Ano 5 | Passo Fundo | Edição 1758 |
Esta blogada é ainda postada em Passo Fundo, um pouco antes de deixar o hotel (o segundo em 26 horas aqui) para às 02h tomar o ônibus e retornar à Porto Alegre, onde devo chegar em torno das 6h. O dia aqui foi magnificamente aproveitado, mesmo que tenha sido surpreendido por um frio de entorno de 10ºC. No hotel uma lareira crepitava.
Pela manhã, fiquei no hotel fazendo algo que para mim é muito chato: Preencher diários de classe on-line. Estou atrasado nesta tarefa, pois custei a aprender alguns macetes (não sei esta expressão não é um tanto démodé), mas hoje, tive um razoável sucesso. Já estou quase ao par. Mas é doloroso sentir-se incompetente. A autoestima baixa.
A tarde durante 3,5 horas fiz com um grupo de 10 alunos do curso de Química uma mirada panorâmica na História e Filosofia da Ciência. Foi algo realmente desafiador. Na foto alguns dos participantes.
À noite para auditório de cerca de 200 docentes e discentes do Curso de Química da UPF fiz durante mais de 2,5 horas a palestra “Como formar jardineiros para cuidar do Planeta”. Uma e outra das falas foi procedida da frase: “Aos nossos mortos nenhum minuto de silêncio. Mas toda uma vida de lutas.” e uma homenagem aos mártires hodiernos. Aliás, esta frase esteve em todas minhas mensagens desta quinta-feira. Uma seleção de imagens tomada pelo professor Lairton Tres.
Ao final respondi perguntas e dei dezenas de autógrafos em quatro de meus
títulos. A quinta-feira se encerrou com uma gostosa janta com 5 colegas do curso de Química da UPF. Agora só espero que o vinho embale sonhos no ônibus dentro de mais um pouco.
Comentara ontem que a 10ª Semana do Químico, razão de minha estada na UPF, se insere no Ano Internacional da Química e a razão da escolha deste ano para tal comemoração é que em 2011 celebra-se o 100º aniversário do Prêmio Nobel em Química para Marie Sklodowska Curie, o que, de acordo com os organizadores, motivará destaques à contribuição das mulheres à ciência. Assim, parece pertinente que estando aqui em Passo Fundo para participar de comemorações do 2011-AIQ esta blogada traga algo nesta dimensão. Recorro para tal ao livro A Ciência é masculina?
Quando se fala em uma Ciência masculina, um razoável indicador poderia ser o número muito pequeno de mulheres que ganharam o Prêmio Nobel. Elas são apenas 16 entre os laureados nas Ciências (duas em Física, quatro em Química e dez em Medicina ou Fisiologia; destas 16, apenas 3 são exclusivos a mulheres), em um universo de cerca de 540 premiados – menos de 3% –, pois, mesmo que se tenham distribuído prêmios desde 1901, nos anos das duas guerras mundiais não houve premiações, mas há anos, especialmente nos mais recentes, em que o prêmio é dividido entre dois ou três escolhidos (na situação de três premiados um pode receber a metade e os outros dois um quarte ou cada um dos três um terço).
Nas outras três modalidades de prêmios Nobel temos: Literatura onze mulheres entre 100 laureados. Paz foi concedida a doze mulheres dentre 95 pessoas e 30 organizações já premiadas. Assim nestes dois prêmios entre 195 láureas foram premiadas 33 mulheres , cerca de 17%. O Prêmio Nobel de Economia – o único mais recente, pois, diferentemente dos cinco outros, que iniciaram em 1901, este começou em 1969 – em 2009, pela primeira vez premiou uma mulher (Elinor Ostrom, nascida em 1933 nos Estados Unidos) junto com um homem.
