Porto Alegre Ano 4 # 1255 |
Abro essa edição evocando minha participação na noite de ontem na formatura do curso de Licenciatura em Filosofia. Estava muito bonita. Hoje se destacam em formaturas uma lazertecnia, para fazer uma analogia à pirotecnia. Quando já cumpri meu 5º semestre no Centro Universitário Metodista - IPA essa foi a primeira colação de grau que assisti na instituição. Recebi comovida homenagem na fala da oradora da turma Janice Pacheco, que me comoveu. Foi momento para, dentro da curtidas reminiscências evocar formaturas que presidi enquanto Diretor do Instituto de Química da UFRGS e também minha formatura como licenciado em Química em 1965, marcada pela repressão da ditadura brasileira.
A manhã começa marcada por despedidas. Depois de 17 dias a Julia e o Benjamin retornam, nesta
manhã, a Paris onde moram. Tê-los conosco nas festas foi algo muito bom. Foi a segunda vez que tivemos o Benjamin conosco pelas festa de Natal e pela primeira vez contamos com a muito querida presença de seus pais numa virada de ano conosco. Um pólo de saudades serão aquelas do / pelo Antônio. Ele está muito ligado à Júlia e ao Benjamin; os dois também estão muito próximos dele. Ontem à noite, durante rituais de despedidas o Antônio optou por não ir dormir em sua casa para curtir com os dois a última noite dormindo com os dois.
Primeiro um preito de gratidão. Minha última dica ancorou-se em texto do escritor e jornalista Nei Duclós do caderno "Cultura" do Diário Catarinense, em 9 de agosto de 2008. Registrava, então, o prazer que seu texto aditava às minhas leituras de Górki. Alegrou-me o comentário deixado por ele naquela blogada: O encantamento é meu por ter sido incluído nesta dica de leitura, em que os três volumes de Gorki se transformam nos nossos melhores amigos. A vida fica melhor quando sabemos que podemos contar com estes volumes, que acabam povoando nosso espírito. Muito obrigado, Nei Duclós. Este ao receber meus agradecimentos ratifica: É uma honra servir de referência para leitura tão qualificada. Grande abraço e parabéns pelo blog.
Como comentei edição brasileira dos três livros: Infância, Ganhando Meu Pão e Minhas Universidades, é da Cosac Naify com uma apresentação primorosa. Tradução, apresentação, ensaios e informações valiosas sobre o autor são de Rubens Figueiredo e Boris Schnaiderman, um e outro com expertise em russo e línguas eslavas e profundos conhecedores da obra de Górki. Sobre o autor remeto a edição deste dia 02.
O segundo volume tem a seguinte ficha bibliográfica: GÓRKI, Maksimim. Ganhando Meu Pão [Original: V liúdiakh] Tradução, prefácio e posfácio: Boris Schnaiderman; São Paulo: Cosac Naify, 2007, 456 p. ISBN 978-85-7503-652-5.
Mesmo sendo um volume razoavelmente massudo é o texto que prende atenção. Acompanha-se intensamente o período que Górki, com 11 ou 12 anos (não há muita precisão no texto, mas há uma alusão quase ao final da ‘celebração’ do 13º aniversário) vai cumprir aquilo que seu avô que o criava ordena no final do primeiro volume: “Bem, Leksiei, você não é medalha para ficar pendurado no meu pescoço, aqui não tem lugar para você, vá então ganhar o seu pão e ser gente...” “E eu fui ser gente.”
Frequentou precariamente a escola 1876/77. Os relatos deste volume são do início da década de 80, do século 19. Ele assume os trabalhos mais variados e mais humildes: trabalho como doméstico em casa de parentes, onde executa ‘atividades de mulher’ como a lavação de roupa em um rio gelado e toda a faina doméstica em famílias numerosas, aprendiz de desenhista em casa de um arquiteto, (em dois momentos), lavador de pratos em navios, produtor e vendedor de ícones.
