Janeiro de 2010 já é quase agônico. Mas nele ainda devo uma blogada não prometida. Durante este mês, não sem justa razão a imprensa – especialmente os cadernos culturais dos grandes jornais – evocou um dos maiores nomes de nosso século (não preciso recordar, uma vez mais, que todos os leitores deste blogue são homens e mulheres do século passado): Alberto Camus.
Há sobejas razões para esta merecida recordação: no dia quatro de janeiro de 1960, há cinquenta anos, Albert Camus morria prematuramente aos 48 anos de acidente de automóvel. Lateralmente é preciso dizer que essa trazida de evocações ocorre, uma vez mais pela nossa capturação pelos assim chamados ‘números redondos’. Já comentei o quanto os números primos devem sentir-se rejeitados. Por que não celebrarmos o 17, 19, 37, 41, 53... Ontem um amigo me disse que essa preferência pelos números cheios é mais uma evidência do acerto das propostas do ‘design inteligente’ para se contrapor ao evolucionismo. Sugeri-lhe que o sistema sexagesimal seria ainda uma melhor explicação.
Mas depois desse insignificante derivativo volto à proposta para fazer desta blogada quase derradeira de janeiro (as duas próximas têm pauta definida; sábado: dica de leitura e domingo: a segunda da edição da série de desenhos instigantes). Ajudado pela Wikipédia, eis algo mais.
Albert Camus (Mondovi, 7 de novembro de 1913 – Villeblevin, 4 de janeiro de 1960) foi um escritor e filósofo francês nascido na Argélia. Laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1957. Na sua terra natal viveu sob o signo da guerra, fome e miséria, elementos que, aliados ao sol, formam alguns dos pilares que orientaram o desenvolvimento do pensamento do escritor.
De pai francês e mãe de origem espanhola, cedo Camus conhece o gosto amargo da morte.
Seu pai morreu em 1914, na batalha do Marne durante Primeira Guerra Mundial. Sua mãe então foi obrigada a mudar-se para Argel, para a casa de sua avó materna, no famoso bairro operário de Belcourt onde, anos mais tarde, durante a guerra de descolonização da Argélia houve um massacre de árabes.
O período de sua infância, apesar de extremamente pobre é marcada por uma felicidade ligada à natureza,. Na casa, moravam além do próprio Camus, seu irmão que era um pouco mais velho, sua mãe, sua avó e um tio um pouco surdo, que era tanoeiro, profissão que Camus teria seguido se não fosse pelo apoio de um professor da escola primária Louis Germain, que viu naquele ‘negrinho’ um futuro promissor. A princípio, sua família não via com bons olhos o fato de Albert Camus seguir para a escola secundária, sendo pobre, e o próprio Camus diz que tomar essa decisão foi difícil para ele, pois sabia que a família precisava da renda do seu trabalho e, portanto, ele deveria ter uma profissão que logo trouxesse frutos - como a profissão do seu tio. No fundo, Camus também gostava do ambiente da oficina onde o tio trabalhava. Há um conto escrito por ele que tem como cenário a oficina, e no qual a camaradagem entre os trabalhadores é exaltada.
Sua mãe trabalhava lavando roupa para fora, a fim de ajudar no sustento da casa. Durante o segundo grau, ele quase abandonou os estudos devido aos problemas financeiros da família. Foi neste ponto que outro professor foi fundamental para que o futuro ganhador do prêmio Nobel seguisse estudando e se graduasse em filosofia: Jean Grenier. A tese de doutoramento de Albert Camus, assim como a de Hannah Arendt, foi sobre Santo Agostinho.
Mas, neste momento, o absurdo da existência se manifestou mais uma vez na vida de Camus. Após completar o doutoramento e estar apto a lecionar, sua saúde lhe impediu de se tornar um professor. Uma forte crise de tuberculose se abateu sobre ele nesta época. Ele era
tuberculoso havia já algum tempo. Esta doença lhe deu a real dimensão da possibilidade cotidiana de morrer, o que é fundamental no desenvolvimento de sua obra filosófica /literária. A tuberculose também o impediu de continuar a praticar um esporte que tanto amava e lhe ensinou tanto: Camus era o goleiro da seleção universitária. Conta-se que um bom goleiro. E seu amor para com o futebol seguiu-o durante toda a vida. E uma das coisas que mais o impressionou quando da sua visita ao Brasil em 1949 foi o amor do brasileiro pelo futebol. Conta-se que uma das primeiras coisas que Albert Camus fez ao pisar no Brasil foi pedir para que o levassem para assistir a uma partida de futebol. Um pedido bastante incomum para um palestrante.
Mudou-se para a França em 1939, pouco antes da invasão alemã. Mudou-se principalmente devido a polêmicas com as autoridades francesas na Argélia. Sua esposa e filhos permaneceram na Argélia e devido à guerra nem Camus pôde voltar à Argélia, nem sua esposa e filhos puderam vir para a França. Ele ficou em Paris durante o começo da ocupação nazista, trabalhando em um jornal. Devido a censura e a vigilância constante dos nazistas a maior parte dos jornalistas franceses muda-se para a região da França de Vichy. Começa a participar do Núcleo de Resistência à ocupação chamada Combat, tornando-se um dos editores do jornal de mesmo nome.
