12.- Um 12 de outubro de festejamentos plurais

Porto Alegre Ano 5 # 1531

1riado ensolarado e de temperatura primaveril. Este 12 de outubro é de celebrações plurais e díspares. É o dia da padroeira? Ou o dia da criança? Ou, ainda dia, do cão? Também se celebra o dia da raça? Mas antes de falar do hoje, um comentário de ontem.

Na segunda-feira, hemi-feriado, ao entardecer, a Gelsa e eu enfrentamos uma fila de 40 minutos para assistir Nosso Lar [Brasil, 2010. 102 min. Drama. Direção: Wagner de Assis. Roteiro: Wagner de Assis] -- um filme de longa metragem brasileiro, dirigido e roteirizado por Wagner de Assis, baseado na obra homônima escrita por André Luiz e psicografada pelo médium Chico Xavier. Tendo sido gravado durante os meses de julho, agosto e setembro de 2009 em locações no Rio de Janeiro e Brasília, foi lançado em 3 de setembro de 2010, tendo alcançado um público de 1.6 milhão de espectadores em 10 dias de exibição.

Desenhos minuciosos e detalhados do mapa da cidade "Nosso Lar" assim como a arquitetura das edificações, ministérios e casas, foram criados pela médium Heigorina Cunha através de suas observações realizadas durante suas saídas do corpo (desdobramento) em março de 1979, conduzidas e orientadas pelo espírito Lucius. Seus desenhos foram esclarecidos e confirmados por Chico Xavier de que se tratava realmente da cidade “Nosso Lar” e mais tarde serviram de inspiração para criar o visual arquitetônico da cidade que se vê no filme.

Adiro a quem afirma: "é sempre complicado analisar filmes baseados em textos religiosos. Já é difícil criticar obras cinematográficas que têm fãs, então imagine as que têm devotos. Quando os defeitos de um longa-metragem como produto são apontados, corre-se o risco de parecer - erroneamente - preconceituoso, desrespeitoso com a fé alheia. Nosso Lar é dos mais complexos [...] é baseado em obra fundamental do espiritismo brasileiro, o primeiro volume da série A Vida no Mundo Espiritual, escrita em 1944 pelo médium Chico Xavier (1910-2002)”.

Gostaria de receber aqui, algum comentário de algum de meus muitos amigos de fé espirita acerca do filme. Eu tive dificuldades de entender. Ou para ser sincero: não gostei. Aguardo ajudas.

Há um ano, neste dia festivo de 12 de outubro, chegava a Bogotá. Era a segunda etapa de meu périplo colombiano que tinha na agenda seis falas em cinco universidades em duas semanas. Vinha de Pasto, onde estivera por 5 dias e já havia feito uma fala e uma meteórica incursão, no dia anterior, ao Equador. Em Pasto, naquela manhã como nunca em minha historia de aeroportos – e tenho amealhado muitas e neste ano o feito não foi vencido – olhei tanto para os céus (ou para a densa neblina) como naquela segunda-feira. Cheguei quase 4,5 horas atrasado na capital colombiana. Afortunadamente, minhas atividades acadêmicas só começariam no dia seguinte, quando falei em duas universidades e na quarta-feira em uma terceira. Na quinta-feira viajei a Medellín para mais duas falas.

A propósito, queria trazer algo deste feriado. Não tem no continente americano uma comemoração mais polêmica e que ao mesmo tempo receba nomes tão diferentes, que o dia de ontem, 12 de outubro. Os argentinos, por exemplo, chamam a data de "Día de la Raza" em outros países é "Día del Descubrimiento de América" (ou simplesmente el Descubrimiento), "Colón’s Day" (Dia de Colombo, nos Estados Unidos), ainda "Día de la Hispanidad" em outros, e o governo de Hugo Chávez introduziu a partir de 2002, "Día de la Resistencia Indígena" na Venezuela. No Equador a data deixou de ser feriado por pressão do muito bem organizado e militante movimento indígena que vê em (ou com) Cristovão Colombo o iniciador da repressão e a da escravização dos povos que habitavam a América antes do ‘assim chamado Descobrimento. O Brasil destoa completamente com este feriado de 12 de outubro: Dia de Nossa Senhora Aparecida ou dia da Padroeira, imposto pela religião hegemônica. Poderia ser também o dia que um bispo chutou a imagem.

Assim, o mundo hispânico, onde há um ano tive o privilégio de me inserir numa convivência com a Academia, mostra-me que há dois aspectos a considerar. Primeiro, a dissonância (e a até a contradição) do que se celebra: massacre ou exaltação da colonização. Segundo, o caráter que deve ter esse dia. Antes disso tenhamos em conta que estamos em atmosfera que envolve uma polêmica, que é bem mais antiga, e que adquiriu, nos últimos anos, uma conotação muito singular.

O questionamento ou a visão crítica da conquista e colonização espanhola nasce há vários séculos, praticamente desde o começo, para depois estruturar-se de uma maneira coerente e com um fim político determinado, a partir do que se passou chamar ‘La Leyenda Negra’. Lançada por potências inimigas da Espanha, mesclavam-se nela a verdade com a mentira e sua influência, fins e objetivos se sentem até o dia de hoje.

Mas voltemos ao significado da data. O que queriam os proponentes com essa comemoração? Estavam se referindo a uma raça em sentido biológico? Atualmente, falar em raça tem uma conotação diferente. A muitos faz pensar em algo discriminatório como é o racismo. Já se referiu que esta seria uma raça cósmica, que nada tem de biológica. Mas com o espiritual. E que raça seria essa estirpe humana? Pois seria nada mais nem menos que uma estirpe, surgida na América, filha dos espanhóis, que aqui chegaram, a crioula, que logo se foi mestiçando, pouco a pouco, primeiro com os aborígenes americanos e logo com os negros africanos, constituindo os milhões e milhões de crioulos, mestiços e mulatos que povoaram e povoam América, fruto precisamente desse 12 de outubro.

E, num ufanismo excludente, onde deixam os brasileiros fora (e talvez por isso eles se apegaram com Nossa Senhora Aparecida) os hispânicos falam de um povo que herdou uma cultura e uma língua, que permite se comunicarem desde o Rio Bravo no México até Terra do Fogo. A isso acrescentam outras coisas, como o amor à liberdade e amor à justiça. Se diz, que já há trezentos anos antes da Revolução Francesa, na América espanhola já usavam e pregoavam como a origem das liberdades, desde 1480 os campesinos de Castela que eram livres para trocar de residência de trabalho, podendo mudar-se de domicilio sem perder suas propriedades; e que a conquista de liberdades que se originou em Aragão e foi mais democrática que a Magna Carta arrancada pelos Barões ingleses do Rei João Sem Terra.

Pois isso há discussões acerca do feriado de hoje. Desejo a cada uma e cada um uma muito boa terça-feira. Amanhã já será ‘mittwoch isto é o meio da semana’. Lêmo-nos então.