más para abolir las injustas diferencias entre los sexos (hay muchas diferencias, pero no todas son injustas).
    Que tenga un lindo fin de semana,

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  4. Muy apreciada Matilde,
    gracias por traeres,
    una vez más, tu comentarios a ese blogue.. El romance Niketche: uma história de poligamia de la escritora mozambicana, Paulina Chiziane es muy emocionante. Dentro de nuestra actual inmersión en África, mañana traeré una mujer haciendo una denuncia acerca de la ‘historia única’. Agradezco tu sugerencia de la modelo somalí Waris Dirie. En otro momento la usaré em este blogue tiene recibido tu prestigio.
    Que tengas un domingo hermoso junto a tus familiares en esa tierra que no sabe o que es inverno,
    attico chassot

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