Ano 6 | PORTO ALEGRE | Edição 1864 |
Maria Clara Volkweiss Chassot
*12AGO1909 +10SET2001
A referência de abertura desta edição de 10 de setembro é a evocação dos 10 anos de falecimento de minha mãe. Já contei em outros momentos, ela foi sepultada quando o mundo tomava conhecimento da derrubada das duas torres do WTC em Nova York. Hoje de uma maneira especial ao lhe recordar a memória, testemunho
uma continuada presença traduzida pelas evocações de sua história.
A dimensão da continuidade da vida se dá também na reunião familiar que teremos esta tarde em Estrela, para festejar o primeiro aniversário do Felipe, que destaquei aqui na quinta-feira. Mesmo que ele não tenha conhecido sua bisavó, em breve conhecerá sua história e isto da continuidade a vida de minha mãe.
Sábado é dia de falar em livros e foi minha mãe que me mostrou a primeira vez um destes artefatos culturais que ainda me encanta a cada (re)tomada e precisa ser ‘livro’ no sentido clássico, como exigiu o Antônio na narrativa que se fez blogar na quinta-feira. A dica de leitura sabática é trazida no retempero de resenhas que escrevi em duas publicações diferentes. Na revista Episteme n. 16, p.181-185, jan./jun 2003 e posteriormente uma versão mais resumida no Leia Livro (da Secretária de Cultura do Estado de São Paulo) em agosto de 2004. O texto seminal tinha como título Bibliotecas: um mundo quase fantasmagórico. Esta versão de agora foi catalisada pela Denise Ikeda, uma bibliotecária vibradora com o que faz e que encontrei em São Bernardo do Campo, no dia 26 de agosto.
Já tive oportunidade de estar nas mais destacadas bibliotecas, a começar pela alma-mater delas a de Alexandria. Adito apenas algumas: a Biblioteca Nacional da França, a Britânica, a da Universidade de Coimbra, a do Escorial, a de Madrid, a da Universidad Nacional de Educación a Distancia, a Nacional Argentina. Já me encantei com bibliotecas escolares pequenas, mas charmosas. Muitas vezes, quando visito instituições é usual que gostem de me mostrar laboratórios, prefiro ver a biblioteca.
Pois na dica de hoje fala-se de bibliotecas. Eis o livro que hoje faz votos de um bom sábado a cada uma e cada um de meus leitores:
A conturbada história das Bibliotecas. BATTLES, Matthew. São Paulo: Planeta, 2003, 239 p. [Título do original inglês: Library: An unquiet History. Tradução: João Virgílio Gallerani Cuter] ISBN 85-7479-698-0. R$ 49,00
Nunca entendi bem o porque, mas adiro aos que adjetivam a inveja de santa e eu tenho uma santa inveja do que faz Mattew Battles. Ele trabalha na Biblioteca de Houghton, que abriga a coleção de obras raras de Harvard. Admitamos, um excelente local para se desfrutar o trabalho como ócio. Posso imaginar que não são poucos os leitores deste blogue que gostariam de ter tal cenário como local de seu ganha pão, até porque o pão para o espírito viria como um alentado benefício extra.
Battles (na foto), falando de seu local de trabalho, conta – e me permito dar-lhe a palavra aqui – que “quando fui trabalhar na Biblioteca Widener, em Harvard, cometi logo de saída meu primeiro erro: tentei ler os livros. Não demorou muito para repetir-se em mim aquela sensação de vertigem compulsiva [...] na verdade, uma resposta a contradições que qualquer um de nós enfrenta quando está diante de uma biblioteca. O leitor vai tocando os livros expostos nas estantes, levanta-os, sente-lhes o peso, aprecia as letras inclinadas, dispostas numa página de rosto, examina marcas deixadas por outros leitores e, quanto mais toca, mais fugidio lhe parece o saber ali contido. Todas as coisas que desconhece parecem estar lhe acenando por detrás das capas, nas entrelinhas. Na biblioteca o leitor é obrigado a despertar daquele sonho de comunhão íntima provocado pela leitura. Ele é forçado a reconhecer a materialidade do mundo na sucessão interminável das lombadas, nos sons das páginas virando sobre as mesas, no atrito das capas que se espremem nas prateleiras, e nesse cheiro rançoso [Aqui, permito-me discordar de Battles; os livros têm um cheiro agradável, às vezes até sensual] que impregna qualquer ambiente em que há livros em grande número. É claro que essa experiência da dimensão puramente física do livro é mais forte nas grandes bibliotecas, onde a massa da palavra escrita é tão grande que parece criar um centro de gravidade em torno de si.” E o capítulo inaugural “Lendo a biblioteca” prossegue falando dos encantamentos que nos oferecem esses tabernáculos da sabedoria.
