Ano 5 | Porto Alegre | Edição 1756 |
Muito certamente a maioria de meus leitores (brasileiros) nestes últimos dias recebeu textos, ouviu na mídia falada e televisiva, leu nos jornais, acerca do “livro que ensina falar errado” e que Ministério da Educação distribuiu aos milhares. Coloquei o que está aspado no Google e recebi 160 respostas.
Na noite desta terça-feira o assunto esteve nas aulas de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa. Também, então, marcado pelas leituras da imprensa de massa. As críticas são as mais variadas. Mas, muitos destes ‘autoproclamados formadores de opinião’ [é bem posta a categorização] que pululam em emissoras de rádio nas madrugadas, mostram desconhecimento da obra e o propósito da mesma.
Na semana passada chegara minutar um texto para uma blogada especial. Depois intervieram outros pontos de agenda. Deixei no esquecimento. Ontem li, na Zero Hora, o artigo Ensinar ou debater errado? de meu ex-colega de UFRGS prof. dr. Luís Augusto Fischer que merece ser trazido aqui. Ele pertence aqueles textos que ler dizemos: isto eu queria ter escrito.
Notícia boa é saber que a escola em geral e o ensino de Português em particular estão na ordem do dia – a preocupação aumentou, e disso pode resultar um desenvolvimento inédito da área em nosso país. Notícia ruim é constatar que o debate em torno desses relevantes temas é ruim, meio torto, fruto direto da falta de intimidade com a questão por parte dos meios de comunicação massivos.
Vamos a uma analogia: lembra quando a mídia começou a falar da aids? Tinha de tudo em matéria de reação e demoramos muitos anos de debates e reportagens, ouvindo especialistas, vítimas e população em geral, até que agora estamos numa situação razoável. Daquelas primeiras reações (“aids pega em aperto de mão?”) até agora, quanta água rolou, não foi?
O caso atual é bem parecido. O evento mais notório é o do livro didático que o MEC bancou para trabalho com EJA, Ensino de Jovens e Adultos, para gente fora da seriação escolar típica, adultos que há tempos não estudam, se é que alguma vez estudaram. Muitos estão opinando sem ler, ou sem ler direito. Vários textos aqui mesmo na Zero expressaram isso. O que dizem reflete mais a precariedade de informação do que o tema em pauta.
Não duvido da boa-fé de ninguém. Ocorre que tais textos (dois apenas no domingo passado) reagem ao trabalho de linguistas especializados da área da descrição científica e do ensino de línguas do mesmo modo como certas pessoas olham com desconfiança a receita dada por um médico especialista na doença, duvidando que aquilo possa fazer tão bem quanto o velho e conhecido chazinho que a vó preparava. A analogia é imperfeita, como são todas as analogias (do contrário, seriam igualdades), mas ajuda a entender, senão o mérito do problema, ao menos a forma que o problema alcançou na mídia. O chá da vó pode ser bom, mas definitivamente não ajuda a entender melhor o problema (pode até mascará-lo, como recente série do Fantástico mostrou, com Drauzio Varella), nem a curar o doente.
Li o capítulo polêmico do livro (que está em vários lugares da internet) e, caro leitor, o livro está certo, certíssimo: conversa com o leitor (do EJA) para demonstrar (não apenas constatar) a existência da variação social da língua falada e da língua escrita e – atenção – para mostrar o caminho até a forma culta, prestigiada, que os não-especialistas chamam de certa.
Eu também tenho saudade do tempo em que o médico chegava e, apenas botando a mão na testa da gente, dava diagnóstico e prognóstico sem erro; mas hoje isso não existe mais. Não estou dizendo que tudo está bem, no ensino de Português ou no MEC; há interrogações grandes, mesmo nisso que acabei de dizer, mas acabou o espaço, enquanto o problema está só começando a se configurar na arena pública.
Assim, se gastou muita pólvora em chimango. [Chimango ou ximango: uma ave rapinante que preferencialmente se alimenta de carniça, embora possa atacar animais que perceba feridos ou doentes, incluindo ovelhas e até mesmo cavalos. Oportunista, pode usar a força do grupo para atacar qualquer presa] Não gastar pólvora em chimango é não perder tempo e dinheiro em algo que não compense, como caçar chimango.