Camus morreu em 1960 vítima de um acidente de automóvel. Em sua maleta estava contido o manuscrito de "O Primeiro Homem", um romance autobiográfico. Por uma ironia do destino, nas notas ao texto ele escreve que aquele romance deveria terminar inacabado. Uma curiosidade sobre o acidente de automóvel: Camus não deveria ter feito a viagem para Paris de carro junto com os Gallimard (Michel, Janine e a filha deles Anne). Ele iria fazer esta viagem com o poeta René Char, de trem. Mas, por insistência de Michel, ele resolve ir de carro com eles. Char também foi convidado, mas não quis lotar o carro, além de já haver comprado sua passagem (Camus também já tinha seu bilhete de trem comprado quando foi convencido a ir de carro). No acidente de automóvel o Facel-Véga de Michel se espatifou contra uma árvore. Apenas Camus morreu na hora.
Há duas motivações para a trazida aqui de algo sobre Albert Camus. Um comentário de uma e outra.
A primeira muito pessoal. De todas as leituras que fiz sobre ele, deduzo o quanto foi desacertada há mais de 20 anos ter me desiludido com o autor na tentativa não muito bem sucedida de ler A Peste, sua obra capital, publicada 1947, que conta a história de trabalhadores que descobrem a solidariedade em meio a uma peste que assola a cidade de Oran na Argélia.
Das várias leituras sobre Camus que fiz nesse janeiro o texto que mais me envolveu foi aquele que dei como título a essa blogada: Albert Camus, um ateu com espírito escrito por Maria Clara Lucchetti Bingemer e publicado em www.amaivos.com.br O título, que me pareceu eivado de preconceitos me capturou. Afinal, afortunadamente, não encontro mais quando faço palavras cruzadas: ATEU como acepção de ‘homem mau com quatro letras’
Reviso posição e recomendo a meus leitores o excelente texto está no endereço antes referido, onde a autora nos alerta a cerca de Camus que: “no entanto, não se devem simplificar suas posições sobre a existência de Deus dizendo-o simplesmente ateu. Camus é na verdade, anti-teísta. Critica o Deus que a Tradição das Igrejas cristãs disseminaram no Ocidente questionando-lhe a veracidade diante do sofrimento do mundo e da existência do mal. A existência humana é por ele entendida a partir do mito de Sísifo, que se esforça descomunalmente para levar morro acima uma enorme pedra e a cada dois passos que vence na subida, é forçado a descer outros tantos e mais pelo peso da pedra. [...] Do limiar da segunda década do século XXI, em plena secularização, quando a vivencia da fé tem que enfrentar-se com uma cada vez maior desinstitucionalização, a teologia mesmo se pergunta diante da obra camusiana: como dialogar com os santos sem Deus, com os místicos sem Igreja do mundo de hoje? Não seriam talvez eles e elas os grandes parceiros e interlocutores dos quais deveríamos aproximar-nos para tentar construir um mundo melhor?”
Talvez os cinqüenta anos da morte de Camus e sua celebração possam inspirar-nos neste tempo de tantas angustias a novos (re)encontros. Permito-me convidar meus leitores para uma supimpa dica de leitura, amanhã. Este convite é aditado de votos de uma sexta-feira muito frutuosa marcada pela expectativa do fim de semana.
Mestre Chassot, a evocação de Camus é algo maravilhoso. Tive a felicidade de já ler "O Mito de Sísifo" - onde, além de fazer a crítica ao absurdo e a forma como o homem encara isso, ele fala um pouco sobre a obra de Dostoevsky - e também "O Homem Revoltado" - onde ele faz um estudo filosófico e histórico sobre as revoltas e suas origens, influências, e resultados ao longo do tempo, falando sobre revoluções bélicas, científicas e metafísicas.
ResponderExcluirÉ um autor que, na minha visão, merece ser lido por todos, pois sua forma única de analisar as coisas nos instiga a pensar mais e de forma diferente.
Ótimo dia.
Professor Attico,
ResponderExcluirThank you for presenting the life and works of Albert Camus. I look forward to reading one of his works, especially something he wrote following his thesis on Augustine. Could you please suggest a post-thesis work?
I find it interesting that although he blatantly considered himself an atheist, Camus later came to tout the idea that the absence of God in a person's life can simultaneously be accompanied by a longing for "salvation and meaning that only God can provide". For me, “the longing” screams “existence”, just one more little “pista”.:)
Truly he is an “atheist with spirit”, to arrived to see “good” in Augustine’s presentation of transcendence after beginning his early life drinking the bitter cup of loss and suffering that we all as humans so often are called to endure. This is truly the beginning, to see the “goodness”. As St. Paul wrote to the Romans, “It is the goodness of God that leads us to change our minds”.
Thanks again!
Your Friend,
Jonathan
Prezadíssimo Marcos,
ResponderExcluirexcelente a tua adição camusiana a minha blogada. Preciso ir atrás de perdido e recuperar um autor que a evocação de cinquentenário de sua morte passo a (re)conhecer.
Desejo que tuas férias anunciadas em outra mensagem sejam as melhores. Nós – meus leitores e eu – egoisticamente desejamos que sejam breves para tê-lo uma vez mais fazendo pertinentes críticas nesse blogue.
Com gratidão
Dear friend Jonathan,
ResponderExcluirmany thanks for your so stimulating comment, but I must say I’m not an expert in Albert Camus. I’m just a fan of good literature. Nevertheless, I share your vision: there are atheist with spirit (and perhaps you'll find me audacious if I include me among them). I’m glad you have visited my blog, and hope we’ll meet here again.
Have a nice week-end with Patricia and your community .
Your friend
attico chassot