Porto Alegre Ano 4 # 1422 |
Este blogue adere à mobilização nacional para que
hoje, o jogo entre Brasil x Portugal seja assistido em outra emissora que não a Globo, em desagravo pelas agressões desta ao técnico Dunga e contra o monopólio da verdade que ela busca deter.
A blogada de hoje é uma continuação daquela de ontem, onde trago a parte final da resposta à pergunta: Mudanças nos valores na sociedade: tu como vês? Feita na disciplina QUI-344– Instrumentação para o Ensino de Química II, na Universidade Federal de Viçosa. Eis a continuação da resposta de ontem. Antes dizer que as duas fotos são da aula da manhã de ontem, sob a coordenação da Prof. Dra. Cristiane Cunha Flôr. O Rodrigo que aparece na segunda foto em primeiro plano tendo a sua direita a Pamela, sua namorada (para quem já autografei livros ofertados por ele), escreveu: o texto ficou excepcional! Achei diversos pontos ressaltados pelo senhor de extrema importância, pois continham situações sobre as quais eu ainda não tinha pensado, e talvez por consequência ainda não tinha valores definidos... Além de ter me identificado muito com o trecho referente a religiosidade e liberdade religiosa. O texto se encaixou como uma luva na aula. Pôde ser utilizado na discussão de diversas formas e nos fez pensar muito... Agora então continuação do texto de ontem.
Assim, Rodrigo, vejo já uma parte da questão que a Professora Cristiane propôs, respondida. Mesmo que haja ainda muitas dificuldades, o mais gostosamente fantástico dos tempos atuais é podermos falar acerca de como vivemos as transições dos valores sociais. Há uma metáfora de nosso tempo, que gerações anteriores não tiveram: ‘Sair do armário’. Assim ‘os gays estão saindo do armário’ ou ‘os ateus estão saindo do armário!’. Recordo que, há não muito, ao fazer palavras cruzadas a acepção para ‘homem mau de quatro letras’ era ‘ateu’. Quando comentei isso em novembro de 2008, em Brasília, no I Colóquio Internacional de Psicologia do Conhecimento o Prof. Arden Zylbersztajn, da UFSC, acrescentou com graça: ‘... e de cinco: judeu!’. Veja que isso é algo superado.
Talvez a pergunta trazida fique mais facilmente respondida se nos dermos conta de algo que muito significativo: que somos testemunha de algo quase fantástico. A transição que se operou em um curtíssimo espaço de tempo. Permito-me explicar isso com um exemplo muito pessoal.
Quando em outubro de 1966 casei com aquela que se tornou mãe de meus filhos, aconteceu algo que é paradigmático para explicar essa rapidação [criei, e uso com adequação, esse neologismo para caracterizar, com rapidez, uma ação rápida]. Na tarde de uma quinta-feira, ante-véspera do casamento, a Dione e eu estávamos no Instituto de Química. Ela ia para casa, distante uns 10 quilômetros. Eu também precisava ir lá, para buscar algo. Fomos. Ao chegarmos, ela – a mais velha de sete irmãs – disse a sua mãe: ‘Estava tão atrasada que quase vim com o Attico de carro!’ “Poderias ter vindo... Só que hoje não dormirias mais em casa!’ Poucos anos depois, era natural, que suas irmãs saíssem para acampar com os namorados. Que fora norma para mim era o mesmo que disciplinou meus pais, meus avós, meus bisavós ate imemoráveis antecedentes. Isso deixou de ser norma já para gerações homólogas a minha, para meus filhos e netos.
