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sábado, 7 de maio de 2011

07.- O baile da vitória

Porto Alegre * Ano 5 # 1738

Ontem pela manhã, num dos primeiros textos que escrevi, empreendi um ato singelo, solitário, mas prenhe de emoções. Quando o corretor ortográfico assinalou erro na palavra homoafetivo, eu a adicionei ao dicionário. Agora para ela e suas variantes homoafetivo/a/os/as não aparece mais a ‘cobrinha vermelha’ alertando para erro. Viva!

Trivial, dirão alguns. Concordo; mas quando nos emocionamos em singelezas

há sabor diferente: assim, para mim parece ter mais fruição contemplar uma flor de jabuticaba se transformando em fruto, que uma queima de fogos de artifícios. O 05MAIO2010 se faz já uma data memorável, após a histórica decisão do STF aprovando – por unanimidade 10 x 0 – as relações homoafetivas.

Apraz-me chegar a mais um sábado: o primeiro deste maio. E o bom é poder cumprir a agenda sabática e anunciar mais uma dica de leitura. A de hoje, como a de sábado passado (Alucinando Foucault), não é requentada ou daquelas que vou ao baú do tempo que me fazia resenhista no Leia Livro. Esta é também, como a última, de um livro lido no correr da semana (essa expressão ‘correr da semana’ de antanho, surpreende-me: seria a versão primeva de ‘tempus fugit’?).

Nesta informação acerca da dica de hoje, dois detalhes; um: ler ficção em dias ditos úteis; outro: o porquê da eleição do livro que opta ler.

Com muita frequência insistia/insisto com meus orientandos de mestrado e doutorado: leiam ficção. Isto será um facilitador para a escrita acadêmica de vocês. Aqui, um paradoxo: se isto faz parte de nossa formação profissional, porque ainda hoje me assaltam culpas, parecendo que isto só posso fazer nos chamados dias não laboral. É o computador, esse onipresente feitor sempre cobrando tarefas por fazer... Há de chegar um tempo para fruir livros que estão a mostrar suas lombadas ainda virginais e mesmo voltar a fazer amor com alguns que estão esperando novos acarinhares.

Isso me leva ao outro detalhe: Por que postergamos livros que há muito esperam ‘sua primeira vez’ para nos apoderar de um alienígena em nossa biblioteca. Com a dica de hoje aconteceu algo no mínimo original.

Uma noite, ao chegar à portaria do meu prédio, perguntei ao Douglas, marcado pela minha usual curiosidade, que livro lia. Mostrou-me ‘O baile da vitória’. Não li, ainda! disse eu. Ele retrucou: É excelente!... e acrescentou: Mas, o senhor conhece o Skármeta? Claro, respondi, o do Carteiro e o Poeta! E o porteiro, entusiasmado disse: Certo! Grande filme. Lembra-se da explicação de metáfora? Vi muitas vezes, aos pedaços, quando trabalhava como lanterninha nos bons tempos do Cine Guión, quando ele tinha a melhor seleção de filmes de Porto Alegre. Se o senhor quiser empresto-lhe o livro. Respondi à sua erudição, um desenxabido ‘tá bem’ seguido de um ‘boa noite’, e ascendi no elevador, matutando, esse cara não sabe tudo que tenho para ler e ainda pensa em pautar minhas leituras. Dias depois, me emprestou o livro. Comecei a ler por delicadeza. Valeu! A dica do porteiro se faz dica sabatina.

SKÁRMETA, Antonio. O baile de Vitória [Original: El baile de la victoria. Tradução de Luís Reye Gil] São Paulo: Planeta do Brasil. 2004. 343 p. 22 x 15.6 x 2 cm ISBN: 85-89885-44-5 ISBN-13: 978-85-89885-44-7 Preço na página da editora R$ 54,90

Acerca do escritor da dica de hoje o Douglas já deu a senha: É quem, em 1994, nos emocionou como autor do livro que originou o filme italiano Il Postino ou O Carteiro e o Poeta [(título no Brasil) ou O Carteiro de Pablo Neruda (título em Portugal)] dirigido por Michael Radford. Não há como não voltarmo-nos a emocionar com amizade entre o poeta chileno Pablo Neruda e um humilde carteiro que deseja aprender a fazer poesia. A muito terna película é baseada no livro Ardiente Paciencia de Antonio Skármeta.

