Porto Alegre Ano 5 # 1523 |
Este três de outubro foi pleno de emoções no que a imprensa chama, com propriedade, de ‘festa da democracia’. Optei por fazer desta edição um diário de um domingo eleitoral, trazendo um pouco das emoções vividas com a Gelsa.
Antes das 6h postei o blogue. Pouco depois um alerta de um torpedo no celular. Claro que isso preocupa na madrugada. Eis a gostosa surpresa: Paizinho, acabei de sonhar contigo. Votarei contigo, Ana Lúcia. Na noite de sábado, em um gostoso telefonema, ponderava, mesmo que não conhecesse os seus demais votos, da importância de votarmos em determinado nome. Minha resposta traduz o significado do recebido: Filha querida, estou emocionado com este presente! Beijos amorosos plenos de felicidade.
Logo nos levantamos, pois queríamos acompanhar as primeiras movimentações. Como tínhamos o Antônio conosco, para acompanhar pela televisão, fomos ao chimarrão, na biblioteca da Gelsa. Quase duas horas antes da abertura das urnas acompanhávamos a vida no país e, mais particularmente, em Porto Alegre, que estava toldada de cerração com temperatura de 8ºC. Tínhamos notícias do recolhimento de 40 toneladas de cavaletes que infestavam as ruas da capital. Recebíamos também os primeiros resultados das votações de eleitores no exterior. Por exemplo, na Nova Zelândia entre 500 votos Serra era o preferido e Marina a segunda. Claro que não fizemos disso prognósticos.
Algo inédito nesta eleição: as urnas biométricas, onde o eleitor é identificado pela colocação de uma informação digital (obtida a partir de informação do dedo do eleitor, que tem os dez dedos cadastrados). Este teste é feito em 60 cidades brasileiras, no Rio Grande do Sul, em Canoas. Posteriormente soubemos do sucesso da experiência. O Brasil que tem tecnologia reconhecida internacionalmente com as urnas eletrônicas, nestas eleições recebe argentinos, turcos e iranianos como observadores desta inovação.
Acompanhamos pela televisão o café da manhã da Dilma e de Tarso. Sonhávamos que uma e outro se elegessem no primeiro turno. Nossos desejos para a presidência, ainda no sábado, foram reforçados por um texto que vimos na coluna de Beatriz Dorneles, em O Sul, que ratifica o quanto sempre dizemos que Lula passará para a História, como o Presidente que mais fez pela universidade pública brasileira: Ontem os reitores de todas as universidades federais brasileiras divulgaram um manifesto intitulado ‘Educação: o Brasil no Rumo Certo’ assistimos a um crescimento muito significativo do País em vários domínios: ocorreu a redução marcante da miséria e da pobreza; promoveu-se a inclusão social de milhões de brasileiros, com a geração de empregos e renda; cresceu a autoestima da população, a confiança e a credibilidade internacional. Foram criadas e consolidadas 14 novas universidades federais; institui-se a Universidade Aberta do Brasil; foram construídos mais de 100 campi universitários pelo interior do País; e ocorreu a criação e a ampliação, sem precedentes históricos, de escolas técnicas e institutos federais.
Pela manhã tivemos dois momentos de votação: no primeiro a Gelsa e eu fomos com o Antônio ao Colégio Bom Conselho, quando lhe contamos que ali estudara sua tia Júlia. Ele acompanhou primeiro a Gelsa à cabine de votação e depois foi votar comigo, acompanhado cada uma das seis eleições, iguais aquelas de sua avó. No segundo momento, fomos buscar a Liba em casa para votar e o Antônio a acompanhou ao colégio Batista. Soube que sua bisavó voltava para votar à escola em que fora professora há mais de 70 anos (mesmo que, é claro, não saiba o que é 70!). Pode-se com facilidade inferir a emoção de sua bisavó, militante histórica do Partido dos Trabalhadores, ao ter seu bisneto a seu lado, em mais uma eleição.
