ANO
8 |
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EDIÇÃO
2727
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Na noite de ontem a Gelsa e eu recebemos uma notícia (in)esperada: Morreu a Rosane. Há sete meses — ante algo inesperado — torcíamos
por esperada recuperação de uma colega muito especial. A sexta-feira se fez
lutuosa. As mensagens que estão no Facebook (de onde colhi a foto) recordando
a Prof. Dra. Rosane Maria Kreusburg Molina dão o tom da tristeza que invade
aquelas e aqueles que conviveram no Programa de Pós Graduação em Educação da
Unisinos com uma colega muito especial. A Gelsa fez uma síntese: Dói muito perder a Rosane, uma grande colega
e amiga, uma pessoa do bem, entusiasmada pela vida... Muito já
lembrei nossas conversas no ônibus indo para Unisinos. Sinto o quanto hoje este
sábado sabe a um gosto muito amargo.
Esta blogada sabatina abre ratificando o
convite feito ontem: esta tarde, a partir das 14h45min, Café filosófico na sala C103 do Centro Universitário
Metodista do IPA. Venha ajudar assestar
óculos para olhar o mundo natural. Detalhes na edição de ontem.
Meu sábado tem envolvimento acadêmico já pela
manhã. Ocorre hoje mais uma sessão do seminário Teoria e prática de inclusão.
Para este sábado de outono um presente. Uma
carta de amor. Não adito nenhum comentário. Vale curti-la:
Amada
pequena menina,
os
astrônomos afirmam que as estrelas que hoje vemos reluzir começaram a arder há
centenas de milhares de anos e talvez hoje estejam se extinguindo. Tal é a
dimensão de distância que nos separa delas, até mesmo para um raio de luz que,
sem se cansar, percorre mais de 40.000 milhas em um segundo.
Sempre
foi difícil para mim imaginar isso, mas agora posso fazê-lo com facilidade
quando penso como você sorri diante de minhas cartas cordiais, enquanto minha
alma sofre com dúvidas e preocupações, e quando penso como você se aborrece com
a minha dureza e a minha desconfiança, enquanto uma medida de ternura, que luta
em vão para se expressar, me preenche.
Há
dois caminhos para evitar esta incongruência. O primeiro seria me abster de
relatar uma atmosfera que supostamente não vai durar nem uma semana. O outro
seria fazê-lo mantendo um olhar sereno, acima do teatrinho de mascares que a
vida vai encenando conosco.
Desprezamos
o primeiro caminho, o caminho da preservação, porque ele pode acabar levando ao
estranhamento. Por isso, somos obrigados a fazer aquilo que o segundo caminho
nos recomenda.
Imagine
que cada duas horas dos quatro dias que se passam entre a minha pergunta e a
sua resposta — não, mais 64 das 96 horas — estendessem a tal ponto por meio de
pensamentos confusos a respeito de você que a pobre pessoa por fim não fosse
mais capaz de distinguir esse intervalo de tempo de um mês ou de um ano.
Imagine
quão vazios e, consequentemente, quão breves pareceriam os milênios durante os
quais não pensamos em nada, e então você será forçada a admitir que o atraso
dos acontecimentos que interessam ao astrônomo não será maior do que aquele que
nós dois somos forçados a suportar por causa de seu veraneio em Wandsbeck.
O
que nós, ligados de maneira tão íntima e tão insolúvel, teremos que fazer
quando acontecer entre nós algo como aquilo que constituía o conteúdo de minhas
últimas cartas. Se eu não estiver fisicamente exausto, vou empurrar para um
segundo plano as poucas lembranças incômodas associadas aos meus esforços por
você e me alegrar pensando em tudo de bom e de belo que vi em você, e em todos
os sacrifícios que você fez por mim até hoje.
Você
vai habituar-se a continuar amando o pobre homem, apesar de sua antipatia, de
seus maus humores esporádicos e de seus julgamentos equivocados, e
continuaremos a caminhar juntos alegremente. Se não me engano, hoje
efetivamente você não é capaz de dedicar a mim todo o seu amor sem alguma
dificuldade, e à custa de autocontrole — e eu só serei capaz de sorrir, ciente
de minha vitória, quando você finalmente se tornar minha, seguindo o curso
inevitável da natureza, como eu pretendia desde o começo.