Ainda no dia 01 deste mês, neste blogue, comemorei – e a ação verbal é bem posta – o cinquentenário da pílula anticoncepcional. Foi em 23 de abril de 1960 – portanto há apenas 50 anos – que a pílula anticoncepcional recebia a permissão para ser receitada, distribuída e vendida explicitamente como anticoncepcional oral nos Estados Unidos. É preciso lembrar que ainda na década de 20 uma feminista estadunidense foi presa por ensinar publicamente práticas anticonceptivas. Começava com a pílula uma “revolução” que incidiria nos anos seguintes na vida de milhões de mulheres de todo o mundo, e através delas nos homens, nas famílias e nas sociedades de todas as nações. No Brasil seu uso se torna popular nos anos 70s.
Logo só a partir dos anos 70 do século passado, que a contracepção faz cair de uma maneira acentuada o número de filhos por casal. Mesmo que, em 1968, Paulo VI publicasse a encíclica Humanae Vitae, com normas muito definidas a respeito as sexualidade para os esposos católicos, especialmente no que se referia a usos de métodos não naturais de controle da natalidade. A Igreja Católica perde, pelo menos no que se refere à regulamentação dos nascimentos, a sua autoridade, antes tida como quase incontestável.
Essa é outra significativa mudança que assistimos que dá outra conformação muito diferenciada à vida das pessoas. Sou o primeiro de sete filhos e recordo que minha mãe que fora muito católica, já octogenária contava, que o padre lhe perguntava no confessionário: Que idade tem o filho menor? Se a resposta fosse dois ou mais anos, vinha a perscrutante interrogação: Que estão fazendo que não venha mais um cristão?
A partir da possibilidade de os casais optarem, inclusive com auxílio das novas descobertas da área médica, gerações que provinham, então de famílias com sete ou mais filhos formaram casais com três ou quatro filhos, para esses constituírem famílias com dois filhos ou até um. Vale referir que até os anos 70s (do século Vinte – e todos os leitores deste texto são homens e mulheres do século passado) as mulheres dos 20 aos 40 anos, ou estavam grávidas ou estavam amamentando.
Se tivesse elencar apenas uma mudança que vi assistir na sociedade em tempos de modernidade líquida (numa adesão a Bauman) diria que é o direto das mulheres a definirem sua fertilidade e nisso serem audazes na desobediência daqueles que sempre se acharam no direito de pensarem por elas. Isso é a mais significativa mudança de valores na sociedade. Outras mudanças significativas (sem fazer juízo de valores sobre as mesmas): a desvalorização da virgindade, o amor livre, relações sexuais propositalmente não procriativas, relações sexuais pré-matrimoniais, direito ao aborto... são apenas consequências.
Talvez outra mudança muito significativa, que ainda não aprendemos a fruir, pois não sabemos lidar com a morte, é aquela que comentava neste blogue em 13 de abril deste ano.
Escrevera, então: Hoje entra em vigor no Brasil o Novo código de ética. Não vou trazer aqui detalhes acerca do mesmo, até porque houve tensões entre diferentes profissionais da área da saúde, algumas marcadas disputas na reserva de mercado. Registro aqui apenas uma significativa novidade, que a partir de outras discussões trazidas aqui, em outros momentos, defendi posições que a partir de hoje significam conquistas.
A chamada desta edição traduz algo muito importante: “Paciente terminal decidirá sobre morte.” Agora está assegurado o direito a ortotanásia.
Ortotanásia é o termo utilizado pelos médicos para definir a morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente morte digna, sem sofrimento, deixando a evolução e percurso da doença. Portanto, evitam-se métodos extraordinários de suporte vida, como medicamentos e aparelhos, em pacientes irrecuperáveis e que já foram submetidos a Suporte Avançado de Vida. A persistência terapêutica em paciente irrecuperável pode estar associada a distanásia, considerada morte com sofrimento.
Isso significa que não há mais a exigência de os médicos proporem a extensão artificial da vida de um paciente terminal. Muito provavelmente isso termine ou diminua com a máfia dos que fazem das UTI fonte de enriquecimento.
Médicos de pacientes em estado terminal devem respeitar a decisão deles de não continuar o tratamento e poderão lançar mão de procedimentos que amenizem o sofrimento dos doentes.