A chegada das 17 horas foi de uma longa espera. E quando chegou, houve a frustração de não ter de imediato a divulgação de pesquisa de boca-de-urna. No Rio Grande do Sul o retardo se deveu ao atraso de votação em alguns locais e em plano nacional, a existência de três fusos horários. Foi bom receber então a visita querida do Bernardo e da Maria Antônia. A Ana Lúcia chegou por telefone para partilhar emoções. Pouco depois das 18h se confirmava a vitória do Tarso Genro no primeiro turno e também a vitória em primeiro lugar de Paulo Paim para o Senado. Resultado conhecido matematicante às 19h45min. Mas em meio à euforia, nos frustramos – já às 20h30min, com mais de 88% dos votos (mais de 120 milhões de votos) apurados – por a Dilma só ter atingido 45,6% dos votos, o que leva as eleições para o segundo turno. Claro que pensar em mais quatro semanas de eleições é desgastante.
Há que registrar que nas dimensões de um país país continental, a rapidação dos resultados e a fidedignidade dos resultados são desafios, há alguns pleitos, vencidos com muita competência.
Uma surpresa em relação às pesquisas (m
as, em análises mais cautelosas previsíveis) foi desempenho de Marina Silva que amealhou quase 20% dos votos. Quando se instalava a República em 1889, a Constituição Brasileira de 1891 destacava que qualquer cidadão brasileiro, com idade acima de 21 anos, poderia alistar-se como eleitor, à exceção dos mendigos, dos analfabetos e dos religiosos pertencentes às congregações sujeitas ao voto de obediência ou estatuto que pautasse pela renúncia da liberdade individual. Isto significa que se vigesse hoje este texto, não poderiam ser eleitores, por exemplo, os jesuítas ou quaisquer membros de ordens religiosas. Parece que hoje o voto de obediência (e algum outro) é quase simbólico. Hoje questiono votos de fiéis submetidos ao mando dos pastores onde a obediência é mais que um voto.
Por fim quero recordar um texto que escrevi em 2002: “A inesquecível noite do domingo 27 de outubro é marco na linha do tempo de cada um de nós!”. Dizia que não poderia adjetivar de inesquecível a noite, ainda tão próxima, em que o Brasil inteiro celebrava a chegada de Lula à Presidência da República. Mas Olívio perdia o governo do Estado.
O difícil era entender que emoções invadiam naquele domingo. Juntos, construíamos situações de alegrias e tristezas. . Lembro que, quando tinha filhos pequenos, fui um voraz contador de história. Na noite do último domingo de outubro de 2002, um personagem de então, veio do imaginário fantástico e se fez real. Janus, nas minhas historinhas, era um menino que ria e chorava ao mesmo tempo, ou melhor, um lado do rosto chorava e outro ria.
A inspiração para então buscara na mitologia romana. Janus era o deus a quem os romanos creditavam o bom término de algo que estava começando. O templo principal de Janus, no Fórum, tinha portas voltadas para o leste e para o oeste. Entre as duas portas, estava a estátua de Janus com suas duas faces, que contemplavam em direções opostas: o começo e o fim do dia, para que esses fossem abençoados. Em toda casa, a oração matutina era dirigida a esse deus e para toda lide doméstica era solicitada a sua ajuda. Como o deus do começar, ele era invocado publicamente no primeiro dia de janeiro, assim denominado, pois Janus - sem similar na mitologia grega – começava o ano novo. Ele também era invocado no começo das guerras, durante as quais as portas do templo permaneciam sempre abertas; quando Roma estava em paz, as portas estavam fechadas. Agora na noite de 03 de outubro de 2010, o Janus de minhas historinhas é, mais uma vez, eu. Rio e choro simultaneamente.
Uma boa segunda-feira. Uma melhor semana. Encontramo-nos amanhã. Até então.
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