Os químicos, quando se observa a menor participação das mulheres na Ciência, rebatem essa afirmação dando o destaque que tem Marie Slodowska Curie dentro da história da Ciência. Realmente, uma das mais significativas contribuições da Ciência do século 20 – a estrutura do átomo – tem uma tríade feminina que pode ser considerada como definidora de novos paradigmas para a teoria atômica: Marie Curie, Lise Meitner (não recebeu o Nobel, mas tem o elemento 109 com seu nome) e Maria Goeppert-Mayer. Poder-se-ia contra-argumentar que são apenas três os nomes de mulheres mais destacados na área da física nuclear em meio a uma miríade masculina.
Realmente, não se pode desconsiderar que Madame Curie ostentou, por quase três quartos de século, uma situação ímpar, não detida por nenhum homem: foi galardoada com dois Prêmios Nobel de Ciência, pois recebeu o Nobel de Física em 1903, juntamente com Pierre Curie e Henri Becquerel (este recebeu a metade do prêmio, enquanto o casal Curie recebeu cada um a quarta parte do valor) e o Nobel de Química em 1911, pela descoberta do Polônio e do Rádio e pela contribuição no avanço da química. A bi-premiação com um Nobel de Ciências se manteve como feito exclusivo de Marie Curie por 61 anos. Em 1935, a filha do casal Curie, Irene, recebeu o Nobel de Química, juntamente com o marido, Frederic Juliot-Curie, pela síntese de elementos artificialmente radioativos.
O segundo Prêmio Nobel de Física a uma mulher só ocorre 60 anos depois, em 1963, para Maria Goeppert-Mayer, nascida na Polônia, com formação na Alemanha, tendo emigrado para os Estados Unidos e casado com o físico estadunidense Joseph E. Mayer. Assim os dois Prêmios de Física (1903 e 1963)– entre 187 premiados –foram ambos compartilhados com homens.
O segundo Nobel de Química exclusivo a uma mulher é outorgado em 1964, a inglesa, nascida no Cairo, Dorothy C. Hodgkin recebeu o, por seus trabalhos sobre a estrutura da penicilina e da vitamina B12O quarto Nobel para uma mulher em Química ocorre em 2009: para israeli: Ada Yonath (com dois estadunidenses) por pesquisas sobre a estrutura e a função dos ribossomos, chamados de "usina de proteínas da célula", abrem novos caminhos para a fabricação de antibióticos. Assim, as mulheres detêm quatro prêmios Nobel de Química (1911, 1935, 1964 e 2009, o primeiro e o terceiro exclusivos a uma mulher) entre 157 premiados – cerca de 2,5% –. Essa lista é aumentada, com a citação de dez prêmios Nobel de Medicina ou Fisiologia conquistados por mulheres, que será assunto de uma próxima blogada.
Vale recordar como Marie Curie, em 1911, perdeu por um voto para Eduard Branly, o acesso à Academia de Ciências da França por ser mulher, por ter uma possível ascendência judia e por ser estrangeira, ainda oriunda de um país periférico. Talvez tenha sido a primeira das três qualidades a mais discriminadora. Mas uma mulher que se alçava com destaque em uma seara masculina precisava ser detida. Quando essa cientista, já viúva, envolveu-se em um caso amoroso com o físico Paul Langevin (1872-1946), que trabalhou com Pierre Curie, chegando independentemente de Einstein, às mesmas conclusões relativas a equivalência massa e energia. Foi o primeiro não britânico a ser admitido no laboratório Cavendish, onde trabalhou com Rutherford. A imprensa sensacionalista explorou a relação amorosa de Langevin e Maria Curie, invadindo a residência desta (uma estrangeira conspurcando a honra da família francesa) para dar publicidade à correspondência íntima, o que não faria certamente se fosse um homem.
