Ano
6*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2117
No dia 18 de
janeiro deste ano estava no Chile. Trago alguns excertos do que escrevi neste
blogue acerca de um dia muito emocionante, por incluir a visitação do Museo de la Memoria y de los Derechos
Humanos. Ali estivemos por cerca de cinco emocionantes e dolorosas horas. [Narro,
então, uns poucos detalhes do vimos]. Diria
que são inenarráveis as emoções que a Gelsa e eu vivemos nas horas que passamos
no imponente Museo
de la Memoria. Em mais de uma oportunidade as lágrimas mais que
umedeceram nossos olhos.
Talvez
por primeiro um detalhe sobre a assim chamada ligação do Museu com o Brasil.
Logo na entrada se encontra referências a ações de ‘comissões da memória’ de
dezenas países, alguns quase ignotos, como Granada. Não vimos referências ao
Brasil, que por quase vinte anos viveu sob uma ditadura militar. Aliás, foi
muito significativo ver dezenas de jovens brasileiros visitando o museu.
Pois
desde esta quarta-feira esta mácula parece desaparecer. É muito bom sermos
partícipe de um momento tão privilegiado. É por isso que a sugestão sabática de
leitura não é um livro, como usual. Trago a íntegra discurso da Presidenta da
República, Dilma Rousseff, na cerimônia de instalação da Comissão da Verdade no
Palácio do Planalto, em Brasília/DF no dia 16 de maio de 2012. Vale conhecer a
íntegra deste histórico documento.
Senhoras e
senhores, eu queria iniciar citando o deputado Ulisses Guimarães que, se
vivesse ainda, certamente, ocuparia um lugar de honra nessa solenidade.
O senhor diretas,
como aprendemos a reverenciá-lo, disse uma vez: “a verdade não desaparece
quando é eliminada a opinião dos que divergem. A verdade não mereceria este
nome se morresse quando censurada.” A verdade, de fato, não morre por ter sido
escondida. Nas sombras somos todos privados da verdade, mas não é justo que
continuemos apartados dela à luz do dia.
Embora saibamos que
regimes de exceção sobrevivem pela interdição da verdade, temos o direito de
esperar que, sob a democracia, a verdade, a memória e a história venha à
superfície e se torne conhecidas, sobretudo, para as novas e as futuras
gerações.
A palavra verdade,
na tradição grega ocidental, é exatamente o contrário da palavra esquecimento.
É algo tão surpreendentemente forte que não abriga nem o ressentimento, nem o
ódio, nem tampouco o perdão. Ela é só e, sobretudo, o contrário do esquecimento.
É memória e é história. É a capacidade humana de contar o que aconteceu.
Ao instalar a
Comissão da Verdade não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de
reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a
necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem
camuflagens, sem vetos e sem proibições.
O que fazemos aqui,
neste momento, é a celebração da transparência da verdade de uma nação que vem
trilhando seu caminho na democracia, mas que ainda tem encontro marcado consigo
mesma. Nesse sentido... E nesse sentido fundamental, essa é uma iniciativa do
Estado brasileiro e não apenas uma ação de governo.
Reitero hoje,
celebramos aqui um ato de Estado. Por isso, muito me alegra estar acompanhada
por todos os presidentes que me antecederam nestes 28 benditos anos. Por isso,
muito me alegra estar acompanhada por todos os presidentes que me antecederam
nestes 28 benditos anos de regime democrático.
Infelizmente, não
nos acompanha o presidente Itamar Franco, a quem rendo as devidas homenagens,
por sua digna trajetória. Por sua digna trajetória de luta pelas liberdades
democráticas, assim como pelo zelo com que governou o Brasil, sem qualquer
concessão ao autoritarismo.
Cada um de nós aqui
presentes – ex-presidentes, ex-ministros, ministros, acadêmicos, juristas,
militantes da causa democrática, parentes de mortos desaparecidos e mesmo eu,
uma presidenta – cada um de nós, repito, é igualmente responsável por esse
momento histórico de celebração.