Antonio Skármeta nasceu em Antofagasta (Chile) e graduou-se em Filosofia e Literatura na Universidade do Chile e na de Columbia, em Nova York. Suas novelas e livros de contos foram traduzidos para vinte e cinco idiomas. Alguns deles, reeditados permanentemente, estão entre os clássicos da literatura contemporânea. Sua novela O carteiro de Neruda alcançou sucesso mundial, e o filme baseado nela obteve cinco indicações para o Oscar e o entusiasmo de leitores e espectadores. Foi distinguido pelo governo da França como Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras. A Itália concedeu-lhe o título de Comendador e a Alemanha a medalha Goethe. Suas obras obtiveram alguns dos mais prestigiosos prêmios internacionais. Hoje vive em seu país, dedicado somente à literatura.

Mais sobre o autor pode ser conhecido em sua muito atrativa página oficial: http://www.clubcultura.com/clubliteratura/clubescritores/skarmeta Nesta pode se conhecer outras obras. Vejo que tenho muito a ler do autor. Além do livro base para o filme, li também ‘Macht Ball’ (1989). Fiquei particularmente encantado com a resenha de ‘El padre de película’ lançado no ano passado.

Falei do autor e restou pouco espaço para falar do gostoso 'O baile da vitória'. Referir que o livro recebeu Prêmio Planeta Espanha 2003, substitui um comentário mais extenso acerca deste texto onde Skármeta centra na narrativa no mundo dos marginalizados, nos levando por atrativas reviravoltas pelo submundo da capital do chile, que se faz familiar pelas suas ruas, pelos seus bairros, taxistas, policiais, hotéis de encontros e especialmente por uma escola conservadora, ainda nos tempos recentes, pos-ditadura de Pinochet. A democratização não chegou na escola em que Vitória sofre atrocidade de professores prepotentes.

Um jovem e um senhor ladrão saem da prisão beneficiados por um decreto de anistia para desabarrotar prisões lotadas. Angel Santiago e Vergara Grey têm dificuldades de refazer suas vidas. Angel, 20 anos, foi violentado na cela, agora em liberdade deseja vingar o carcereiro que o entregou a sanha de outros presos. Vergara, o mítico mestre em arrombar cofres cinquentão, frustra-se por que sua esposa por quem no presídio nutriu o maior amor, não aceita de volta.

A única saída é dar o Grande Golpe e enquanto se preparam para o Dia D, conhecem Vitória, filha uma mulher que a ditadura fez viúva. A menina é rechaçada pela escola e sonha ser bailarina. Os dois ferreteados ex-presidiários conhecem Vitória e não apenas se entregam a um terno triângulo de amor e amizade, mas a lançam ao estrelato no mundo da dança. Há que convir que temos motivos para excelentes tessituras às quais se juntam outros personagem que encantam e comovem por sua simplicidade e audácia.

Desejo que esta dica de leitura embale este sábado outonal. Alegro-me em convidar a cada uma e cada um para a blogada dominical. Claro que será sobre o dia das mães. E bem posto então será falar da mãe judia. Aguardem: valerá a pena. Até então.

8 comentários:

  1. Caro Attico,

    não imaginas o quanto me emociona ouvir falar em neruda, ainda que de forma incidente. Neruda tem um lugar privilegiado garantido em minha estante e não é raro encontrar-me com um de seus livros em meu carro. É o poeta de sensibilidade apurada, romântico e politizado, que sente as dores do mundo e as repassa ao papel. Ao escrever essas linhas, olho de soslaio para minha coleção de Neruda, ao lado. Já sei que não conseguirei dormir sem folhear ao menos uma de suas obras. Poeta profundo, capaz de dizer que "me tire o sol, o ar, o pão se quiseres, mas não me tires seu riso, pois sem ele eu morreria".
    É alma fina, da mais apurada sensibilidade.
    Obrigado por recordar-me o chileno nesta madrugada estranhamente sem chuva.