Há um excelente filme de 1943 acerca da vida de Marie Curie, que tem como mote É preciso buscar colocar as pontas dos dedos em uma estrela. Não foi sem motivos que um dos últimos atos de François Miterrand, ao encerrar seu segundo mandato de sete anos como Presidente da França, resgatando desconsiderações históricas, faz levar ao Pantheón as cinzas de Pierre e Marie Curie. Em 20 de abril de 1995, numa festa que engalanava um dos mais imponentes monumentos de Paris, em cujo frontispício consta “Aux grands hommes, la Patrie reconnaissante", se prestava uma justa homenagem a dois cientistas que foram muito importantes no entorno da virada do século 19 para o 20. Miterrand então destacava que “a cerimônia de hoje tem um caráter particular, pois que entra para o Pantheon a primeira mulher honrada pelos seus próprios méritos”. Assim, mesmo que estivesse previsto que aquele era um local destinado aos grandes homens aos quais se homenageia porque a Pátria está reconhecida, se acolhia, então, uma mulher polonesa mais de 60 anos depois de sua morte.
A edição se estendeu mais que desejava. O cansaço me vence. Apenas junto votos de uma boa sexta-feira. Amanhã, pretendo honrar a proposta de uma dica sabática de leitura. Até então.
Caro Chassot,
ResponderExcluirExcelente blogada. Eu já li seu livro "A Ciência é masculina?" e, mesmo assim gostei desse texto. Abraços, JAIR.
Estimado parceiro de blogares,
ResponderExcluirobrigado pelo prestígio que oferecer este blogue.
Esta manhã, já na minha Morada dos Afagos, aditei fotos e fiz algumas alterações da edição que leste postada de Passo fundo.
Com admiração
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirinfelizmente, ainda no século XXI os homens continuam se destacando mais em boa parte das atividades "públicas". Precisamos refletir sobre quem detém os poderes para facilitar as pesquisas e o desenvolvimento de cientistas no mundo: será que isso também não está em mãos masculinas? Merece uma análise constante sobre as oportunidades que as mulheres dispõem para fazer pesquisas e para publicá-las. A sociedade ocidental, nitidamente com um viés machista, continua a temer o petencial feminino no campo da ciência e, muitas vezes às relega a um plano inferior.
Desculpe se me estendi demais no meu comentário, mas tenho percebido isso.
Um abraço,
http://norbertto-garin.blogspot.com
Estimado colega Garin,
ResponderExcluirobrigado pelo precioso comentário. Concordo que ainda ocorra um mercante e castrador predomínio masculino.
Todavia, mesmo com os números tão reduzido de mulheres recebendo destaque como mostra a blogada de hoje, vislumbra-se (= há esperanças) de novos tempos. Olhemos: nossas bisavós, nossas avós, nossas mães. Praticamente o mesmo cenário.
Agora a as mães de nossas filhas, nossas filhas.... nossas netas, cada uma destas três gerações tem cenários que apontam para mudanças para melhor.
Com votos do melhor nesta fria e úmida sexta-feira.
attico chassot
Clóvia Marozzin Mistura deixou um novo comentário sobre a sua postagem "27.- Ano Internacional da Química & as mulheres na...":
ResponderExcluirPrezado amigo e mestre...depois de quase um ano,
sempre um prazer vê-lo em Passo Fundo na UPF e compartilhar contigo minutos de infinito conteúdo...
saudades, (amenizada por alguns abraços) mas não extinta.
Mais abraços e bom final de semana.
Obrigada por nos proporcionar reflexões tão pertinentes neste momento de impertinências.
Clóvia Marozzin Mistura
Muito querida Clóvia,
ResponderExcluiruma das muitas coisas boas que houve neste meu retorno a UPF foi reencontrar a ti e ao Fábio. Estou muito com vocês nestes dias que advém. Torcer é uma forma de rezar e adiro ao pensamento mágico.
Teu comentário é muito oportuno. Ontem à noite estava muito travado. Senti-me repetindo um discurso que já fizera aí, Como me convidei para a Semana do Químico de 2021, espero, então, trazer novidades.
Quero, aproveitando teu querido comentário aqui, agradecer a cada uma e cada um que me ‘paparicaram’ em Passo Fundo. Personalizo todos nas figuras queridas do Rafael e da Cassiane.
Mais uma vez a manifestação de minha torcida por ti e pelo Fábio e o agradecimento pela alegria desta tua chegada aqui.
attico chassot