Essa é uma das determinações do novo código de ética médica, que entra em vigor amanhã em substituição à versão anterior, de 1988. Desde então, surgiu uma série de inovações tecnológicas que permitem que se prolongue cada vez mais a sobrevida de pacientes com doenças incuráveis.
Encerro com duas considerações acerca dessas ditas mudanças de valores na sociedade. A primeira, uma necessária referência à força fabulosa da mídia no fazer a cabeça dos devotos do Mercado – um novo deus cada vez mais idolatrado. Essa mídia, – aqui a publicidade em especial –, determina hábitos e faz grassar essa doença perversa que é a neopatia, que trouxe aqui ainda em edição da semana passada: 15* Você é um neopata? quando fiz ícone desse consumismo uma jovem que nos seus 16 anos estreava seu 15º aparelho de telefone celular. Outra, a perda do otimismo e da expectativa de um futuro promissor. Quando se terminava a Universidade, em período não muito distante, havia a confiança em emprego. Hoje lecionamos para uma provável legião de desempregado. Os jornalistas, com propriedade, se intitulam formadores de opinião. Eles fazem isso mesmo. Mas, também são leais aos seus patrões, logo martelam ideias a serviço dos poderosos, posicionando-se, usualmente, contra a classe trabalhadora e contra os excluídos. Sobre essas duas considerações tenho me batido bastante em palestras e no blogue. Por ora só as menciono aqui.
Meu caro Rodrigo, me espraiei demais na resposta a tua pergunta. Não sei de respondi, ou apenas divaguei. Ensaio uma brevíssima síntese: ‘É preciso ter coragem de mudar’. Atenção: usei a frase na voz ativa. Na voz passiva [Ter coragem de ser mudado] é mais complicado. Encerro trazendo uma citação que já fiz capitular de textos que escrevi ou catalisador de algumas falas: A afirmação é de David Hume, um dos filósofos escoceses mais importantes do Século das Luzes. Ela ajuda em tentativas de pensarmos o quanto devemos lutar para que possamos romper as barreiras de obscurantismo: “Se acreditamos que fogo esquenta e a água refresca, é somente porque nos causa imensa angústia pensar diferente!”
Agradeço ao Rodrigo ter ensejado minha estada intelectual em Viçosa. À Prof. Cristiane a possibilidade desta reflexão. A cada uma e cada um dos alunos da licenciatura em Química da UFV sou grato por terem oportunizado a esse blogue ser um artefato que faz alfabetização científica.
Votos de uma sexta-feira frutuosa, se é possível quando o futebol é um anestésico tão forte de ações e emoções. Amanhã, independente de vitória ou derrota – e porque não empate que é como começam todos jogos e também como têm terminado a maioria nessa copa – nos leremos, provavelmente, aqui.
Primeniro quero lhe parabenizar pelo blog que está ótimo(já falei isto, nunca é demais!)
ResponderExcluirSobre este assunto deras uma amostra de vários pontos importantes. O que quero colocar é que a sociedade de uma maneira geral diminuiu pré-conceitos, porém este está sumindo e outros problemas estão crencendo demasiadamente como a falta de respeito, a corrupção e a violência.
Maria Helena
Queridos participantes do “Grupo de Choro”
ResponderExcluir~~ Bianca Damasceno de Oliveira (Flauta), Maria Helena Zambelli (Violão de 6 Cordas), Marcelo Gonçalves Pereira (Violão de 7 Cordas), e Gabriel Carvalho de Assis (Cavaquinho) – mais especialmente a querida Maria Helena – obrigado por desde a acolhedora Juiz de Fora se fazer presente neste blogue.
Bem posto o comentário da ‘menina do violão de seis cordas’: vivemos num tempo privilegiado que diminui os preconceitos, mas, lamentavelmente nos traz uma realidade dolorosa: a violência. É isso não havia colocado na minha resposta ao Rodrigo da UFV (por tal recebe cópia dessa mensagem.