    Abraços.

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  2. Caro Chassot,

    como sempre, a tua blogada de hoje está magnífica. A começar pelo teu "corretor" automático do Word. Também concordo contigo, às vezes atos "prosaicos" demonstram sabedoria. No caso, o que fizeste com o teu programa de edição de texto reflete uma postura inclusiva.

    Existem dias "inúteis"? Entendo que, com toda a carga de leituras que um docente tem para dar conta em uma semana que ler um romance no escorregar de uma semana é incomum. Se eu tivesse o poder de modificar algumas coisas gostaria de transformar os finais de semana em seis dias e reduzir os dias "úteis" apenas ao domingo e no máximo, ao sábado à tarde.

    Bom sábado para ti! (útil ou inútil?)

    Garin

    http://norberto-garin.blogspot.com/

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  3. Meu querido companheiro, teu jeito amoroso e sensível de estar no mundo e teu insaciável desejo de sempre aprender são os grandes catalizadores de teus ensinamentos e dos afetos que constróis com teus leitores e com todos que, assim como o Douglas,encontras na vida. São essas coisas, entre muitas outras, que me fazem te querer sempre e cada vez mais. Gelsa

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  4. Caro Chassot,
    Bela postagem, como confio na tua sapiência, já considero que lerei esse e outros livros do Skármeta, e, para isso, vou fazer uma visita à Estante Virtual já. Abraços, e bom fim de semana. JAIR.

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  5. Meu caro Paulo Marcelo,
    ratificas o epiteto que te outorgo: Polímata, e adito: sensível. Obrigado pelo poético comentário e vibro com a informação que as chuvas que já fizeram mais de um milhar de flagelados no querido Pernambuco parecem cessadas.
    Daqui, com um sol esplendoroso votos de uma lindo fim de semana,
    attico chassot

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  6. Muito estimado colega Garin,
    primeiro obrigado pela referência a edição do blogue. Nossa troca de figurinha enseja aperfeiçoamentos. Aditar ‘homoafetivo’ foi emocionante.
    Veja que por pertencermos a uma ‘religião do 6º & 7º dias’ minha resposta a teu comentário já se faz ‘a sol alto’ como se diria nas barrancas de nosso Jacuí.
    Tu já me viste professar que em termos de dia de guarda, gostaria de ser adepto das três religiões abraâmicas dizendo-me islâmico, às Sextas-feiras, judeu aos Sábados e aos Domingos, cristão.
    Como respondo a um doutor em teologia, optei em referi-me a religiões abraâmicas e não monoteístas, pois a rigor, nem o judaísmo nem o cristianismo são religiões monoteístas  este é trinitário e aquele é henoteista, forma de religião em que se cultua um só Deus sem que se exclua a existência de outros. Assim, apenas o islamismo é rigorosamente monoteísta.
    Vejo-me aqui querendo ensinar o Credo ao pastor. Certamente peca-se por orgulho a mostrar erudição.
    Oxalá, ou assim queira Alá, tenhamos todos um bom fim de semana
    attico chassot

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  7. Meu amigo Jair,
    obrigado e como tu vou aditar mais Skármeta para fazer atos de amorosas leituras.
    Um sábado esplendoroso na tua Floripa ‘hermosa’.
    Com estima
    attico chassot

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  8. Mulher muito querida,
    que surpresa que esta blogada que curtimos juntos, na vibração de como o livro de Skármeta chegou a nós mereceu tão carinhoso comentário teu.
    Foi uma surpresa, pois sei de tua parcimônia em comentar blogues. Recebi teu comentário quando recém escrevera no meu diário: “[...] O desjejum foi na sala da Morada dos Afagos . À sobremesa, a Gelsa olhou o blogue no IPad e o elogiou. Isto é um prêmio para mim.[...]”. Depois disto algo adicional: teu comentário.
    Obrigado pelo companheirismo de vida em algo tão trivial como nestes meus devaneios de fazer-me bloguista. Isto faz a vida melíflua.

    attico

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