Cada um de nós deu
a sua contribuição para esse marco civilizatório, a Comissão da Verdade. Esse é
o ponto culminante de um processo iniciado nas lutas do povo brasileiro, pelas
liberdades democráticas, pela anistia, pelas eleições diretas, pela
Constituinte, pela estabilidade econômica, pelo crescimento com inclusão
social. Um processo construído passo a passo, durante cada um dos governos
eleitos, depois da ditadura.
A Comissão da
Verdade foi idealizada e encaminhada ao Congresso no governo do meu companheiro
de jornada, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem tive a honra de servir
como ministra e a quem tenho o orgulho de suceder. Mas ela tem sua origem,
também, na Lei da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, aprovada em
1995, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquela oportunidade,
o Estado brasileiro reconheceu, pela primeira vez, a sua responsabilidade pelos
mortos de desaparecidos sob sua custódia. Pelos mortos de desaparecidos sob sua
custódia durante o regime autoritário.
No entanto, é justo
que se diga que o processo que resultou na Comissão da Verdade teve início
ainda antes disso, durante o mandato do presidente Fernando Collor, quando
foram abertos os arquivos do DOPS de São Paulo e do Rio de Janeiro, trazendo a
público toneladas de documentos secretos que, enfim, revelados representaram um
novo alento aos que buscaram informações sobre as vítimas da ditadura.
O Brasil deve
render homenagens às mulheres e aos homens que lutaram pela revelação da
verdade histórica. Aos que entenderam e souberam convencer a nação de que o
direito à verdade é tão sagrado quanto o direito que muitas famílias têm de
prantear e sepultar seus entes queridos, vitimados pela violência praticada
pela ação do Estado ou por sua omissão.
É por isso, é
certamente por isso que estamos todos juntos aqui. O nosso encontro, hoje, em
momento tão importante para o país, é um privilégio propiciado pela democracia
e pela convivência civilizada. É uma demonstração de maturidade política que
tem origem nos costumes do nosso povo e nas características do nosso país.
Tanto quanto
abomina a violência e preza soluções negociadas para as suas crises, o Brasil
certamente espera que seus representantes sejam capazes de se unir em torno de
objetivos comuns, ainda que não abram mão, mesmo que mantenham opiniões
divergentes sobre outros temas, o que é normal na vida democrática.
Ao convidar os sete
brasileiros que aqui estão e que integrarão a Comissão da Verdade, não fui
movida por critérios pessoais nem por avaliações subjetivas. Escolhi um grupo
plural de cidadãos, de cidadãs, de reconhecida sabedoria e competência.
Sensatos, ponderados, preocupados com a justiça e o equilíbrio e, acima de
tudo, capazes de entender a dimensão do trabalho que vão executar. Trabalho que
vão executar – faço questão de dizer – com toda a liberdade, sem qualquer
interferência do governo, mas com todo apoio que de necessitarem.
Quando cumpri minha
atribuição de nomear a Comissão da Verdade, convidei mulheres e homens com uma
biografia de identificação com a democracia e aversão aos abusos do Estado.
Convidei, sobretudo, mulheres e homens inteligentes, maduros e com capacidade
de liderar o esforço da sociedade brasileira em busca da verdade histórica, da
pacificação e da conciliação nacionais.
O país reconhecerá
nesse grupo, não tenho dúvidas, brasileiros que se notabilizaram pelo espírito
democrático e pela rejeição à confrontos inúteis ou gestos de revanchismo.
Nós reconquistamos
a democracia a nossa maneira, por meio de lutas e de sacrifícios humanos
irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos nacionais, muitos deles
traduzidos na Constituição de 1988.
Assim como respeito
e reverencio os que lutaram pela democracia enfrentando bravamente a
truculência ilegal do Estado, e nunca deixarei de enaltecer esses lutadores e
lutadoras, também reconheço e valorizo pactos políticos que nos levaram à
redemocratização.