Obrigado, Maria Helena, por tua perspicácia e agudez de análise,
attico chassot
Professor, desculpe a demora no complemento ao meu comentário, mas é final de período e as provas estão a mil!
ResponderExcluirBem, após indas e vindas na conversa com a turma passamos por pontos em que os conceitos e valores ainda não estão formados, como o senhor mesmo citou o direito a ortotanásia, bem como a pesquisa com células tronco ou a utilização dos transgênicos.
E como foi bem citado pelo Grupo de Choro, a falta de respeito hoje está imperando. Também hoje para um grande parcela da população aquela pessoa correta não é mais um exemplo, ela é vista como um chato...
Bem, as mudanças nos valores atuais possuem vários méritos, mas nem tudo são flores...
Meu caro Rodrigo,
ResponderExcluirrealmente a tua síntese,
que se alia a Maria Helena, do grupo de Choro: ‘NEM TUDO SÃO FLORES’, para mim a insegurança é ícone do mal estar destes tempos de modernidade líquida. Para professoras e professores e mesmo para pais a falta de respeito é o mais dramático, enquanto o desemprego aflige especialmente os formandos.
Realmente, nesses novos tempos há bônus – e os maiores são superação de preconceitos e o exercício da liberdade – mas pesados ônus, como lembrou a Maria Helena (que recebe cópia desse comentário) com oportunidade. Eu, no meu extenso dissertar, só falei em flores.
Obrigado por catalisares essas reflexões
attico chassot
Professor,
ResponderExcluiracredito que grande parte do respeito que existia anos passados se devia ao medo. Medo dos pais e de suas punições, medo dos professores, medo das represálias dos pais por alguma atitude que não os agradasse e por ai vai. Hoje grande parte desse medo se dissolveu, por consequência grande parte do respeito também...
Hoje eu vejo que o respeito tem que ser conquistado por atitudes e não por imposição como acontecia, mas logicamente que é muito mais difícil, por consequência hoje não existe respeito por parte dos alunos e filhos em grande parte dos casos.
Não acho que isso seja uma coisa boa nos dias de hoje, mas também não gosto nem um pouco do respeito a partir do medo. Acho que o respeito deveria ser espontâneo, todos devem ser respeitados e todos devem respeitar, sei que as coisas não são assim e dificilmente um dia serão, mas ninguém sabe o que o futuro nos gurda...
Assim teríamos respeito para com os pais, os mais velhos, professores, e os coleguinhas, teríamos respeito às leis e para a violência encontraríamos uma solução.
Essas são apenas divagações, mas que sabe um dia...
Meu caro Rodrigo,
ResponderExcluirobrigado por continuares essas reflexões
A grande pergunta é: ‘¿Por que perdemos a falta de respeito?
¿Será que o respeito só existe quando imposto pelo temor, assim como vi nesta terça-feira no Colégio Militar? Temos que convir que o trabalho de professoras e professores se torna muito dificultado com a ausência de respeito. Eu, por exemplo, me irrito se numa palestra, em um auditório de 100 pessoas há duas pessoas conversando ou uma fazendo algo que demonstra não participar;
Imagino o que é dar aula para uma turma de bagunceiros.
Mas, esses são sinais dos novos tempos, que vimos terem ônus e bônus.
Um bom domingo para ti, para a Pamela e também para todos os colegas que participaram destas reflexões que tu catalisaste nesta aula da última quinta-feira,
attico chassot
Estimado Chassot,
ResponderExcluirQue aula! que retrospectiva!Este assunto mudanças nos valores da sociedade, é bastante amplo! adorei!!!!
Abraços,
Obrigado querida colega Joélia,
ResponderExcluirrealmente houve investimento para esta aula. Por tal lembrei-me de talvez poderes aproveitá-la com teus alunos da Licenciatura,
Um afago do
attico chassot