Por
isso alegre-se, amada Marthinha, o tempo há de chegar — se é que ainda não chegou
— no qual tudo aquilo a que um dia você concedeu uma parte de sua estima se
tornará uma sombra que não vai perturbá-la, mas do que a mim mesmo.
Em
breve, terei que retomar meu trabalho, que por meio de um hábito seguido com
pontualidade primeiro se torna suportável e depois pode tornar-se estimado.
Tenho diante de outros principiantes a vantagem de uma maturidade maior, e de
maior consideração por parte dos superiores. Atualmente falta-me a confiança
que vem de habilidades conquistadas pelo hábito constante, porém não me faltam
conhecimentos teóricos nem a capacidade de observar o corpo humano como um
simples objeto, sem me intimidar com as dores dos pacientes.
Durante
os poucos dias nos quais me dediquei à cirurgia, realizei algumas pequenas
operações com o bisturi, coloquei algumas ataduras com gesso e, por duas vezes,
conduzi a anestesia de pacientes por meio de clorofórmio.
Das
atividades que realizei, está última é certamente a mais desagradável, pois a
morte súbita durante a anestesia por clorofórmio, esse acontecimento temido por
todos e incontrolável, faz com que o médico fique em estado permanente de
excitação nervosa.
No
quarto que me foi designado encontra-se também um menino pobre e perdido, cuja
perna precisa ser diariamente lavado com o maior cuidado antes que seja trocado
seu curativo, e eu não escapo dessa atividade desagradável e de pouco sucesso.
Os
próximos três meses no departamento de cirurgia certamente vão melhorar
visivelmente minhas habilidades e, se alguma vez eu tiver de retirar do mais
lindo dos olhos um grãozinho de poeira, as dores que a querida menina terá de
enfrentar nessa grande operação serão muito mais suaves.
Sorte
de quem puder em breve ver estes olhos lindos reluzindo de amor! Agora
infelizmente Eli está tão apaixonado por Fritz que ele também não consegue
largar de Martha e esse novo amor me custa tanto sofrimento quanto o anterior.
Um
consolo são agora as três irmãs iniciadas, que sempre conversam, e com as quais
pode-se falar de Martha, e que me parecem melhores e mais maduras, como se
entendessem como a nossa vida mudou.
Elas
também contam algumas coisas com as quais se poderia provocar a Marthinha num
momento alegre, por exemplo, como ela nos criticou uma vez na casa dos Weiss, e
eu sou obrigado a rir quando me lembro quanto ele foi castigada por isso.
Amanhã
voltarei a escrever uma cartinha, o dia de hoje é tão irritante e perturbador.
Vamos fazer com que passe depressa, para dar lugar a outro, melhor.
Com
cordiais saudações à única e querida menina amada,
Teu Sigmund.
Teu Sigmund.
Tradução
de Luis Krausz / Fonte Revista Cult
Adito ao sentimento de tristeza do mestre minhas sinceras condolências, ratificando que nesses momentos só a fé nos conforta. Só a crença em um inexplicável explica. Quanto ao nosso amigo pai da psicanálise, sua cartinha demonstra o quanto sentimental o mesmo era.
ResponderExcluirAbraços
Intimidade epistolar
ResponderExcluirCartas são aqueles pedaços da gente
Que sem querer colocamos no papel,
Retratos três por quarto tão somente.
Contudo, de uma resolução bem fiel.
Nelas, vamos revelar nosso interior
Coisa que fazemos com certo receio
Porquanto quem as lê poderá supor
Ser o autor acometido por devaneio.
Então não devíamos ler carta alheia
A qual o íntimo do escritor devassa
Revelando tudo que sua alma anseia.
Autor e leitor terão que ter sintonia
Segundo entende o que outro traça
Pois tudo mais é especulação vazia.