Ano 6 | PORTO ALEGRE | Edição 1859 |
Em uma segunda-feira, não há como não evocar o fim de semana, mesmo que tenha sido um hemi-findi, pois na noite de sexta-feira e em boa parte do sábado, estive fora. Mas depois de um domingo primaveril, só consegue-se embalar a semana pensando que na quarta-feira será feriado.
Não tenho a habilidade de meu colega Norberto Garin, que a cada dia em seus blogares faz do cotidiano inspiração para densas meditações. Narro algo, mesmo que não adense meditações.
Na ensolarada manhã de ontem a Gelsa e eu fomos caminhando ao supermercado. Depois de compras para a semana, chegamos cada um a sua casa, com sua sacola de pano prenhe de abastecimentos. Na minha porta: uma constatação me faz apreensivo. Por razão de uma saída não rotineira, sai sem chave e aquela que devia estar na casa da Gelsa estava em sua bolsa, que ficara em minha casa. O domingo parece que ia se anuviar.
Mas o Google salva-nos do aziago. Um tele chaveiro chegou em minutos e em menos de três segundos (não estou exagerando) – quando pensava que abriria uma caixa de ferramentas para começar sua função, ele estava com a porta aberta. Incrédulo solicitei para ver o ferramental, que a quase mágica me ocultara. Uma lâmina plástica, um pouco maior que um cartão de crédito, cortada de uma garrafa plástica era o abre-te sésamo. Foram os 40 reais mais bem pagos e mais rapidamente ganhos. Eu estava maravilhado e voltei a um alto astral. Não sei que meu colega Garin traria para meditarmos sobre o feito. Eu dei glorias a engenhosidade de um profissional.
Ainda do fim de semana, das leituras dos jornais, seleciono uma notícia: sítios de compras oferecem até desconto em faculdades.
Mais de uma vez, bradei aqui contra a transformação da Educação em mercadoria.
Neste domingo na Folha de S. Paulo, na capa do Cotidiano os jornalistas Fábio Takahashi e Patrícia Gomes trazem matéria que corrobora minha/nossa (ou pelo menos de alguns) indignação. Vale ver o que está se fazendo com esta apetecível mercadoria. Abatimentos chegam a 80% da mensalidade.
Nos moldes de sites como Peixe Urbano e Clickon, que oferecem descontos em depilação ou jantares, empresas têm lançado páginas na internet em que o universitário consegue abatimento de até 80% na mensalidade. O modelo é visto com ressalvas por educadores, uma vez que o estudante pode escolher o curso por impulso e desistir facilmente.
Para pagar R$ 101 neste ano no curso de pedagogia na Faculdade Sumaré (desconto de 50%) ou ter bolsa de 20% na FMU, ambas em SP, bastava o candidato se cadastrar em um site, imprimir o voucher e levá-lo à instituição de ensino, após aprovação no processo seletivo.
Ao menos 40 mil estudantes que ingressaram em 2011 no ensino superior no país todo conseguiram descontos com esse modelo de site de compras coletivas específicos para a área de educação.
A Folha apurou o número com três empresas do setor, que começou a se expandir há pouco mais de um ano. A Mais Estudo informou ter dado descontos a 28 mil universitários neste ano. O Movimento Cidadania, 10 mil; e o Clube Educação, 650.
O principal alvo deles é a nova classe média, que pode ter algum gasto com educação superior, mas não suporta as mensalidades normais.
Os sites recebem taxas dos estudantes matriculados (valores variados, de R$ 10 mensais em média). Alguns também cobram das instituições a entrada no sistema.
DEBATE A modalidade de captação de estudantes é polêmica. De um lado, permite que mais alunos entrem nas faculdades, que colocam à disposição vagas que provavelmente não seriam preenchidas. Ingressante neste ano no curso de música, Fernanda Pinheiro, 36, afirmou que "se não fosse o desconto, eu não faria faculdade". Ela recebeu bolsa de 46% na Faculdade Mozarteum e agora paga R$ 385 de mensalidade.
"As instituições notaram que esses alunos evadem mais que a média", disse o diretor do
Semesp (sindicato das particulares de SP), Rodrigo Capelato. "Muitos escolhem por impulso.
Depois, veem que não têm condições para acompanhar o curso."
Docente da Faculdade de Educação da USP, Romualdo Portela disse que "a medida mostra que a educação transformou-se em mercadoria". De 35 instituições participantes, quatro têm nível de qualidade abaixo do recomendado pelo Ministério da Educação (FMU, FIP, Fundetec e Unisant'Anna).
Eis uma nova realidade como se vende chope a R$ 0,01 ou uma depilação completa, se comercializa um curso superior. Um bom assunto para pensarmos e uma segunda-feira que desejo seja boa para cada uma e cada um,
Caro Chassot,
ResponderExcluirem primeiro lugar, obrigado por me citares no teu blog. Desse jeito fico famoso às tuas custas.
Não vou construir reflexões sobre a tua porta destrancada num abrir e fechar de olhos, literalmente. Essa situação me fez recordar o tempo que morei no internato do Instituto Educacional da Igreja Metodista, em Passo Fundo, o IE. Utilizávamos essa mesma estratégia do chaveiro para arrombar a porta dos colegas com a finalidade de "aprontar" no quarto dos outros. Podes imaginar as estrepolias que armávamos nos quartos de quem não passava a chave, só batia a porta.
Outra evocação que tua blogada me trouxe foi as sacolas de pano, que estão de volta. Lá no vale do Jacuí, utilizava a mala de garupa (de pano) carregada sobre o ombro.
Um abraço,
Garin
Caro Chassot,
ResponderExcluirEsse lado mercantilista do ensino aqui no Patropi está atrelado ao descuido com que o Estado brasileiro trata o assunto. Desde sempre mesmo depois do advento da República nunca houve uma preocupação séria em dar prioridade ao ensino. Mesmo que as constituições brasileiras capitulassem o "ensino obrigatório e gratuito" e o dever do Estado de prover educação, saúde e segurança, isso sempre foi letra morta, não há seriedade no trato desses temas, independentemente do governo que esteja ocupando o trono no momento. O mercantilismo tem horror ao vácuo, ocupa-o sempre que ele existe. Assim, fica evidente que onde há espaço os vendedores de maravilhas se instalarão. Abraços indignados, JAIR.
Meu querido amigo,
ResponderExcluirque bom que nossos blogares ressuscitam passados, fazendo-os presente,
Com estima
attico chassot
Muito caro Jair,
ResponderExcluiresposo tua justificada indignação.
A fatia educação dentre as mercadorias está sendo abocanhada pois ela é suculenta.
Aqui o domingo primaveril se travestiu numa segunda-feira chuvosa e fria.
A amizade do
attico chassot