Torna-se um leitor insaciável e tem nessa atividade parte de seu trabalho, pois a noite lê jornais, revistas e romances para os patrões das famílias onde trabalha ou nos dormitórios coletivos das corporações de trabalhadores (construção civil, produtores de ícones). Para sua leitura individual tem alguns difíceis entraves: conseguir os livros (empréstimos de pessoas abonadas ou compra com muitas restrições financeiras), enfrentar às restrições á leitura de livros profanos (não se podia ler na quaresmas, as patroas queimavam os livros, o que criva sérias problemas quando eram emprestados) e problemas de iluminação, onde as velas eram controlados para que não fossem usadas.
Nesse volume há duas marcas dolorosas que perpassam a obra inteira contra as quais Gorki se insurge: a violência especialmente às mulheres e presença de pessoas sistematicamente embriagadas. Quanto à primeira, já referi nos comentários do último sábado. Era natural que os maridos baterem nas mulheres ( havia raras situações inversas) e na aceitação havia inclusive justificativas de oportunidade de expiação de faltas e oportunidades de santificação. Quanto a segunda, a justificativa do frio fazia com que a vodca fosse bebida extensamente consumida, inclusive por menores.
Como no sábado anterior valho-me, como sobremesa desta dica de leitura de três parágrafos do escritor e jornalista Nei Duclós, publicado no caderno "Cultura" do Diário Catarinense, em 9 de agosto de 2008:
Em Ganhando meu pão, há o destaque para a relação entre o autor e os livros. Qual a Rússia reportada por Máximo Górki nesse inesquecível rio de palavras? Aparentemente, é um país mergulhado na miséria e na barbárie. Rodeado por pessoas ágrafas, o adolescente Górki, órfão e sem recursos, sobrevive à custa do seu esforço físico. O que o diferencia é a leitura de livros, que lê à luz de lampiões, apartado de todos, e às vezes compartilhando com operários e velhos exaustos. É tocante cada cena em que os autores russos, lidos pelo jovem autodidata (que foi encaminhado para os livros pelo cozinheiro de um navio que singrava o Volga), emocionam aquela humanidade brutalizada.
Às vezes, chegam a roubar um livro favorito do rapaz para escondê-lo numa gaveta fechada a chave. O que isso nos diz? Que a Rússia produzia uma literatura, no século 19, que se disseminava em rede por todo o tecido social, chegava até os confins da população de todas as formas, seja em sebos onde se alugavam livros, seja por meio de alguns leitores que liam para a coletividade. Por todo o trajeto de sua narrativa, Górki esmiúça essa relação complicada entre o povo russo e sua própria literatura.
Trata-se de uma sucessão de comentários sobre livros e autores, o que cada um produziu e a referência que eles tinham entre comerciantes, camponeses, operários, entre o povo recém-saído da servidão e às voltas com a rudeza do tzarismo décadas antes da Revolução. Não tente detectar qualquer vestígio do chamado realismo socialista nessas palavras de Górki. Ele as escreveu e publicou antes de 1917. Sua principal observação é que as pessoas reais não estavam reportadas na literatura que conhecia, não apenas estrangeira, mas nacional. Ele sabia do que estava falando. Convivia diretamente com o povo, fazia parte dele e era seu olho consciente.
Assim entusiasmadamente recomendo Ganhando Meu Pão. Adito votos de um bom sábado. Oxalá seja vivido na expectativa de domingo para o qual desejo o melhor.
Mestre Chassot, a segunda obra da trilogia gorkiana é de um fascínio poderoso. Os primeiros livros que comprarei esse ano, logo que começar a lecionar, serão esses três (dos quais o último é esperado como tema da blogada do próximo sábado).
ResponderExcluirÓtimo dia.
Meu caro Marcos,
ResponderExcluirrealmente é muito bom esse teu propósito:adquirir a trilogia gorkiana. Somente uma ressalva: não queiro ser assim impositivo. Talvez até proponha te emprestar a caixa (ou um dos exemplares) para aperitivares. Já está indicada a resenha do próximo sábado.
Um muito bom domingo desde o ocaso sabatino quando o sol despede-se aqui na Morada dos Afagos
Com admiração
attico chassot