Senhoras e
senhores, hoje também passa a vigorar a Lei de Acesso à Informação. Junto com a
Comissão da Verdade, a nova lei representa um grande aprimoramento
institucional para o Brasil, expressão da transparência do Estado, garantia
básica de segurança e proteção para o cidadão.
Por essa lei, nunca
mais os dados relativos à violações de direitos humanos poderão ser reservados,
secretos ou ultrassecretos. As duas – a Comissão da Verdade e a Lei de Acesso à
Informação – são frutos de um longo processo de construção da democracia, de
quase três décadas, do qual participaram sete presidentes da República. Quando
falo sete presidentes é porque estou incluindo por justiça, e porque o motivo
do nosso encontro é a celebração da verdade, o papel fundamental desempenhado
por Tancredo Neves, que soube costurar, com paciência competência e obstinação,
a transição do autoritarismo para a democracia que hoje usufruímos.
Transição é
imperativo que se lembre aqui conduzida com competência, habilidade e zelo pelo
presidente José Sarney, que o destino e a história puseram no lugar de
Tancredo, e que nos conduziu à democracia.
Mas, mesmo
reconhecendo o papel que todos desempenharam, não posso deixar de declarar o
meu orgulho, por coincidir com meu governo o amadurecimento de nossa trajetória
democrática. Por meio dela, o Estado brasileiro se abre, mais amplamente, ao
exame, à fiscalização e ao escrutínio da sociedade.
A Lei de Acesso à
Informação garante o direito da população a conhecer os atos de governo e de
estado por meio das melhores tecnologias de informação.
A transparência a
partir de agora obrigatória, também por lei, funciona como o inibidor eficiente
de todos os maus usos do dinheiro público, e também, de todas as violações dos
direitos humanos. Fiscalização, controle e avaliação são a base de uma ação pública
ética e honesta.
Esta é a razão pela
qual temos o dever de construir instituições eficientes e providas de
instrumentos que as tornem protegidas das imperfeições humanas.
Senhoras e
senhores, encerro com um convite a todos os brasileiros, independentemente do
papel que tiveram e das opiniões que defenderam durante o regime autoritário.
Acreditemos que o Brasil não pode se furtar a conhecer a totalidade de sua
história. Trabalhemos juntos para que o Brasil conheça e se aproprie dessa
totalidade, da totalidade da sua história.
A ignorância sobre
a história não pacifica, pelo contrário, mantêm latentes mágoas e rancores. A
desinformação não ajuda apaziguar, apenas facilita o trânsito da intolerância.
A sombra e a mentira não são capazes de promover a concórdia. O Brasil merece a
verdade. As novas gerações merecem a verdade, e, sobretudo, merecem a verdade
factual àqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se
eles morressem de novo e sempre a cada dia.
É como se
disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se
existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo pode existir uma história sem
voz. E quem dá voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm
medo de escrevê-la. Atribui-se a Galileu Galilei uma frase que diz respeito a
este momento que vivemos: “a verdade é filha do tempo, não dá autoridade.”
Eu acrescentaria
que a força pode esconder a verdade, a tirania pode impedi-la de circular
livremente, o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por trazer a luz. Hoje, esse
tempo chegou.
Dilma Rousseff, Presidenta
do Brasil
Caro Attico,
ResponderExcluircreio que refletir, encarar verdade é o melhor caminho para nos construirmos sujeitos melhores,nação forte,honrados,merecemos conhecer nossa história,por mais amarga,indigesta que seja.
Obrigado democracia!
Caro Chassot,
ResponderExcluirmuito boa iniciativa de trazer à luz, no teu blog, essa palavra emocionante da Presidente. Para nós, que participamos desse período tenebroso da história do Brasil, o momento de agora é marcante e merece nosso prestígio.
Forte abraço,
Garin
Chassot,
ResponderExcluirVERITAS VOS LIBERABIT!
Saudoso abraço,
Guy.