Adiro a Luis Augusto e ratifico que muitos talvez, aprenderam o que é a norma culta e a norma popular; esta o livro ilustra com textos ‘errados’.
Agora, adito aos votos de uma muito boa quarta-feira e o convite para nos lermos aqui amanhã. Até então.
Constatar que existe uma lingua e falada e uma escrita, tudo bem. Admitir que existem variáveis entre os modos de falar nas diversas regiões, tudo bem. O que é estranho é o MEC fazer o seguinte afirmação: "Você pode estar se perguntando: 'Mas eu posso falar os livro?'. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico". Preconceito linguistico? Donde saiu essa besteira? Então, digamos que o professor Chassot, eteja dizendo para um hipotético aluno: "Nóis vai" é uma expressão gramaticalmente incorreta. Ele poderá ser tachado de "preconceituoso linguístico", por que está ensinado errado ao aluno. O certo é maneira que o aluno fala e pronto. Não concordo com quem diz que o livro de sancionar TODAS as maneiras de falr como corretas. Desculpe Chassot.
ResponderExcluirNorberto da Cunha Garin deixou um novo comentário sobre a sua
ResponderExcluirCaro Chassot,
muito boa a tua blogada de hoje. Também ouvi diversos comentaristas fazendo acusações iradas (a ira voltou a frequentar o blogue hoje) contra o MEC; falou-se de ensinar o idioma de forma equivocada, etc. Na espreita, pescava uma afirmação aqui, outra alí, e fui construíndo a minha opinião: de fato, como abordas aqui, tudo não passou de falta de informação (ou seria de má vontade) da mídia massiva.
Obrigado por levantares o tema.
Um abraço com os votos de uma ótima quarta-feira.
Garin
http://norberto-garin.blogspot.com
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Meu caro Jair,
ResponderExcluirprimeiro não cabe teu pedido de desculpas.
Divergirmos nos eleva. Quando preparei esta edição sabia de nossas leituras diferentes sobre o livro
Aprendo muito com David Hume (1711-1776), ofilósofo e historiador escocês me ensina que “Se acreditamos que fogo esquenta e a água refresca, é somente porque nos causa imensa angústia pensar diferente”
Este exercício intelectual de aprender a pensar diferente é difícil mas significativo.
Desejo que teus dias estadunidenses fluam gostosos com os filhos e com a neo-60tinha.
Com continuada admiração
attico chassot
Meu caro Garin
ResponderExcluir~~primeiro uma explicação por teu comentário aparecer como anônimo na edição de hoje. Cliquei por engano ‘excluir’ ou invés de ‘publicar’. Então tive que fazer a postagem manual ~~
Realmente não acredito que seja apena desconhecimento de causa certas críticas, mas sim criticar por criticar. É muito provável que a maioria nem sequer leu/manuseou o livro e se coloca como crítico. Se puderes olha minha resposta ao Jair.
Para meus alunos e alunas de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa a discussão tem muito oportunidade. Na Universidade do Adulto Maior o assunto esteve em sala de aula.
Obrigado pela trazida de teu apoio a blogada
attico chassot
ah, tá. então, quem ainda não se apropriou das normas cultas, deve permanecer caladinho? Que hipocrisia. Se o popular não serve para o ensino, podemos perder as esperanças.
ResponderExcluirMas, embora ainda não tenha tido contato com o material, será que a maneira que a autora se expressou não tenho colaborado com o "mal-entendido"?
“Aos nossos mortos nenhum minuto de silêncio. Mas toda uma vida de lutas.”
ResponderExcluir******
Muito querida Professora Müller,
um blague para dar chance ao trema dar uma voltinha. Realmente se só pudessem valar os detentores de linguagem culta, teríamos um quase silêncio.
Não sei se como se a autora escorregou. Acredito que não.
Estes ‘formadores de opinião’ são terríveis.
A blogada de amanhã será sobre os assassinatos dos companheiros do Pará.
attico chassot
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“Aos nossos mortos nenhum minuto de silêncio. Mas toda uma vida de lutas.”