Muito provavelmente, cada um dos leitores deste blogue já sentiu sensações semelhantes quando se deleitam em uma biblioteca. Eu devo confessar, antecipando que nisso já tive adesão de outros, que mesmo que prelibe o ir a biblioteca, quando lá estou por muito tempo, me assalta, com frequência, uma sensação de culpa, pois parece que devia estar em minha sala trabalhando, como se a biblioteca fosse apenas local de fruição de prazeres, indevidos em expediente de trabalho.
O autor finaliza o primeiro capítulo com uma conclusão. Uma história completa das bibliotecas – um documentário explorando plenamente as bibliotecas – ocuparia vários volumes. Há uma opção. O livro se detém “naqueles momentos em que leitores, autores e bibliotecários questionaram o próprio sentido da biblioteca.” Parece que aqui é que perdemos, ou pelo menos nos frustramos. Talvez, porque nos agrade menos ouvir falar das derrotas. Preferimos vitórias. Isso não temos muito forte no texto, até porque ele é fiel ao seu título: A conturbada história das Bibliotecas e sequer conseguimos imaginar a extensão da conturbação dessa história.
Há possibilidade de ler um trecho em
http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/011003/trecho_bibliotecas.html
Se o objetivo de uma resenha é (des)estimular a leitura do livro resenhado, quero aqui, de maneira entusiástica recomendar A conturbada história das Bibliotecas. Acredito que vale a pena conhecer acerca do livro e porque para uns é companhia para os mais diferentes momentos e para outros, uma continua ameaça.
JOSÉ CARNEIRO ESCREVEU
ResponderExcluirMeu caro amigo prof. Chassot;
Uma bela e emotiva postagem, sem dúvida, a deste sábado. Uma homenagem a duas mães: a sua própria, que conheço dos seus textos e a nossa, assim me referindo às bibliotecas. É uma postagem que sintetiza a sua sensibilidade mais profunda e até, eu diria, duas razões de sua vida.
Uma bela postagem, de um homem que não se cansa de refletir sobre a vida que flui.
Abraços em todo o pessoal, do mais novo ao mais velho, que se reunirá neste sábado. Sorva um cálice de vinho por mim, caro amigo.
Abraços fraternos do
José Carneiro
Caro Chassot,
ResponderExcluirAnotada com prazer essa dica de livro. Bom fim de semana, JAIR.
Meu caro amigo José,
ResponderExcluirobrigado pelas referências que fazes a minha mãe ainda na oitava dos 91 anos de dona Nila. Realmente as bibliotecas são nossas eternas matriarcas.
Quase partindo para estrela para as celebrações filipinas.
Com amizade e admiração
attico chassot
Meu caro Jair,
ResponderExcluirrealmente este livro tem ‘a tua cara.’ Parece ser adequado a um polímata como és.
Sol aos catarinenses
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirquando guri imaginava um dia poder ler todos os livros que havia. Imaginava que com isso me tornaria possuidor de toda a sabedoria do mundo. Bem mais tarde, na graduação da Teologia, praticamente morava dentro da biblioteca: a porto do meu alojamento era enfrente à porta da biblioteca que não tinha chaves. Foi um período de sonhos, mas nunca consegui realizar o meu intento de guri - também só guri para pensar assim.
Um abraço,
Garin
Meu caro Garin,
ResponderExcluirobrigado por num dia tão prenhe de fazer e vires aqui para registrar tua paixão pelos livros.
Com estima
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirCada vez que você dá uma dica de livro, tenha absoluta certeza, consegui mais um leitor para o livro em foco. Já anotei este para comprá-lo JÁ. Abraços, JAIR.
Meu caro Jair,
ResponderExcluireste livro é do teu jeito. Tomara que o curtas,
Com estima
attico chassot